O que esperar das eleições municipais de 2024

O que esperar das eleições municipais de 2024

Os brasileiros irão às urnas no próximo ano para escolher seus representantes municipais. No RS, depois da pandemia e da gravidade dos últimos eventos do clima, temas como saúde e emergência climática devem estar em pauta

Flavia Bemfica

Cidades se preparam para receber o pleito do próximo ano

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A um ano das eleições municipais de 2024, o momento é de efervescência nos partidos políticos, que se movimentam para definir estratégias de apresentar nomes fortes às prefeituras ou negociar ingressos vantajosos em alianças. As agremiações também já trabalham a construção de nominatas competitivas para as Câmaras de Vereadores, pois houve mudança nas regras, com diminuição no número de candidatos que podem ser registrados, e alterações na disputa pelas chamadas sobras. O pleito será ainda o primeiro municipal em que valerá o formato de federações partidárias. Existiam expectativas sobre mais modificações, caso prosseguissem os encaminhamentos da minirreforma eleitoral. Mas o texto travou no Senado, tem futuro incerto e, em função dos prazos previstos na legislação, não há possibilidade de que qualquer um dos pontos que chegaram a ser aprovados na Câmara dos Deputados tenha validade para o ano que vem. Para além das questões referentes ao regramento do processo eleitoral, o que políticos e analistas de todos os matizes tentam antecipar são quais os fatores da vida real vão impactar a escolha da população no próximo ano. O conjunto de variantes é extenso.

A mais evidente delas é a das consequências tardias da pandemia da Covid-19, que se dividirão em duas linhas principais. A primeira é que as eleições de 2024 evidenciarão uma espécie de demanda reprimida por participação, já que elas serão as primeiras municipais realizadas depois do coronavírus. Em 2020, a doença marcou fortemente o pleito, e o temor constante da contaminação restringiu ações antes comuns nas campanhas. O impacto foi tamanho, que ocasionou o adiamento das datas do primeiro e segundo turnos, como forma de tentar conter ou amenizar contágios.

Este represamento em disputas que envolvem situações mais palpáveis para o eleitor, na avaliação de analistas políticos e especialistas em marketing eleitoral, deve fazer com que no próximo ano aconteça uma retomada das campanhas tradicionais, com muitas atividades nas ruas, interações entre candidatos e eleitores, e provável revalorização da propaganda no rádio e na TV. Isto não deve, contudo, diminuir a influência das redes sociais, cuja ingerência veio para ficar.

A segunda consequência é a de que o coronavírus deixou uma espécie de marca, que indica uma reformulação de expectativas da população em relação ao papel do Estado e a sua estrutura, também combinada à reivindicação de uma participação mais efetiva em esferas de decisão, que já vinha se evidenciando há mais ou menos uma década. Esta mudança inclui uma cobrança por planejamento e por eficiência de forma a que seja possível, por exemplo, enfrentar contextos de emergência pública e outras conjunturas que afetem a maioria da população de um local ou grandes grupos dela.

Perfil do pleito

Em 6 de outubro de 2024, a população voltará às urnas para escolher prefeitos, vices e vereadores das cidades brasileiras. Estarão em jogo no país 5.568 prefeituras, sendo 497 delas no RS, e 58.208 vagas para Legislativos municipais. Em cidades com mais de 200 mil eleitores, se no primeiro turno, no dia 6, nenhum dos candidatos a prefeito obtiver 50% dos votos mais um, será realizado um segundo turno, em 27 de outubro. Ao todo, 96 municípios no país têm mais de 200 mil eleitores, sendo cinco no RS: Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Pelotas e Santa Maria.

O Estado detém o quinto maior colégio eleitoral do Brasil. São 8.582.984 com direito a voto, em um universo de 154.948.543 no país. À sua frente estão, pela ordem, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. O perfil dos votantes gaúchos se assemelha ao nacional. Aqui, como no Brasil, o eleitorado feminino é maior do que o masculino, correspondendo a 53% do total. A faixa etária com maior número de eleitores é aquela de 45 a 59 anos, que concentra 25% dos eleitores tanto no país como em solo gaúcho.

Elementos importantes para o pleito no Rio Grande do Sul

No caso do Rio Grande do Sul, este sentimento do eleitorado foi reforçado recentemente por uma outra situação de emergência que não o coronavírus. Uma configuração que vem testando a capacidade das diferentes esferas do poder público, mas das prefeituras em especial. Trata-se da destruição gerada pelos eventos climáticos extremos que assolaram o Estado a partir de setembro, atingindo dezenas de municípios, e exigindo respostas rápidas em soluções de reconstrução.

As duas tragédias consolidaram nos eleitores a demanda por um poder público que mostre ter estrutura bem organizada e com capacidade de resolução, e por dirigentes que foquem em gestão e tenham características técnicas. Eles não poderão descuidar, porém, das qualidades políticas, como capacidade de articulação e manutenção de esferas de participação na qual as pessoas sintam ter influência.

“Há um elemento clássico quando são analisadas chances de diferentes postulantes em disputas eleitorais, o de que ‘em time que está ganhando, não se mexe’. Graças a ele, muitos prefeitos se reelegem ou conseguem fazer o sucessor. É o tradicional. Nesta linha, para 2024, já podemos observar um aumento da importância do personalismo. Vai crescer a relevância dos atributos pessoais, das figuras reconhecidas. Mas, ao mesmo tempo, os candidatos precisarão ser avaliados como bons gestores. É uma espécie de ‘hora do cara bom de trabalho’. A questão do perfil do gestor tende a ser um grande tema dentro das cidades na corrida eleitoral do próximo ano, já que as pessoas estão com receio de arriscar”, adianta a cientista política e social Elis Radmann, diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO).

Competência importa

O perfil do gestor é importante na avaliação de Elis Radmann, obtida a partir de sondagens em andamento, é corroborada pelos estudos e discussões do Núcleo de Pesquisa em Gestão Municipal (NupeGEM) da Escola de Administração da Universidade Federal do RS (Ufrgs). De acordo com a professora Luciana Papi, que coordena os trabalhos do núcleo e é coordenadora do programa de pós-graduação em Políticas Públicas da universidade, vão sair na frente na corrida os que tiverem maior clareza a respeito de que o perfil dos postulantes aos cargos cada vez mais deve incorporar competências técnicas, conhecimento de políticas públicas, leis e bom relacionamento com diferentes atores da sociedade.

“Há uma expectativa sobre um novo perfil do político como gestor, aliada à necessidade de investimentos no que chamamos capacidades estatais, que incluem a estrutura do Estado e seus funcionários. As emergências públicas mostram como é importante ter um Estado robusto. Não inchado, mas que disponha de trabalhadores suficientes, e suficientemente qualificados. Isto é uma das questões centrais para as próximas eleições: investir em formação e capacitação técnica e passar para a população a confiança de que têm condições de lidar com os grandes problemas”, resume Papi.

Clima é tema relevante

Foto: Maria Eduarda Fortes

O impacto da calamidade envolvendo o clima no RS ainda é difícil de mensurar, porque vai depender de três questões. Uma é o que os governos federal, estadual e municipais conseguirão entregar até as eleições e de como conseguirão capitalizar isto para seus candidatos. Outra refere-se a ocorrência ou não de novos eventos climáticos extremos. Por fim, como o assunto vai surgir nos debates em diferentes cidades. “A pauta ambiental precisa ser tratada de forma não só mitigatória. O RS convive com a alternância de secas no verão e excesso de chuvas no inverno há mais de uma década, é recorrente. Então, não adianta um plano de contingência engavetado, já deveriam existir planos públicos em funcionamento, e a tendência é de que as cobranças sobre esta questão se intensifiquem”, adianta a professora Luciana Papi.

“A discussão sobre a necessidade de estruturas de prevenção, como as de drenagem, deve surgir nas campanhas eleitorais no RS mais fortemente do que a da mudança climática como um todo, porque são necessários mais elementos para formular esta questão do clima, ela é mais ampla. Ela não existe por enquanto, com magnitude, na agenda. Agora, se começarem a ser gerados conteúdos e debates sobre o assunto, as coisas mudam. Porque é um tema caro, se for provocado. É uma agenda que pode ser criada. Pode acontecer, por exemplo, em Porto Alegre”, projeta Elis Radmann.

Saúde, infraestrutura e zeladoria também presentes no debate

Não só no âmbito do RS, para além das demandas referentes à importância do perfil de gestor ao qual os candidatos deverão estar atentos, e da possibilidade de ações relativas aos eventos climáticos e suas consequências, outras três grandes áreas estão classificadas como condutoras dos debates que vão marcar a corrida eleitoral. Segundo a diretora do IPO, elas são, pela ordem: saúde, infraestrutura e zeladoria, e educação. De novo, duas estão ligadas às marcas deixadas pelo coronavírus.

No caso da saúde, as preocupações com um atendimento adequado, que já pautavam pleitos antes, se intensificaram a partir da Covid-19. Na educação, o chamado déficit apresentando por estudantes de diferentes níveis, resultante da pandemia, provocou um estrago que deve pautar não apenas a competição do próximo ano, mas as de vários seguintes. Já infraestrutura e zeladoria, outro tema universal de eleições municipais, teve visibilidade aumentada no RS com a destruição provocada pelas chuvas porque dialoga, por exemplo, com pavimentação de vias e soluções para alagamentos.

Conforme a professora Marta Mendes da Rocha, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (Ufjf), as questões de infraestrutura e zeladoria impactam sempre as corridas municipais porque estas aumentam o foco sobre as agendas locais. “É um conjunto de expectativas para a solução de problemas concretos, que variam conforme a cidade, mas são do cotidiano e influenciam a vida: como são as condições da rua, se a iluminação pública é adequada, como está a mobilidade urbana, e qual a quantidade, distância e qualidade de escolas e unidades básica de saúde”, explica.

A professora, que coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local (Nepol) do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da universidade, destaca que, para além das questões do dia a dia e das áreas clássicas que funcionam como fios condutores dos debates em campanhas, um segundo bloco norteia o trabalho de pesquisadores que se debruçam sobre a dinâmica das disputas municipais. É o que trata da influência a ser exercida pelos fatores políticos propriamente ditos. Eles são três principais: a ligação entre as corridas municipais e as gerais que acontecem na sequência; a relação do governo federal e de atores nacionais com as disputas regionais; e a influência da economia. Sobre todos, ainda há dúvidas a respeito de como devem funcionar em 2024, mas a tendência é de repitam padrões verificados historicamente.

“Os pleitos municipais, em que pese a série de mudanças que observamos nos processos eleitorais a partir de 2018, seguem funcionando como antecipação das eleições gerais que acontecerão dois anos depois. As evidências de que um bom desempenho de um determinado partido nas disputas nas cidades ajuda a pavimentar seu desempenho nas eleições gerais seguintes continuam valendo”, assinala Marta da Rocha.

 

 

 


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