Sistema de cotas busca reafirmação após denúncias de fraudes

Sistema de cotas busca reafirmação após denúncias de fraudes

Lei completou cinco anos no país em agosto

Vera Nunes

Após serem consideradas constitucionais pelo STF, sistema enfrenta tentativas de fraude de alunos

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Ao completar cinco anos no país, neste mês de agosto, a Lei 12.711/2012, regulamentada pelo Decreto 7.824/2012, que definiu o sistema de cotas no Ensino Superior federal, enfrenta novos desafios. Entre eles estão as tentativas de fraudes, originadas por uma brecha criada na própria legislação. Um percentual de vagas sociais é destinado à soma de pretos, pardos e indígenas, com base na autodeclaração do estudante. E é, justamente, esta possibilidade que tem originado pendências judiciais, que já resultaram no afastamento de estudantes, especialmente em cursos de Medicina.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o primeiro caso de fraude foi registrado em 2015, quando um estudante de pele branca foi aprovado para o curso de Direito, após se autodeclarar afrodescendente. Em 2016, foram 15 novas denúncias, todas com processos de investigação em andamento. Mas o caso mais emblemático ocorreu na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na zona Sul do Estado, no qual 24 acadêmicos de Medicina foram desligados, após a comissão apontar que eles fraudaram as cotas raciais. Os estudantes recorreram e 11 deles obtiveram uma tutela provisória, que determinou à universidade de Pelotas que os mantenha matriculados durante a tramitação dos processos.

Comissões de Verificação

Um dos resultados desta guerra judicial foi a criação de comissões responsáveis por elaborar métodos de verificação das informações prestadas pelos candidatos na autodeclaração. “Há casos em que o aluno tentou entrar por meio da cota social, em 2014; repetiu, em 2015; e virou negro, em 2016”, relata Edilson Nabarro, vice-coordenador das Ações Afirmativas da Ufrgs, acrescentando que esta atitude comprova o uso de políticas públicas para se obter vantagem e “isso tem que ser coibido”. O professor explica que, no Brasil, a avaliação leva em conta o fenótipo – considerando as características dos traços físicos e da cor da pele. É um critério diverso do genótipo, que considera a origem racial do candidato, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. “No Brasil, uma pessoa branca, de olho azul, que tem pai ou avô negro, não sofre a mesma discriminação que aquele que tem um traço da raça negra, seja o cabelo, o nariz ou a cor da pele”, complementa Gleidson Renato Martins Dias, representante do Movimento Negro Unificado.

O vice-coordenador das Ações Afirmativas na Ufrgs e também sociólogo relata que, no último concurso, 144 candidatos se autodeclararam negros ou pardos e, portanto, com direito a disputar vaga nas cotas raciais. Na 2ª etapa (presencial) para comprovar a declaração, 53 não compareceram. Dos 91 restantes, oito pedidos foram indeferidos. Seis candidatos eram, inequivocamente, brancos e dois entraram com recurso judicial. “Nestes dois casos, aceitamos os argumentos. A partir de fotos dos pais e contexto social, revisamos o indeferimento, pois eles estão no grupo que deve ser beneficiado pela política da reserva de vagas”, explica Edilson Nabarro.

Encontro de Comissões

Os argumentos são partilhados por Gleidson Dias, que integra a comissão de verificação da Ufrgs. Para ele, nem sempre a inscrição de um candidato branco que se declara afrodescendente é uma questão de má-fé, uma vez que existem muitas discussões sobre os critérios raciais. “No Brasil, nossa discriminação não é de genótipo, ela recai sobre a aparência”, ressalta. Bacharel em Direito e especialista em Direito Público, Gleidson acrescenta que existe um grande debate a ser realizado pelas comissões de verificação que, infelizmente, ainda não estão instaladas em todas as universidades. “É preciso que os critérios estejam bem definidos e claros nos editais”, aponta.

O tema, adianta ele, será discutido no 1º Encontro de Comissões de Avaliação da Veracidade da Autodeclaração, que ocorrerá nos dias 20 e 21 de outubro. “A ideia é reunir representantes de comissões, que têm por finalidade avaliar, deferir ou indeferir inscrições nas cotas, para banir fraude e assegurar a finalidade das cotas raciais como política pública de combate ao racismo e à desigualdade racial”, esclarece. Além das universidades Ufrgs, UFPel, Furg, UFSM, UFPR (as duas últimas não confirmadas), devem estar presentes prefeituras, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública, entre outras entidades envolvidas com o tema em universidades e serviços públicos federal, estadual e municipal. Tanto Gleidson quanto Edilson reafirmam a política compensatória das cotas e a necessidade da equidade de oportunidades. “Se temos problemas na forma de seleção, vamos enfrentá-los”, considera Edilson, que acumula a experiência de mais de 40 anos de militância no Movimento Negro.

Sem Prazos

Apesar da natureza transitória, as cotas não têm prazo de validade. “Ainda vamos levar décadas e décadas para que a compensação com os negros seja feita. Como foi uma lei tardia, os prejuízos também foram grandes”, aponta Edilson Nabarro. A legislação foi alterada, no final de 2016, para a inclusão da reserva de vagas a pessoas com deficiência. Ela estipula prazo, de mais dez anos de vigência das cotas, ou seja, até 2026. Na Ufrgs, o primeiro vestibular com reserva de vagas ocorreu em 2008. Hoje são 9.375 cotistas matriculados, 2.545 já diplomados e “a Ufrgs não perdeu a qualidade, como alguns previam”, afirma o sociólogo. Mas, para ele, a instituição federal tem um longo caminho pela frente. “Só para se ter uma ideia, a universidade tem somente 1% de professores negros”, quantifica.



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