Andradas guarda a história de Porto Alegre

Andradas guarda a história de Porto Alegre

Trecho entre o Guaíba e a rua da Ladeira era chamada de rua da Praia

Mauren Xavier

Antiga rua de casas cobertas de capim para uma via repleta de prédios

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A rua dos Andradas é o berço de Porto Alegre. Atualmente uma das vias mais movimentadas é recheada de fatos, lendas e história. O ponto de partida, na esquina da rua General Salustiano, tem vista para a Usina do Gasômetro e o Guaíba. O seu término, está na Praça Dom Feliciano, junto ao Complexo Hospitalar da Santa Casa, em um trecho que por muitos anos foi o principal e único da cidade. Conforme o trajeto é percorrido é possível notar as suas próprias diferenças e características. Apesar de o perfil comercial estar presente do início ao final, ele acentua-se a partir da rua da Ladeira (General Câmara) em direção à Santa Casa. 

Porém, nesse momento, optamos por concentrarmos a atenção no primeiro trecho. Exatamente aquele que foi chamado por muitos anos de Rua da Praia. O nome simbólico ainda é conhecido e até gera um pouco de confusão naqueles que desconhecem a história. A ‘praia’ em questão tratava-se das águas do Guaíba, uma vez que a rua ficava junto ao ‘porto de Viamão’, como a cidade era então chamada. Antes de o desenvolvimento avançar no pequeno porto dos casais, uma parte acentuada da região era tomada pelas águas. Com o aterro foram surgindo praças, como a Brigadeiro Sampaio e a da Alfândega, e novas ruas, como a Sete de Setembro, e a avenida Mauá. 

Foto: Guilherme Testa

 

O historiador Sérgio da Costa Franco lembra que os viajantes que conheciam a cidade faziam os seus registros da rua, como o feito por Saint-Hilaire, em 1820, que a definiu como “extremamente movimentada” e por onde “encontram numerosas pessoas a pé e a cavalo” e um comércio variado. A sua natureza, mesclando residência e comércio, segue a mesma, apesar das dimensões terem se tornado grandiosas. Outra marca registrada é o calçamento, que no início era feito à base de pedras e, em 1885, começou a ser substituído pelos paralelepípedos, num processo que durou anos. Detalhe importante é que a rua da Praia foi a primeira a receber calçamento na cidade. 

Mas se o caminhar pela rua for a um passo mais lento é possível se surpreender com as fachadas de prédios, que destoam da arquitetura contemporânea e resguardam parte da evolução da história da capital gaúcha. O que no passado era formada por casas cobertas de capim, atualmente são prédios comerciais de mais de 20 andares. Outra marca da Andradas é o verde das árvores, que encobre um pouco a vista e, ao mesmo tempo, emoldura a paisagem. A rua também tem seu charme característico, talvez pela composição da iluminação específica dos prédios e da pública. 

Foto: Guilherme Testa

 

Na verdade é essa vida própria da rua dos Andradas que segue encantando, assim como no passado. É nela que está a Praça Brigadeiro Sampaio, conhecida no passado como a Praça da Forca, onde criminosos eram executados. Além disso, na mesma rua há os prédios que destoam e chamam a atenção, como a imponente sede do Comando Militar do Sul e a escadaria da Igreja Nossa Senhora das Dores, que é cercada por lendas. Assim, como é impossível não parar para apreciar as fachadas dos prédios da Marinha do Brasil e do Quartel da Brigada Militar, localizado quase lado a lado.

São algumas das edificações que se destacam, como a majestosa Casa de Cultura Mario Quintana, que dê hotel e abrigo do ilustre poeta, tornou-se um dos pontos turísticos da cidade, como um centro cultural, com salas de teatro e de cinema, com filmes que normalmente estão fora do circuito comercial, além de espaços de produção artística e do quarto do poeta. Seguindo em direção a Praça da Alfândega encontramos ainda o Museu Hipólito da Costa, na esquina com a rua Caldas Júnior, que com a sede do Correio do Povo formam a tradicional "Esquina da Comunicação". Isso porque, além do Correio do Povo, nessa esquina estavam as sedes de outros jornais, sendo ponto de referência da cidade. 

Foto: Guilherme Testa

 

É nessa mesma esquina que está o atual shopping Rua da Praia, que ocupa o local que já foi do Grande Hotel, que era uma das grandes referências da cidade, ponto de encontro de políticos. Entre tantos acontecimentos, foi nesse hotel que Getúlio Vargas foi enaltecido pela população ao anunciar a sua candidatura à presidência da República, nos anos 50. 

Nesse breve percurso, a verdade é que, como registra no samba de Alberto do Canto: “A rua da Praia que não tem praia, que não tem rio. Onde as sereias andam de saia e não de maio. Rua da Praia do jornaleiro, do camelo, do estudante que a aula da tarde gazeou. Rua da Praia, da garotinha que quer casar, do malandrinho que passa o dia jogando bilhar. Se as pedras do teu leito algum dia pudesse falar, quantas cenas de dor e alegria haveriam de contar”. 

Curiosidade: A unificação da rua da Praia e da rua das Graças (do trecho da General Câmara e a Senhor dos Passos) ocorreu no aniversário da Independência do país em 1865, quando passou a ser chamada de Rua dos Andradas.
 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895