Queda de Castillo escancara caos político de décadas no Peru

Queda de Castillo escancara caos político de décadas no Peru

Ex-presidente tentou dissolver o Congresso, que, em seguida, retirou o mandatário do poder em menos de duas horas

R7

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O povo do Peru nunca esquecerá o dia 7 de dezembro de 2022. Foi nesta data que o cenário político do país virou de cabeça para baixo com uma tentativa de golpe malsucedida do então presidente Pedro Castillo, que sequer foi apoiado pela alta cúpula do próprio governo.

Em poucas horas, o ex-mandatário anunciou a dissolução do Congresso e estabeleceu um estado de exceção. Entretanto, na mesma tarde, foi a vez do Congresso destituir Castillo e, em seguida, empossar Dina Boluarte, que havia iniciado o dia como vice-presidente do Peru.

Para o cientista político e professor da ESPM, Paulo Ramirez, a nova chefe de Estado peruana terá dificuldades para governar com tamanha turbulência política no país, que coleciona ex-presidentes que responderam processos de impeachment.

“É importante lembrar que o Peru, desde o final do século passado, passou por uma série de impeachments. É o país da América Latina que tem o recorde de presidentes impeachmados, assim como, talvez, um dos países do mundo que mais impichou presidentes”, conta Ramirez em entrevista ao R7.

O cientista político acredita que a estrutura de poderes do Peru — que diferente do Brasil, não possui um Senado — colabora para a interferência do Legislativo diante do Executivo.

“(O grande número de impeachments) se deve porque não existe um Senado. Uma Câmara totalmente fragmentada e que dá uma ampla margem de intervenção do Legislativo sobre o Executivo. O que justifica o fato de que é muito difícil no Peru um presidente encerrar ou terminar um mandato inteiro.”

Também em entrevista ao R7, o professor da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-americana) Fábio Borges ressalta que é difícil fazer previsões para o futuro peruano, inclusive pelas dúvidas que cercam a atual presidente.

“Boluarte é uma incógnita porque é muito vinculada ao Castillo. Por outro lado, dificilmente ela seria tão inepta como foi Castillo. Se ela montar um bom ministério, por algum tempo ela vai ter trégua para trabalhar”, afirma Borges.

O docente da Unila reforça a ideia de que Boluarte precisará se aliar ao Congresso peruano pensando em sobreviver no cargo até o fim do mandato, com previsão de termino em julho de 2026.

“Se é um rompimento ou uma continuidade [com Castillo], é difícil ainda saber, mas se for uma continuidade, ela tampouco vai durar. O que ela tem que fazer é justamente tentar ir aos pouquinhos se distanciando, pelo menos na competência, nos méritos das escolhas ministeriais.”

Novas eleições podem acontecer em breve?

Com a queda de Castillo e a posse de Boluarte, o Peru já tem uma nova presidente. Entretanto, não se sabe qual será a governabilidade da mandatária, que se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de chefe de Estado do país.

De acordo com Ramírez, os peruanos voltariam às urnas caso o estado de exceção anunciado pelo ex-presidente tivesse efetivamente sido consagrado junto ao fechamento do Congresso. Como não ocorreu, caberá ao novo governo decidir o que fazer.

Borges, por sua vez, explica que Boluarte ainda não comentou sobre as possibilidades de um adiantamento das eleições. Também é difícil apontar favoritos em um futuro pleito, segundo o professor da Unila, que aponta para um enfraquecimento da esquerda peruana.

“Acho que a direita sai um pouco fortalecida desse processo, então algum candidato de direita pode se beneficiar disso. A esquerda sai bastante desgastada. É difícil imaginar algum candidato de esquerda que teria chances depois dessa experiência, mas ainda é difícil saber.”

Independente da realização de eleições no futuro próximo ou não, a instabilidade política do Peru, que se perpetua por décadas, continuará sendo uma pauta diária do povo do país, que ainda busca construir uma democracia consolidada.

“(Boluarte) claramente vai sofrer algum grau de oposição com o temor da direita e extrema direita peruana de que haja algum tipo de continuidade com o governo anterior, mais atrelado a uma visão de estatização de empresas privadas”, ressalta Ramírez.

“Os problemas continuam. Problemas sociais, problemas relacionados à economia, à saúde e à infraestrutura. O Peru é um país com problemas muito profundos. Seja lá quem for o governante, tem que ser muito competente porque o descontentamento popular segue diante dessa situação histórica do país”, conclui Borges.


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