Em décima sessão consecutiva de alta, dólar fecha em R$ 4,51

Em décima sessão consecutiva de alta, dólar fecha em R$ 4,51

Bolsa fecha em baixa de 1,02% após duas sessões em recuperação

AE

Real teve novamente o pior desempenho ante a moeda norte-americana no mercado internacional

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O dólar teve a décima sessão consecutiva de alta e fechou pela primeira vez no nível de R$ 4,50. A moeda americana já havia atingido este patamar durante os negócios em outros dias, mas nunca fechado neste nível. No mercado à vista, a divisa encerrou a terça-feira em alta de 0,55%, a R$ 4,5117. O real teve novamente o pior desempenho ante a moeda americana no mercado internacional, considerando uma cesta de 34 moedas.

Em dia marcado por forte volatilidade, o dólar chegou a cair para R$ 4,45 logo após o corte surpresa de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), no início da tarde, mas voltou a subir em seguida com a piora do mercado internacional, que quer estímulos adicionais, e a perspectiva de mais reduções de juros também aqui para fazer face aos efeitos do coronavírus. Pesquisa do Projeções Broadcast mostra que alguns economistas já trabalham com redução da Selic na reunião de política monetária de março de 0,50 ponto porcentual.

O banco americano Goldman Sachs reduziu a previsão de crescimento do Brasil este ano para 1,5% e passou a prevê dois cortes de juros, reduzindo a Selic para 3,75% até dezembro. Na avaliação do economista-chefe para América Latina do Goldman, Alberto Ramos, um dos fatores que explica o câmbio mais pressionado no Brasil é justamente o juro baixo, o que reduz a atratividade do país.

Para o estrategista-chefe da Infinity Asset, Otavio Aidar, a chance de o Banco Central cortar juros aumentou após o corte extraordinário do Fed. Mas ele observa que vários outros países ao redor do mundo, desenvolvidos e emergentes, também estão reduzindo taxas, portando a redução do diferencial de juros não explica sozinha a disparada do dólar.

O real tem sido sistematicamente a moeda com pior desempenho, ressalta o estrategista. Mesmo países com menor crescimento e juros que o Brasil e sem histórico recente de aprovação de reformas estão com câmbio menos depreciado, destaca Aidar. Modelos da Infinity Asset indicam que um câmbio mais condizente com os fundamentos do Brasil seria, dependendo do que se leva em conta, entre R$ 4,00 e R$ 4,20. "O câmbio parece muito esticado em relação aos fundamentos."

Na avaliação do estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, a tendência é do dólar se estabelecer acima de R$ 4,50 e tem chance até de alcançar patamares maiores, em meio a aversão a risco internacional, a taxa de juros baixa e um ambiente político ruidoso, que, nos últimos dias, elevou as dúvidas sobre a capacidade do governo em avançar com as reformas. "É um ambiente de bastante incerteza. Realmente preocupa a alta do dólar que no dia em que o Fed corta 0,50 ponto porcentual em uma reunião extraordinária, sugere que a moeda está sem suporte", diz Rostagno, lembrando ainda da piora das transações correntes.

Ibovespa

O Federal Reserve foi o protagonista do dia - a instituição e o presidente, Jerome Powell - e os desdobramentos foram em mão dupla. A principio, as ações, aqui e em Nova York, avançaram com o inesperado corte de 0,50 ponto porcentual na taxa de juros dos EUA, em decisão extraordinária tomada por unanimidade pelo Fed, fora do cronograma de reuniões. Depois, com a entrevista de Powell, as ações passaram a cair, em meio à percepção de que o banco central trata com gravidade a evolução do coronavírus sobre o nível de atividade - o que contribui para alimentar revisões para baixo nas projeções de crescimento global e dos resultados das empresas.

Apesar do mergulho, que interrompeu duas sessões de recuperação (na sexta e na segunda), o principal índice da B3 teve desempenho melhor do que o observado em Nova York, onde as perdas ficaram bem perto de 3% nesta terça-feira, na sequência de forte avanço dos três índices de referência na sessão anterior, quando o Dow Jones subiu 5%. Por aqui, o Ibovespa fechou a sessão de hoje em baixa de 1,02%, a 105.537,14 pontos, um desempenho amortecido pela perspectiva de que o Copom, na esteira do corte extraordinário do Fed, venha a reduzir a Selic a 4% na reunião dos dias 17 e 18 de março, quando o BC americano também tem encontro marcado.

A montanha-russa fez com que o Ibovespa oscilasse de máxima a 108.803,58 pontos no meio do dia, quando se soube da decisão do Fed, à mínima de 104.404,82 pontos, em queda de 2% por volta de 16h22, depois de a T-note de 10 anos cair pela primeira vez abaixo de 1%, refletindo a situação excepcional e a dimensão da aversão a risco. Assim, entre a mínima e a máxima do dia, a variação chegou a 4,4 mil pontos. O giro financeiro totalizou R$ 34,4 bilhões e, no ano, o índice acumula agora perda de 8,74%.

Com a perspectiva de juros mais baixos também por aqui, algumas ações, especialmente as de varejo, conseguiram se descolar do mau humor global para fechar o dia em terreno positivo. Na ponta do Ibovespa, B2W subiu 4,99%, Qualicorp, 4,65%, e Hypera 2,62%. Assim como observado nos EUA, a curva de juros se ajustou para baixo no Brasil mais uma vez, especialmente a ponta curta, com o dólar à vista negociado a R$ 4,5117, em alta de 0,55% no fechamento da sessão.

Para André Perfeito, economista-chefe da Necton, o Fed errou ao tentar acalmar os mercados com mais liquidez. "Taxa de juros não é Naldecon, não é isso que vai gerar mais produção no momento", diz Perfeito, acrescentando que seria natural, na conjuntura, que houvesse queda seguida de recuperação gradual nos preços dos ativos. "A resposta adequada seria fiscal, não monetária - o Japão já indicou que vai enfrentar a situação pelo lado fiscal. Pela política monetária, vai gerar mais inflação nos preços de ativos, sem efeito (sobre a economia)", acrescenta.

Em coletiva, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que os efeitos do coronavírus na economia estão em fase muito inicial, e que devem crescer com o tempo - o que reforça a percepção de que o BC americano, ao atuar extraordinariamente hoje, tenha observado fatores que talvez não estivessem sendo devidamente considerados fora da instituição. Hoje, após a decisão do Fed, o presidente dos EUA, Donald Trump, defendeu que o BC americano siga cortando os juros, para se alinhar a outros países.

Após ter sido criticado ontem por Trump, pela lentidão em reagir ao coronavírus, o Fed entrou em campo hoje com um corte que colocou os Fed funds na faixa de 1,00% a 1,25%, duas semanas antes do encontro programado para março. Em um primeiro momento, a inesperada decisão do Fed entusiasmou os mercados globais, que mostravam frustração, mais cedo, com a falta de ação coordenada do G7 na reunião de ministros de Finanças e presidentes de BCs realizada nesta terça-feira, por teleconferência.

"O corte de juros efetivado pelo Fed foi bem relevante, após a decepção com o G7. Mas a fala de Powell mostrou preocupação com uma situação, de fato, grave", diz Henrique Esteter analista da Guide Investimentos.

Juros

A decisão do Federal Reserve de, extemporaneamente, reduzir o juro nos Estados Unidos em 0,5 ponto porcentual manteve os juros locais em trajetória firme de queda à tarde, após terem subido na manhã desta terça. As taxas curtas e intermediárias caíram mais do que as longas, com a curva perdendo inclinação, em função da disparada das apostas de corte da Selic pelo Banco Central a partir deste mês, em alinhamento ao que outros vêm fazendo em resposta ao avanço do coronavírus.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 fechou em 3,85% (regular) e 3,875% (estendida), de 3,964% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2022 recuou de 4,36% para 4,25% (regular) e 4,30% (estendida). O DI para janeiro de 2027 fechou com taxa de 6,380% (regular) e 6,43 (estendida), de 6,411%.

Os mercados ontem já precificavam um corte de 0,5 ponto nos fed funds, mas na reunião de política monetária regular do dia 18 de março e não de maneira tão imediata. Após um efeito inicialmente positivo nos ativos no começo da tarde, a medida depois acabou trazendo nervosismo aos ativos, ao indicar que o risco para a economia americana pode ser maior do que se imaginava. Além disso, o Fed sinalizou que não pretende utilizar de outras ferramentas que não os juros. As bolsas ampliaram perdas e o rendimento da T-Note de 10 anos caiu abaixo de 1% pela primeira vez.

Aqui, as taxas se firmaram em queda, mas, até então, estavam em alta, refletindo declarações do diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, ontem, lidas pelo mercado como sinal de que a autoridade monetária não vê desconforto no ambiente econômico em função do coronavírus. Em aula magna na FEA-USP, ele deixou claro logo no início da apresentação que não falaria sobre política monetária ou coronavírus. "Essas coisas terão desaparecido daqui a alguns trimestres", disse.

Após a medida atípica do Fed, porém, cresceu a pressão no mercado por novas quedas da Selic, já que outros BCs vêm atuando neste sentido - o da Austrália reduziu a taxa para 0,5%, piso histórico, e o da Malásia cortou o juro em 0,25 ponto porcentual, a 2,50%.

A probabilidade de redução de 0,25 ponto no Copom de março saltou de 40% para 76% na precificação da curva entre ontem e hoje, segundo o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno. Para a reunião seguinte, de maio, o mercado embute 34% de chance de um corte desta magnitude e a projeção no fim do ano na curva é de Selic em 4%.

Depois do Fed, várias casas também alteraram sua perspectiva para a política monetária. O mercado passou a enxergar como mais provável um corte de 0,25 ponto em março, de acordo com a maiorias das estimativas do levantamento relâmpago do Projeções Broadcast. E ainda há casas que preveem corte mais robusto, de 0,50 ponto - mesma magnitude do corte do Fed.

"Em função do Fed, parece razoável que o plano de voo do Copom possa mudar", afirmou o economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, José Pena. "O ambiente global claramente está se deteriorando. É bem pouco provável que não corte", acrescentou.


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