STF pode manter veto à redução de salários nos Estados

STF pode manter veto à redução de salários nos Estados

Medida deve ser debatida na próxima quarta, com ações que contestam dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal

AE

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal

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Governadores vão enfrentar dificuldades em obter aval do Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir salários e jornada de trabalho de servidores, avalia a equipe do governo federal que acompanha a situação de calamidade financeira nos Estados. A medida deve ser debatida na próxima quarta-feira, quando o Supremo discutirá ações que contestam dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O julgamento é considerado uma das principais apostas para Estados darem fôlego às contas públicas neste momento em que sete deles já decretaram calamidade financeira por não conseguirem pagar funcionários e fornecedores.

Assim que foram eleitos, em 2018, os governadores fizeram pressão para que o STF voltasse ao tema e desse autorização para que eles recorressem à medida polêmica, com forte resistência de sindicatos que representam o funcionalismo. O Supremo suspendeu, em 2002, por unanimidade, trechos da lei que permitiam a redução de salário e de jornada de trabalho de servidores. A medida, emergencial, poderia ser acionada quando o gasto com pessoal ultrapassasse o limite de 60% da receita líquida - realidade de 14 Estados em 2017, segundo dados divulgados pelo Tesouro Nacional.

Nos bastidores, a expectativa é a de que a pressão dos Estados e a crise fiscal podem levar pelo menos três ministros a se posicionarem a favor da volta da possibilidade de cortar os salários com consequente redução da jornada: Alexandre de Moraes (relator das ações), Gilmar Mendes e o presidente do STF, Dias Toffoli, que tem discurso afinado ao da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Quando o Supremo julgou o caso em 2002, nenhum deles integrava o tribunal. Mas Gilmar pode não participar da votação, pelo fato de já ter se manifestado no processo da LRF na condição de advogado-geral da União. 

Na avaliação de um ministro ouvido reservadamente pela reportagem, é questionável falar que os salários são irredutíveis se não há recursos para pagá-los. Esse magistrado destaca que os bombeiros que atuaram para socorrer a população de Brumadinho depois da tragédia com o rompimento de uma barragem trabalharam sem receber o décimo terceiro - e com salários parcelados. Um outro integrante da Corte, por outro lado, enxerga na discussão do tema um cenário de ameaça à estabilidade de servidores e de deterioração das condições de trabalho do funcionalismo público.

Veto

Mesmo com a penúria das finanças dos Estados, especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que o STF deve manter o veto à possibilidade de redução de salários de servidores. "Ainda que a situação econômica seja outra, é uma questão muito técnica e clara. Precisaria de um malabarismo muito grande e criativo, porque é notório que esses dispositivos extrapolam o texto da Constituição", diz Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário e finanças públicas da FGV Direito São Paulo. Para o advogado trabalhista José Alberto Couto Maciel, a redução dos salários e da jornada de trabalho é "evidentemente inconstitucional". "Não vejo como o STF vai entender que não se pode violar a Constituição para se obter isso".

Apesar de polêmica por mexer nas regras do funcionalismo, o tema virou bandeira para o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), que assume publicamente a necessidade de se ampliar a margem permitida ao administrador. Antes dele, Paulo Hartung (MDB), que deixou o governo do Espírito Santo, já havia iniciado um movimento a favor da ação. No fim do ano passado, governadores eleitos fizeram uma romaria a Vitória para pegar conselhos com Hartung, único a receber nota A por sua capacidade de pagamento pela Secretaria do Tesouro Nacional. Ao Estado, ele defendeu a medida para ajudar a equilibrar as contas em tempos de crise. "O setor privado tem seus instrumentos, o setor público também precisa ter".

Na avaliação de José Matias-Pereira, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), a LRF não foi capaz de evitar a atual crise, mesmo sendo uma espécie de código de conduta dos gestores. "A lei tentou conter essa ânsia perdulária dos Estados, mas com a má gestão pública, o patrimonialismo e o corporativismo, os Estados chegaram a essa situação. A LRF sozinha não resolve o problema fiscal do País".

O PT é autor de uma das ações que contestam no STF a possibilidade de governos cortarem salários e reduzirem a jornada de trabalho de servidores. A OAB, o PC do B, o governo de Minas Gerais e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público também acionaram o Supremo para contestar trechos da LRF e terão suas ações julgadas a partir desta quarta.


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