Projetos contra notícias falsas atropelam liberdade de expressão

Projetos contra notícias falsas atropelam liberdade de expressão

Os 16 projetos apresentados na Câmara e no Senado são genéricos e buscam soluções controversas para o problema

AE

Pelo menos 16 projetos sobre combate a notícias falsas já foram apresentados na Câmara e no Senado

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O Congresso tem se movimentado para abordar o fenômeno das notícias falsas. Nada menos que 210 deputados e 11 senadores se reuniram na chamada Frente Parlamentar de Combate às Fake News, lançada no último dia 23. Além disso, segundo levantamento do jornal Estado de São Paulo, pelo menos 16 projetos de lei sobre o tema já foram apresentados na Câmara e no Senado. Os textos, no entanto, são genéricos e, de acordo com especialistas, chegam a dar abertura para o cerceamento à liberdade de expressão, além de buscar soluções controversas para o problema.

A fim de transformar em crime a produção ou o compartilhamento de notícias  falsas, a maioria dos projetos sugere mudanças no Código Penal. Mas há quem proponha alterações no Código Eleitoral e até na Lei de Segurança Nacional. O projeto de lei 9533/2018, do deputado Francisco Floriano (DEM-RJ), prevê pena de um a quatro anos de detenção para quem "participar nas tarefas de produção e divulgação de fake news, seja no formato de texto ou vídeo, com a finalidade
de disseminar (...) notícias falsas capazes de provocar atos de hostilidade e violência contra o governo". Para Floriano, o fator internet requer um "aperfeiçoamento" da Lei de Segurança Nacional "por causa da velocidade com que se espalha uma mentira". Segundo ele, a Justiça seria a encarregada de apontar se uma informação compartilhada é mal-intencionada ou não.

O PL 7.604/2017, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), responsabiliza provedores pelo compartilhamento de informações "ilegais ou prejudicialmente incompletas". Uma vez notificadas, teriam de retirar o conteúdo do ar em até 24 horas - caso contrário, a multa seria de R$ 50 milhões. "Eu já tinha o projeto de responsabilização de fake news e da reprodução e resolvi copiar o projeto que a (premiê alemã) Angela Merkel enviou ao Parlamento no ano passado", disse ele.

De acordo com o sociólogo Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC, o projeto contraria o Marco Civil da Internet ao multar provedores de conteúdo. É impossível, afirma, apurar cada coisa que está sendo dita na internet. "O grande temor não é só a desinformação nas eleições, que é uma preocupação, mas também a censura e a perseguição política."

O PL 9.931/2018, de Erika Kokay (PT-DF), pretende punir com até um ano de detenção quem publicar "notícias ou informações falsas com o intuito de influenciar a opinião pública". A justificativa acrescenta que os meios de comunicação
de massa "têm sido utilizados como instrumentos de manipulação da opinião pública, servindo a interesses escusos
de todos os tipos, ou mesmo a futilidades".

Já o PL 7.072/2017, de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), acusa a imprensa de divulgar determinados assuntos "com base em dados infundados". E diz que, apesar de as redes sociais serem uma plataforma moderna e de alta influência, os grandes veículos também "passam notícias mentirosas". O diretor executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, disse que acompanha a tramitação desses projetos com preocupação. "Muitos são potencialmente prejudiciais à liberdade de expressão. A melhor forma de combater a informação falsa é com mais e mais jornalismo. Quem se opõe ao trabalho do jornalismo profissional quer a distorção das informações." Segundo Erika Kokay, que alega ter sido alvo de mentiras, a liberdade de expressão não pode ser sinônimo de incitação ao crime. "É isso (a desinformação) que fere a democracia."

O presidente da Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Fake News, deputado Márcio Marinho (PRB-BA), diz que o intuito é debater os projetos já existentes e agilizar sua aprovação. Segundo ele, haverá equilíbrio para "evitar extremos". Diretor do Instituto de Tecnologia e Equidade, Márcio Vasconcelos diz que os projetos mostram que não há nenhum preparo por trás da elaboração. A começar pela presença constante do termo fake news, que começa a ser colocado em xeque por quem estuda o assunto - se é notícia, não pode ser falsa. A expressão, comenta, passou a ser banalizada e usada por políticos para qualificar informações que veem como negativas.

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