Marco Civil barra fim da neutralidade da internet no Brasil, afirma especialista

Marco Civil barra fim da neutralidade da internet no Brasil, afirma especialista

Professor Marcelo Träsel, porém, aponta que operadoras já infringem normas no país

Bernardo Bercht

Revogação das normas nos EUA podem gerar pressão por regras parecidas na web brasileira

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A revogação das normas que definem o princípio da “neutralidade da rede” nos Estados Unidos, nesta quinta-feira na Comissão Federal de Comunicações (FCC), gera questionamentos sobre a influência da decisão na internet do Brasil. De acordo com o doutor em comunicação social e especialista em ciberjornalismo, Marcelo Träsel, o Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, dificulta adoções de medidas como a norte-americana. Ao mesmo tempo, as operadoras já infringem a neutralidade em vários dos seus serviços: “Mesmo com o Marco Civil, muitas das mudanças provocadas pelo fim da neutralidade já acontecem e a Anatel nada faz”, apontou.

“No Brasil, embora a neutralidade de rede esteja em vigor, muitas operadoras não respeitam a lei e adotam o 'traffic shaping', reduzindo a velocidade de tráfego de dados como torrents, por exemplo”, exemplificou o especialista. Outro modo de contornar a neutralidade ocorre nos pacotes de redes sociais. “As operadoras de telefonia móvel oferecem planos com acesso ilimitado a determinadas redes sociais ou serviços de mensagem, o que é flagrantemente contrário à neutralidade de rede”, citou Träsel.

Apesar dessa “flexibilidade velada”, a mudança da regulação nos EUA deverá ter repercussões no mercado brasileiro. “É muito provável vermos, em breve, uma tentativa das operadoras de telefonia fazerem a Anatel adotar regras semelhantes às do FCC”, avaliou o professor. Neste caso, o Marco Civil será o principal empecilho: “Ele dificulta bastante a adoção de medidas contrárias à neutralidade de rede. Além disso, temos um histórico de ativismo muito forte contra essas tentativas”, ponderou.

Muito antes do debate brasileiro, a ação do FCC ainda enfrentará idas e vindas entre os norte-americanos. “Vai levar algumas semanas até a decisão do FCC sair no diário oficial estadunidense e, até lá, pode ser que alguma liminar derrube a mudança”, explicou o especialista. “De qualquer forma, as operadoras de telefonia não vão simplesmente bloquear áreas inteiras da Internet, mas devem promover mudanças sutis em favor de um ou outro serviço. Pelo menos no início, vai ser difícil para o consumidor americano perceber qualquer efeito.”

Criador da web defende neutralidade

O criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, publicou uma carta aberta criticando a decisão. “É uma ameaça à internet que trabalhamos com tanta força para criar”, relatou. Träsel explica essa ameaça. “Mesmo que exista um ou outro ponto positivo, o problema principal é a filosofia por trás da decisão. O fim da neutralidade de rede é um golpe duro contra o espírito de horizontalidade e liberdade sob o qual a internet operou até agora”, argumentou. “Essa perspectiva pode abrir caminho para cada vez mais restrições em favor de lobbies.”

“Teoricamente, as operadoras de telefonia podem 'empastelar' - tornar o acesso muito lento - serviços que estejam sendo usados para disseminar informação contrária a seus interesses”, exemplificou o especialista.

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