Terceiro dia do júri da Boate Kiss tem depoimentos tensos e testemunhas dispensadas

Terceiro dia do júri da Boate Kiss tem depoimentos tensos e testemunhas dispensadas

Julgamento segue neste sábado, a partir das 9h

Correio do Povo

Terceiro dia do júri do caso Kiss foi encerrado

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O terceiro dia do caso Kiss foi encerrado na noite desta quinta- Foro Central de Porto Alegre. Foram ouvidas mais quatro testemunhas da tragédia e o júri foi encerrado mais cedo: por volta das 20h10, a última testemunha encerrou seu depoimento. Mais uma vez, o dia foi marcado por tensões.

Reclassificação de testemunhas 

Uma das testemunhas acabou se tornando informante após uma publicação em rede social da filha ser levada ao plenário pelo advogado de defesa de um dos réus. A reclassificação, ao fim, retira a importância do depoimento do funcionário de uma empresa de extintores. Já o dono de uma loja de fogos de artifício de Santa Maria garantiu que clientes costumam ser instruídos sobre os riscos destes produtos. 

O chefe do então músico da banda Gurizada Fandangueira contou sobre a vida de Marcelo e como ele mudou após o incêndio. Novamente nesta sexta-feira, a emoção marcou a chegada de familiares de vítimas ao Foro. O casal Elizette e Darci Andreatta veio de Joia, distante cerca de 432 quilômetros da Capital. Na tentativa de agilizar o andamento do júri, defesa e acusação entraram em acordo para dispensar depoentes. Julgamento, contudo, deve se estender pelo final de semana, com novos depoimentos ao longo do sábado e domingo.

O administrador da loja de fogos de artifício Kaboom, Daniel Rodrigues da Silva, afirmou na manhã de ontem no júri popular do Caso Kiss que os artefatos comprados em seu estabelecimento e que deram início ao incêndio na boate não eram adequados para ambientes fechados. 

Segundo a testemunha, os clientes costumam ser instruídos sobre os riscos destes produtos, que produzem uma chama quente e necessitam de cuidados mesmo quando utilizados ao ar livre. O empresário foi amplamente indagado pela defesa de Luciano Bonilha Leão, produtor musical que realizou a compra dos itens, sobre comercializar individualmente artefatos que só poderiam ser vendidos na caixa que trazia as instruções de segurança. 

Testemunha arrolada pelo Ministério Público, Silva, de 40 anos, é administrador da loja em Santa Maria desde 2009. Ele relatou que dois dos produtos que aparecem na nota fiscal da compra feita por Leão – o sputnik e a chuva de prata – precisam ser utilizados em ambiente externo. Os itens, segundo ele, têm formato diferente, mas produzem efeito semelhante, o de uma chama quente, de cerca de 1,5 metro de altura e com duração de aproximadamente 10 segundos, e têm custo mais baixo do que os fogos indoor, para locais fechados. “Desde a abertura da nossa loja, a gente sempre prioriza dar explicação para os clientes como funcionam os produtos, independente do produto que for. A caixa contém informações dizendo onde não pode ser utilizado.” 

Questionado sobre o sputnik, destacou: “Ele produz uma faísca quente, que queima, mesmo sendo de ambiente externo é exigido na embalagem uma distância mínima de permanência de pessoas e objetos, para evitar algum tipo de acidente.” 

Silva relatou que, independentemente do revestimento do recinto, os artefatos são considerados perigosos. Ele disse que não conhece pessoalmente os réus, que nunca vendeu diretamente para nenhum deles e que a venda dos fogos foi feita por um funcionário temporário da loja, que, inclusive, teria dito para Bonilha Leão não utilizar os itens em espaços fechados. 

A testemunha contou que realizou um curso oferecido por uma empresa especializada em Minas Gerais para poder manusear e transportar este tipo de produto. O funcionário em questão não possuía o curso técnico, o que, segundo ele, não era necessário para apenas trabalhar em uma loja especializada. 

Ânimos exaltados

Os ânimos acirraram-se quando os advogados de Leão tomaram a palavra. Questionaram a testemunha, por exemplo, sobre já ter sido investigada pela polícia. O comerciante negou ter sido investigado por conta do Caso Kiss. Os defensores, no entanto, insistiram e Silva chegou a perguntar ao juiz Orlando Faccini Neto qual a relevância da pergunta e se seria obrigado a responder. Acabou cedendo e disse que, em 2015, recebeu uma mercadoria em uma garagem, e não em sua loja. 

Os vizinhos denunciaram o fato, o produto foi devolvido ao fornecedor e Silva foi intimado por armazenamento inadequado, tendo que pagar uma multa. Segundo ele, a questão foi resolvida em 2018. Os cinco advogados de Leão – Jean de Menezes Severo, Gustavo da Costa Nagelstein, Tomás Antônio Gonzaga, Filipe Decio Trelles e Martin Mustschall Gross – estenderam-se, então, sobre as vendas unitárias de produtos que precisariam ser feitas somente em caixa. 

Os defensores reiteraram que estes itens, quando retirados da embalagem, ficam sem as informações dos fabricantes e que, mesmo assim, alguns deles foram comprados de forma avulsa na loja de Silva. Chegaram a mostrar um e-mail respondido pelo empresário em 2021, em que citava a possibilidade de vender chuva de prata de forma individual. A testemunha disse não saber dizer o motivo da comercialização avulsa nas ocasiões citadas, mas ressaltou que as vendas no estabelecimento sempre eram feitas com instruções verbais. 

Daniel Rodrigues da Silva ainda foi interrogado pela advogada Tatiana Vizzotto Borsa, que representa o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos. Ela utilizou uma luva que seria igual a que o músico teria usado durante o incêndio para manusear os fogos. 

Simulou uma forma de encaixar os artefatos no acessório e questionou a testemunha se, daquela maneira, queimaria a mão no caso de acender o produto. Segundo Silva, mesmo no caso de uma vela própria para ambientes fechados – que tem a chama mais curta – a pessoa queimaria a mão se manuseasse do jeito que a defensora demonstrou. 
Respondendo perguntas dos jurados, Silva disse que não saberia precisar a altura da chama do sputnik e da chuva de prata, mas que ambos produzem faíscas de calor.

Também relatou não saber diferenciar se uma delas é mais quente que a outra. Afirmou, ainda, não saber se a luva utilizada pela advogada era igual a que consta no processo. Durante o depoimento de Daniel da Silva, houve uma discussão envolvendo o advogado Jean Severo, defensor do réu Luciano Bonilha, e o juiz Orlando Faccini Neto, o que chegou a provocar a paralisação da sessão na manhã desta sexta-feira. A discussão começou quando Silva se recusou a responder um questionamento. 

Ao longo da pausa, a promotora Lúcia Callegari concedeu uma entrevista e desaprovou o comportamento visto no julgamento. “Houve desrespeito às testemunhas. É a tática da defesa de querer trazer outras responsabilidades para o julgamento. Temos quatro pessoas sentadas no banco dos réus que precisam ser condenadas. Minha preocupação é não deixar os jurados estressados. Na plateia também há familiares tensos”, afirmou a promotora.

Desistências

O Ministério Público propôs que cada parte desista de uma testemunha para agilizar o andamento do júri, o que foi acordado pelas partes, e deferido pelo Juiz Orlando Faccini Neto. Com isso, desistiram de três testemunhas e uma vítima. No total, serão ouvidas 12 vítimas, 16 testemunhas e um informante. O Ministério Público desistiu da testemunha Stenio Rodrigues Fernandes, que passa a ser da defesa de Elissandro Spohr. 

A Assistência de Acusação abriu mão de ouvir a vítima Gustavo Cadore. A defesa de Mauro Hoffmann desistiu de ouvir a testemunha Audrey Tessele Borin. Já a defesa de Elissandro desistiu da testemunha Roberto Carlos Meza Niella. A defensora do réu Marcelo de Jesus dos Santos informou que já havia desistido de uma testemunha na fase processual, mantendo as quatro já previstas para serem ouvidas. O acusado Luciano Bonilha Leão não tem testemunhas de defesa arroladas.


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