Um mês depois dos ataques em Brasília, punições aos envolvidos são incógnitas

Um mês depois dos ataques em Brasília, punições aos envolvidos são incógnitas

Com investigações em andamento e complexidade dos processos, tramitação tende a ser lenta e manutenção de prisões levanta questionamentos

Felipe Nabinger

Manifestantes que invadiram prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro foram presos no DF

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Em um caso sem precedentes no país, passado um mês dos ataques contra os Três Poderes, em Brasília, ainda há poucas certezas quanto a se e quando os envolvidos serão punidos. Conforme dados mais recentes do Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF), caiu para 916 o número de pessoas ainda no sistema prisional do Distrito Federal, sendo 611 homens e 305 mulheres, do total de 1.398 detidas entre os dias 8 e 9 de janeiro.

A própria manutenção nos presídios não é consenso entre especialistas. Outras 460 são monitoradas por tornozeleiras eletrônicas. Para o desembargador da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, Sérgio Blattes, que conversou com o Podcast Matriz, a necessidade de observar os casos de forma isolada é um entrave para a celeridade da conclusão das denúncias pela Procuradoria-Geral da República (PGR). 

“No Direito Penal não existe uma acusação coletiva. Não se acusa pelo mesmo fato várias pessoas. Elas podem participar do fato, mas com intensidade ou motivação diferente”, explica o magistrado. Entre as 653 denúncias já apresentadas pela PGR, há menção a crimes como golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, incitação de animosidade das Forças Armadas contra os Poderes, danos ao patrimônio e associação criminosa, entre outros.

"O delito de organização criminosa me parece que atinge a todos. É quando existe uma estrutura aparentemente ordenada e bem dividida, em termos de comando, de tarefa e objetivo de praticar infrações penais”, analisa Blattes. Neste caso, pena prevista é de um a três anos de prisão, sendo aumentada até a metade em casos de associação armada.

Conforme o magistrado gaúcho, mesmo aqueles a quem chama de “inocentes úteis” estão passíveis de responderem a denúncias. “O fato do sujeito não ter quebrado um determinado objeto, não exime eventualmente de alguma culpa. É culpado também aquele que insufla, que auxilia, que participa de qualquer forma para o ato ser praticado por outro”, diz.

O desembargador ressalta que aqueles que seguem presos, incluindo os que estão sob custódia domiciliar com o uso de tornozeleiras, tendem a serem julgados antes. “No momento que ele vai responder em liberdade, ele sai daquela relação dos réus prioritários”, explica Blattes. Assim, apesar da gravidade dos atos, eles entrariam em uma “vala comum” com demais processos que correm no Judiciário. 

São apontados como fatores que impedem prever datas para a conclusão dos primeiros julgamentos, além da complexidade das análises para a conclusão das denúncias, o fato de agentes das invasões serem de diferentes estados, além de investigações ainda estarem acontecendo nos âmbitos da Polícia Federal, Polícia Civil do DF e diferentes âmbitos do Ministério Público.

Até por isso, foi criado o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, sob comando do subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, a fim de coordenar as ações, tanto do STF quanto do Ministério Público Federal. Procuradores da República em todo o país contribuem com opiniões jurídicas para tentar acelerar os movimentos. 

Bloqueio de bens

Quanto ao bloqueio de bens, determinado pela Justiça do DF, atendendo a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), Blattes vê com normalidade, mesmo que ataquem pessoas físicas e jurídicas ainda não indiciadas. Por se tratar de medida cautelar ela é provisória, buscando evitar que os envolvidos se desfaçam de bens antes da conclusão das ações.

O desembargador cita como exemplo a Operação Rodin, ocorrida no RS em 2007. “Um grande número das pessoas que estava sendo investigado teve seus bens bloqueados na fase de inquérito, antes da denúncia”, lembra. Até agora, foram bloqueados os bens de 92 pessoas e de sete empresas suspeitas de financiar e organizar os atos antidemocráticos.

Prisões podem ser ilegais

Também em entrevista ao Podcast Matriz, o doutor em Ciências Criminais e professor da Escola de Direito da PUCRS, Marcos Eberhardt, reconhece a gravidade dos crimes, mas alerta para o que considera uma ilegalidade no que diz respeito àqueles envolvidos nos atos que seguem detidos em presídios do DF.

“Existe aqui uma questão bastante importante e que nos preocupa, que é em relação às prisões. A depender da classificação jurídica que se dê para o fato que aquela pessoa cometeu, ela já está diante de uma prisão ilegal”, afirma.

Tento em vista que os crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado têm penas de quatro a oito anos e de quatro a 12 anos, respectivamente, sendo aqueles com maior pena entre os citados nas denúncias, Ebehardt destaca a dificuldade no enquadramento das condutas. 

O professor acredita que, embora possa haver penas maiores pela somatória de crimes, essa hipótese não é a mais provável. “Eu duvido que isso aconteça. Não me aparenta hoje, que por mais grave que sejam juridicamente os crimes do ponto de vista de suas penas, eu vou conseguir, como juiz, encontrar uma pena maior que oito anos”, diz. 

Sendo assim, Eberhardt lembra que sentenças inferiores a oito anos podem ser cumpridas em regimes mais flexíveis do que o fechado. “Se formos trabalhar com uma pena projetada, imaginando uma condenação, estaria diante de um regime semiaberto se fosse condenado. Se no futuro não terei o regime fechado, por que estou preso então?”, questiona. 

Para ele, até a manutenção da prisão do ex-secretário de Segurança, Anderson Torres, pode ser enquadrada como ilegal, visto que, já fora do cargo, ele não teria como atrapalhar as investigações em ações obstrutivas como a destruição de provas.

No dia 10 de janeiro foi cumprido pela Polícia Federal uma ordem de busca e apreensão na casa de Torres, que foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro, encontrando uma minuta de golpe para tentar reverter o resultado das eleições. 

Bolsonaro investigado

Entre os inquéritos que investigam responsabilidade nos atos antidemocráticos, em um que apura a autoria intelectual das invasões e a instigação das mesmas, um dos investigados é o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O nome de Bolsonaro foi incluído, a pedido da PGR, pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Questionado se acredita em uma eventual condenação ao ex-presidente, que está nos Estados Unidos desde o final do ano passado, o desembargador Sérgio Blattes adota cautela.

“Isso não passa de palpite. Se as investigações existem e ainda não existe uma denúncia, não posso dizer que há uma possibilidade. O que posso afirma é que todo aquele sujeito, seja ele o mais simples da República ou o que ocupa ou ocupou o cargo mais importante, está sujeito a ser investigado, denunciado, processado e condenado ou absolvido”.


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