Justiça amplia interdição parcial do Instituto Psiquiátrico Forense, em Porto Alegre

Justiça amplia interdição parcial do Instituto Psiquiátrico Forense, em Porto Alegre

Agora, a entrada dependerá de autorização da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Comarca da Capital

Correio do Povo

IPF fica na avenida Bento Gonçalves, no bairro Partenon

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O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) ampliou a interdição parcial já vigente para ingresso no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) Maurício Cardoso, que fica na avenida Bento Gonçalves, no bairro Partenon, em Porto Alegre. A instituição abriga pessoas recolhidas ao sistema prisional e outras contra as quais existe decisão judicial determinando a internação provisória.

Agora, a entrada dependerá de autorização do juízo da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Comarca de Porto Alegre (VEPMA). A decisão, do Juiz de Direito Alexandre de Souza Costa Pacheco, visa resguardar "o mínimo existencial aos pacientes".

O magistrado, que visitou o local neste mês, citou uma série de situações que levam à reiterada violação, pelo Estado, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Segundo ele, foi constatada a precarização do local, que apresenta insuficiência de psiquiatras, falta de médicos clínicos e neurologistas, ausência de agentes para o transporte de pacientes a outros hospitais ou postos de saúde para atendimentos de urgência, além da permanência indevida de pacientes, sem direito a banho de sol, com alta médica, na cela da triagem.

"O instituto histórico, quase centenário, agoniza. Caminha a passos largos para o decrépito, sob o olhar permissivo do Estado e o silêncio inquietante da sociedade civil organizada. Nunca vivenciei, ao longo de 25 anos dedicados à magistratura, tamanho descalabro com seres humanos que, em virtude de transtorno mental, praticaram crimes e precisam de tratamento médico. São seres invisíveis", declarou o juiz na decisão.

O magistrado manteve a vedação de transferência de pessoas recolhidas no sistema prisional para o IPF, exceto mediante prévia autorização deste juízo, nos termos das decisões anteriores. Ampliou, a contar do próximo dia 5 de dezembro, a interdição parcial para proibir o ingresso de pessoas em decorrência de internação provisória decretada para tratamento e/ou realização de exame pericial, salvo mediante prévia autorização da VEPMA.

Interdição parcial e banho de sol 

Ele decretou ainda a interdição parcial das celas da triagem do IPF, vedando a permanência de pacientes nesse local por prazo superior a 15 dias, findo o qual, havendo indicação de alta médica, deverá o IPF comunicar imediatamente o juízo de origem para providências e o juízo da VEPMA para fiscalização.

O magistrado determinou também que seja assegurado o banho de sol, por no mínimo duas horas por dia, aos pacientes alojados na triagem, desde que estejam clinicamente estáveis e não haja restrição de ordem médica, devendo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), se for o caso, relotar outros servidores no IPF, a seu critério, para garantir o cumprimento da decisão.

O IPF foi interditado parcialmente em 15 de julho de 2019, quando foi limitado o número de pacientes, a vedação do ingresso de presos, oriundos de estabelecimentos prisionais, para avaliação psiquiátrica, salvo autorização do juízo da VEPMA. Na ocasião foi permitida a entrada de novos pacientes com medida de segurança de internação decretada em sentença absolutória imprópria e em decorrência de internação provisória, para tratamento e realização de perícia em incidente de insanidade.

Em nova decisão, foi negado o pedido de reconsideração apresentado pela Susepe e mantida a de interdição, especialmente a vedação de ingresso temporário de presos oriundos do sistema prisional para avaliação psiquiátrica, em face da precariedade estrutural do estabelecimento e ausência de técnicos e servidores, salvo por autorização do juízo.

Primeira interdição em 2015

O IPF foi interditado pela primeira vez em 2015, quando situações semelhantes já ocorriam. "Há mais de sete anos este juízo já externava sua preocupação com a deficiência do número de profissionais vinculados ao Instituto para atendimento dos internos. Ocorre que, ao menos em relação à quantidade de médicos psiquiatras, a situação se agravou substancialmente, na medida em que sobrevieram aposentadorias de mais de 50% desses profissionais de 2015 até a presente data sem a necessária reposição dos cargos vagos. Assim, identifica-se risco concreto de solução de continuidade em tratamentos e atendimentos de urgência, fato gravíssimo que fundamenta a necessidade de restrição de entrada de pessoas no instituto, especialmente em caráter provisório", afirmou o magistrado.

Houve alteração de normativa do TJRS para permitir o arbitramento, sem prévia autorização, e o pagamento de honorários periciais a médicos nomeados pelos juízos criminais com a finalidade de elaborar exames em incidentes de insanidade mental em processos criminais com réus em liberdade, retirando esse encargo do IPF, que permaneceria com a demanda de processos com réus presos. Porém, nem isso está sendo cumprido a contento. "Certo é que, até a presente data, não se percebeu qualquer iniciativa efetiva do Poder Executivo a solucionar, ainda que provisoriamente, a falta de profissionais médicos no IPF", observou Alexandre de Souza Costa Pacheco.

De acordo com ele, o corpo médico disponível hoje no IPF é insuficiente. Apenas cinco psiquiatras estão vinculados ao instituto, dos quais dois se encontram em licença-saúde e um em licença-saúde familiar, todos sem previsão de retorno, e outro em gozo regulamentar de férias e que está prestes a obter a aposentadoria. O profissional remanescente permanece no local no turno da manhã. Há nas instalações da casa, uma unidade básica de saúde, que conta com um psiquiatra para prestar atendimento geral de pacientes, também pela parte da manhã.

"É forçoso concluir que, nesse momento, não estão sendo realizados exames em incidentes de insanidade mental de pessoas que respondem presas a processos criminais, estando o Estado a contribuir para a demora da solução dos processos, para o prolongamento desnecessário da segregação cautelar e até mesmo para a soltura indesejada de indivíduos com maior grau de periculosidade pelo atraso na elaboração das perícias", frisou.

Para Alexandre de Souza Costa Pacheco, nesse contexto, a situação dos internos é grave, pela ausência de médico no turno da tarde e em regime de plantão noturno ou em dias não úteis para atendimento de demandas urgentes. "Em se tratando o IPF de hospital psiquiátrico de custódia e tratamento, não é concebível a grave insuficiência de profissionais da área da saúde para atendimento integral, prioritário e permanente dos internos”, enfatizou.

Os internos da triagem não usufruem de pátio ou banho de sol, ou seja, permanecem confinados por 24 horas no alojamento, em espaço reduzido. "A triagem não comporta banho de sol, por não dispor de pátio próprio, de modo que os internos lá alojados por tempo indeterminado estão inequivocamente submetidos a tratamento cruel e desumano, em contrariedade a diversas normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais, o que, em tese, configura crimes de tortura e maus-tratos", explicou.

Na decisão, o juiz determinou à Susepe que preste informações, no prazo de 15 dias, sobre quais medidas estão sendo adotadas para suprir a insuficiência de médicos psiquiatras e de outros técnicos no IPF, bem como para que, no mesmo prazo, apresente plano de ação para que seja assegurado o atendimento psiquiátrico integral, prioritário e permanente de pacientes no local.

Pela decisão, o diretor do estabelecimento deve informar, no prazo de 15 dias, quantos profissionais da área técnica estão lotados e trabalham de fato no Instituto, tais como médicos (psiquiatras, clínicos, neurologistas), dentistas, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, nutricionistas, educadores físicos, terapeutas ocupacionais, pedagogos, assistentes jurídicos, entre outros, bem como a quantidade de policiais penais e agentes administrativos.


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