PGR dá parecer pela inconstitucionalidade da lei que permite barragens em áreas de preservação no RS
Procurador Paulo Gonet entende que legislação gaúcha se sobrepõe ao Código Florestal brasileiro e opina que alterações ferem Constituição Federal em ação que tramita no STF

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A Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu parecer opinando pela inconstitucionalidade da Lei nº 16.111/24, que flexibilizou o Código do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul para permitir a construção de barragens e infraestrutura de irrigação em Áreas de Preservação Permanente (APPs). A manifestação do procurador Paulo Gonet é favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7650), impetrada pelo Partido Verde, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação agora retorna para o relator, ministro Edson Fachin, para julgamento na Suprema Corte. Além da manifestação da PGR, o ministro também colheu posicionamentos do governo do Rio Grande do Sul e da Advocacia-Geral da União (AGU).
O objeto em questão surge a partir de projeto do deputado estadual Delegado Zucco (Republicanos) aprovado em 12 de março de 2024 na Assembleia Legislativa e sancionado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) em 9 de abril do mesmo ano. O objetivo da proposta era de permitir intervenções em APPs necessárias para viabilizar a implantação de barramentos ou obras de irrigação destinadas a aumentar a disponibilidade hídrica para a produção rural do Estado. Leia-se: construção de barragens e açudes para irrigação na produção agropecuária, no cultivo de grãos e criação para produção de proteína animal.
Para tal, definiu como de utilidade pública “as obras de infraestrutura de irrigação e dessedentação animal, vinculadas às atividades agrossilvipastoris” e como de interesse social “as áreas destinadas ao plantio irrigado, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber”. Para fins de licenciamento ambiental, ainda classificou como de utilidade pública “as obras de infraestrutura de irrigação” e de interesse social “as áreas destinadas ao plantio irrigado” e condicionou a intervenção em APP à “inexistência de alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta”.
Para Gonet, a lei fere a Constituição Federal. “As divergências entre lei estadual e lei nacional regente de normas gerais em matéria de competência concorrente configuram transgressão direta ao modelo constitucional de repartição de competência legislativa”, argumenta o PGR.
Ele acata o entendimento do Partido Verde de que “intervenção em APP são regulamentadas por legislação federal, não sendo possível às leis estaduais flexibilizá-la". O partido afirma ainda que o Estado, “ao definir como de utilidade pública as obras de infraestrutura de irrigação, e de interesse social as áreas de plantio irrigado, teria buscado contornar o regime legal mais rigoroso delineado pelo complexo normativo federal”.
Gonet vê a lei gaúcha sobrepondo-se ao Código Florestal brasileiro. “As obras de infraestrutura, inclusive os barramentos de curso d’água, para a agricultura irrigada não estão abarcadas pelas hipóteses de interesse social previstas no Código Florestal”.
“A Lei estadual 16.111/2024 amplia as hipóteses de intervenção e de supressão de vegetação em APP para além daquelas expressamente previstas no Código Florestal, flexibilizando o caráter geral protetivo. É, portanto, inconstitucional, por invadir a competência da União para legislar sobre normas gerais em matéria de proteção do meio ambiente. O parecer é por que se conheça parcialmente da ação direta e, nessa extensão, por que se julgue o pedido procedente”, afirma o parecer o procurador-geral da República.
A AGU também se posiciona favorável à inconstitucionalidade: “A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo conhecimento parcial da ação e, nessa extensão, pela procedência do pedido. Disse não ser dado ao legislador estadual ampliar as hipóteses excepcionais e taxativamente previstas na lei nacional, sob pena de afronta à competência da União para legislar sobre normas gerais em matéria de proteção ambiental e de contrariedade ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e aos princípios da proteção do retrocesso e da prevenção.”
Nos autos do processo, o Palácio Piratini disse que o Estado legislou dentro da competência suplementar para atender peculiaridades locais: “Aludiu, tal qual a Assembleia Legislativa, à existência de normas semelhantes em outros Estados da Federação. Pontuou que a lei estadual impugnada se ampara no desenvolvimento sustentável, sem descurar de proteger o meio ambiente, ressalvando expressamente a necessidade de observância das normas e regulamentos ambientais aplicáveis à espécie.”
Procurada, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) se limitou a afirmar que “está ciente e irá aguardar a inclusão da ação na pauta do STF para julgamento”.