Economia

Patamar do dólar deve seguir alto

Para o 2º semestre, começando hoje, analistas veem arrefecimento, mas não em nível inferior a R$ 5

Valorização da moeda americana ganhou força nos últimos dias, cotada a R$ 5,59
Valorização da moeda americana ganhou força nos últimos dias, cotada a R$ 5,59 Foto : Marcello Casal / Agência Brasil

A elevação da cotação do dólar nas últimas semanas e a consequente desvalorização do real foram ganhando cada vez mais repercussão à medida que a moeda seguia em escalada: R$ 5,40, R$ 5,50 e quase R$ 5,60 na última sessão de câmbio do semestre, ocorrida na sexta-feira. O desafio, agora, será descobrir qual caminho essa dança de preços vai tomar. O dia de hoje, 1° de julho, marca oficialmente o início do segundo semestre e o primeiro pregão da Bolsa deste período. A saída de capital estrangeiro da B3 no primeiro semestre já é a mais intensa desde 2020, ano da pandemia, e a expectativa é que o fluxo negativo prevaleça pelo menos nos próximos dois meses, dada a falta de um corte de juros pelo Federal Reserve (Fed), o “banco central” americano, e diante das dúvidas quanto à trajetória fiscal no Brasil, o que diminuiria a atratividade para investimentos no país.

Com números da B3 apurados até 20 de junho, os investidores estrangeiros retiraram R$ 6,54 bilhões da Bolsa, pior mês de junho da série histórica desde 2007. Com isso, o saldo negativo no acumulado do ano vai a R$ 42,44 bilhões, saída mais intensa de capital desde o primeiro semestre de 2020, quando havia fluxo negativo de R$ 73,68 bilhões na mesma base comparativa. Com o real acumulando desvalorização de 3,7% ante o dólar em junho e de 15% no ano, o custo de oportunidade para o Brasil se perde na visão de investidores estrangeiros, segundo analistas.

“Temos nessas últimas semanas a desvalorização do real sendo provocada por saída de capital estrangeiro pela indefinição da política econômica e especialmente a política fiscal”, observa Gustavo Moraes, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS. “Depois de um ano e meio o governo não conseguiu estabelecer bases sólidas para garantia de que no médio e longo prazo haveria equilíbrio das contas. O governo optou por estratégia de aumento de impostos ao invés de corte de despesas e até agora essa estratégia não se mostrou sólida”, acrescenta. Além disso, assinala o economista, a Bolsa é predominantemente formada por capital estrangeiro. “Além de nos acostumarmos com os preços mais caros das matérias-primas importadas, provavelmente vamos assistir a uma transmissão de preços para o IPCA, e a uma manutenção, portanto, da política econômica, com juros acima de 10%, quem sabe até acima desses 10,5% praticados hoje”, prevê o economista, referindo-se à atual taxa de juros Selic.

O economista Martin Kirsten, que atua como operador no mercado financeiro, tem visão mais otimista, apesar da saída de capital estrangeiro. O fato de o Brasil ter uma das maiores taxas de juros do mundo, lembra, também pode atrair o investidor de fora por significar ganhos. Para Kirsten, o que estaria atrapalhando agora seria outro fator: o juro alto nos Estados Unidos. “Eles devem começar a cortar juros em setembro, o que deve ajudar na taxa de câmbio com o juro mais baixo nos Estados Unidos. Tende a haver fluxo de capital para países emergentes, e nesse contexto o Brasil é um dos preferidos”, afirma. Entretanto, ainda que esses fatores favoreçam uma desaceleração no preço do dólar ante o real, o economista Gustavo Moraes não acredita em grande queda na cotação. “Não será suficiente para alcançar os níveis de outrora, abaixo de R$ 5,10 ou até abaixo de R$ 5, expressando mais uma vez o desequilíbrio fiscal”, enfatiza.

No último pregão do primeiro semestre, o dólar encerrou a sessão com alta de 1,47% valendo R$ 5,5883. Foi a maior cotação desde o início de janeiro de 2022. No acumulado do ano já sobe 15,14%, maior avanço frente ao real desde o primeiro semestre de 2020, quando havia elevação de 35,51%. O mau humor também se fez presente na Bolsa, a B3. O Ibovespa, principal índice, fechou o semestre com perda nominal de 7,66% ante ganho de 7,61% no mesmo período de 2023. O resultado só perde para a baixa de 17,8% no primeiro semestre de 2020, auge da crise da Covid.

Além de fatores externos como a indefinição no corte de juros nos Estados Unidos, o que influencia a cotação do dólar e o fluxo de recursos no mundo, dúvidas sobre o quadro fiscal no Brasil tornaram o ambiente mais tenso no mercado, o que se agravou com declarações do presidente Lula sobre a taxa de juros Selic em 10,5%. “É irreal para uma inflação de 4%”, considerou Lula, fazendo críticas a Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. A inflação oficial hoje é de 3,93% no acumulado de 12 meses. Teoricamente, juros são mantidos em patamar alto quando é preciso controlar índices de inflação.

A alta da moeda norte-americana diante do real neste primeiro semestre é maior quando comparada com os desempenhos de outros países emergentes. O dólar, que aqui no Brasil já mostra elevação de 15,14% diante do real entre janeiro e junho, subiu menos em relação a outras moedas como a lira turca (11,01%), o peso mexicano (7,97%), o peso colombiano (7,15%), o peso chileno (7,06%) e a rupia indiana (0,23%), entre outras. O avanço de mais de 15% foi o maior apurado desde o primeiro semestre de 2020, quando essa elevação havia chegado a 35,51%.

A cotação do dólar aumentando mais no Brasil do que em outros países mostra uma desvalorização do real ainda maior no cenário global. A expectativa agora é quanto ao juro norte-americano, que tem se mantido em patamar também considerado alto, entre 5,25% e 5,50% ao ano. Há sinalizações de que um corte para setembro, que seria puxado pela perda de força da inflação americana. O índice de preços de gastos com consumo, o chamado PCE na sigla em inglês, desacelerou para 0,1% em maio na comparação com abril após ter se mantido em 0,3% por três meses.

Sobre críticas do presidente Lula feitas a Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC), o economista Martin Kirsten acredita que Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC, em uma futura presidência da instituição não traria dificuldades à estabilidade. “Tem mantido um discurso técnico no sentido de combater a inflação e de não ceder à pressão do Executivo por queda nos juros, então isso ajuda a evitar a disparada no dólar”, avalia, acreditando que as questões relativas ao BC já estariam superadas pelo mercado.

Campos Neto comanda o BC já pela atual regra de autonomia da instituição, e por isso está no cargo desde o governo de Jair Bolsonaro. Kirsten também assinalou que nas últimas semanas tanto o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, quanto Simone Tebet, do Planejamento, passaram a falar publicamente em revisão de gastos. “É uma coisa que entrou na pauta e pode, em termos de ânimo, fazer com que o real se valorize. Por esse conjunto de fatores acredito que o segundo semestre tende a ser mais favorável ao real”, justifica. “Estamos com a cotação em R$ 5,60, mas a tendência é arrefecer”, conclui.

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