Em meio a palavras e números milimetricamente calculados, pesquisas arduamente produzidas e trabalhos repletos de precisas informações, um elemento se destaca e dá vida à literatura científica. São, literalmente, as cores, que integraram produções selecionadas para a 40ª Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec), realizada de 27 a 31/10, nos pavilhões na Fenac, em Novo Hamburgo.
Neste ano, a exposição reuniu mais de 770 projetos, representando animadas ações escolares colocadas em prática. Mas, se a quantidade impressiona, o conteúdo dos trabalhos consegue ser ainda mais revelador ao verificar que teoria e dinâmica podem ser úteis e figurar em combinação harmônica. No evento, que, nesta edição, completa quatro décadas, a Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha segue organizando o espaço e emprestando tradição à Mostra. Porém, quem rouba a cena, mesmo, é a criatividade dos jovens cientistas.
Cores da Natureza
Tanto na busca por tintas artesanais através de pigmentos naturais até a confecção inovadora de um jogo milenar, ou mesmo na reconstrução em 3D da pintura que foi apagada pelo tempo em algum monumento histórico, estudantes de todas as idades abusam da imaginação e da ousadia para representar visualmente o conhecimento adquirido e desenvolvido ao longo dos últimos meses – ou anos.
Com o trabalho “As Cores que vêm da Natureza”, alunos da Educação Infantil, do Pré 2, da Escola São José, em São Leopoldo, participaram da Mostratec Júnior. Provando que idade é só documento quando se trata de Ciência, crianças de 4 e 5 anos protagonizaram uma aquarela de experimentos na Feira. Orientados pela professora Tatiele Lemes, os estudantes Peter Brum, Téo Heurich, Vicente Formento e Vitor Guerra transformaram brincadeiras no pátio escolar arborizado em oportunidade para pesquisar a importância do contato com a natureza.
Junto com o restante da turma, as crianças extraíram pigmentos de elementos da natureza, como açafrão e erva-mate, para produzir tintas naturais. A professora explica que o estudo buscou demonstrar a contribuição da relação com o meio ambiente para o desenvolvimento sensorial e artístico das crianças, além de incentivar a preservação ambiental, promover sustentabilidade e diminuir o uso de produtos tóxicos em espaços de ensino. Durante a tarefa, foram produzidas pinturas, desenhos e moldes de argila, todos decorados pelos alunos, que utilizaram tintas resultantes da pesquisa.
Xadrez Gigante
Já a proposta de alunos do Ensino Técnico Integrado ao Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RS (IFRS), no Campus Rio Grande, participou na categoria de estudo da própria Mostratec.
Na mesma proposta de evitar o uso de tintas industriais, a turma inovou na elaboração de um tabuleiro gigante de xadrez, utilizando apenas materiais recicláveis. O projeto, que já acontece no instituto desde abril deste ano, utiliza papelão, para moldar, e papel de jornais, para confeccionar as peças. Partes com texto do jornal envolvem as peças brancas e imagens coloridas foram selecionadas para decorar as peças pretas.
O professor Antonio Esperança, que leciona Matemática no instituto, argumenta que o projeto extracurricular não apenas instiga a curiosidade e explora a criatividade dos estudantes, como também pode servir de prato cheio para a aplicação do conteúdo aprendido em sala de aula, onde trabalha cálculos e razões relacionadas às três dimensões presentes nas peças.
A página deste projeto no Instagram (@xadrezgiganteifrs) apresenta vídeos e posts, que explicam os cálculos e detalhes da produção do tabuleiro gigante, além de registros de eventos em que as peças protagonizaram confrontos enxadristas. Mais dados e contato: xadrez.gigante@riogrande.ifrs.edu.br.
Policromia Grega
O projeto internacional “Policromia Antiga na Arquitetura Grega”, da estudante suíça Hanna Jaeschke, foi outra presença nesta Mostratec. Confirmando que não há fronteiras geográficas para a curiosidade, a Mostra na Liberato atravessa oceanos para revelar uma bagagem repleta de projetos instigantes de diversas partes do mundo.
O trabalho desenvolvido por Hanna, 19 anos, de Basileia, na Suíça, trata do uso da cor na escultura e na arquitetura da Grécia Antiga. O motivo é que, outrora repleta de cores brilhantes, hoje são obras de arte apenas conhecidas pelo tingimento neutro, resultante do desgaste de séculos em obras antigas.
A estudante explica que a curiosidade foi despertada, ainda em 2023, na disciplina de “Grego Antigo”, no Ensino Médio, quando pode viajar com a turma para conhecer templos gregos antigos – construídos entre os séculos 5 e 4 a.C. Nos últimos 15 meses, a jovem colocou todo o aprendizado reunido com as técnicas de policromia para reconstruir o Templo de Afaia na época em que foi construído. E, utilizando a plataforma Blender, ela chegou a um resultado colorido, detalhista e de causar inveja aos arquitetos contemporâneos. No trabalho, posteriormente, ainda utilizou uma impressora 3D para construir uma miniatura de simulação, que não foi trazida ao Brasil. Mais detalhes do projeto podem ser encontrados neste link (em alemão, mas com possibilidade de tradução automática).
No lápis ou na caneta, no pincel ou nos pixels, a Feira em Novo Hamburgo ganha, a cada ano, novo impulso, assegurando uma presença criativa e representação animada do ensino. Em proveitoso uso de ciência e tecnologia, sem perceber, crianças dão os primeiros passos na alfabetização ao mesmo tempo em que podem se conectar cientificamente com jovens do outro lado do Oceano Atlântico, para cumprir tarefa do cientista, que envolve pesquisa ética, expansão e difusão do conhecimento, com implicações em prol das pessoas e do planeta Terra.
Em canção que, há décadas, ecoa no Brasil e chega a salas de aula, o músico Toquinho chama todos para uma linda passarela, em aquarela que, um dia, enfim, “descolorirá”. O cantor paulista, de modo algum pessimista, nos convida a colorir o presente, que vira passado, assim como templos da Grécia Antiga. Mas que continua a enfeitar nossa realidade, em cores que produzimos hoje e podem virar inspiração e conhecimento para os próximos cientistas.
*Sob orientação de Maria José Vasconcelos