Carnes exóticas encontram espaço no RS
Sem oferta da matéria-prima no campo e na indústria do Rio Grande do Sul, proteínas de animais como jacaré são trazidas de outros estados e conquistam o paladar de quem busca novas experiências gastronômicas
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No Estado que é nacionalmente conhecido pela produção de carne bovina, de frango e e de suínos, há também espaço para o consumo de carnes exóticas. O mercado para a criação de animais como jacaré, avestruz, coelho, pato ou mesmo rã parece não atrair os gaúchos, mas distribuidores importam o alimento de outros estados e o fornecem para restaurantes especializados.
Um deles é Leoni Bresolin, responsável pela Kozinha, distribuidora de carnes exóticas em São Leopoldo. Ele é responsável pela complexa e delicada logística de transportar e armazenar as carnes que são trazidas de frigoríficos da região Centro Norte do País.
O negócio surgiu em meio à pandemia de Covid-19, nos idos de 2020. À época, o empresário trabalhava no próprio restaurante, onde serva pratos com carnes bovina, de aves e suínas. Frente às dificuldades financeiras decorrentes do isolamento obrigatório da população, resolveu investir no trabalho de compra e venda de carnes exóticas.
Atualmente, o distribuidor importa a matéria-prima do Centro do País, mas já está de olho na produção dos estados da região Norte, especialmente do Pará, do Maranhão e do Amapá. Seu maior desafio está em garantir a oferta constante, visto que não há disponibilidade da matéria-prima no Rio Grande do Sul. Por isso, além de buscar constantemente novos fornecedores e mercados, fornece os cortes somente para locais onde haja profissionais de culinária capacitados para prepará-los.
Seus clientes, garante ele, são fiéis e estão em hoteis e restaurantes de alto padrão, como na Serra Gaúcha. “Quem introduz (os exóticos) no cardápio, acaba mantendo e aumentando as vendas”, conta. Já os consumidores, afirma, têm diferentes perfis, mas buscam o mesmo objetivo. “Desde os apreciadores mais aventureiros até os mais tradicionais, todos querem uma experiência gastronômica única”, comenta.
Consumidores cativos e fiéis há 25 anos
O chef Rodrigo Bellora é responsável pelos pratos servidos no restaurante La Caceria, de Gramado. Pelas mãos dele passa o preparo das carnes provenientes de caça, o diferencial do estabelecimento, que tem 25 anos de história. “Normalmente, a gente faz uma previsão de compra. Então já organiza com o fornecedor o quanto a gente pretende comprar no ano. E ele organiza essa criação, porque são animais que são criados de uma forma mais natural e isso, naturalmente, leva um tempo maior”, explica.
Bellora afirma que certos tipos de carnes exóticas passam por períodos de menor oferta no mercado, o que pode dificultar a disponibilidade dos pratos ou mesmo influenciar no preço ao consumidor. Segundo ele, a maioria dos cortes provém de distribuidores que entregam diversas variedades, entregando-as ao mesmo tempo. “Algumas compras são feitas de maneira integral, mas o recebimento é de maneira escalonada. Então a gente tem a garantia dessa compra”, diz. As carnes chegam congeladas e embaladas a vácuo.
O chef ressalta que o preparo dos pratos requer um conhecimento capaz de integrar características como rusticidade e suavidade. “Hoje, a gente trabalha mais com o lado da delicadeza do que com o da agressividade. A carne de jacaré é uma carne super delicada, que é quase que uma mistura entre o peixe e o frango, que dá um toque super delicado”, explica Bellora. Enquanto carnes como essa não demandam grandes marinadas ou quantidades de tempero, outras exigem cuidados especiais. É o caso dos cortes de javali, exemplifica Bellora, cuja preparação requer marinadas prolongadas para realçar o sabor.
O público do La Caceria, conforme o chef, é formado por pessoas que novas experiências e por apreciadores das carnes exóticas. “O restaurante existe até hoje graças a esse público super fiel que ama e que volta. Tanto que, às vezes, temos até dificuldade de reformular os pratos”, afirma.
Cuidados extremos da produção ao abate
Empresa do Mato Grosso do Sul realiza processos de criação, abate e distribuição de pele e carne de jacaré sob autorização do Instituto de Meio Ambiente estadual e fiscalização do Ministério da Agricultura e Pecuária
Carnes como a de jacaré têm um processo de abate e de logística detalhado e complexo, mas que se assemelha à produção de carnes convencionais em muitos aspectos. Segundo Carlos Murilo, gerente de Produção da empresa Caimasul, que produz carne e pele de jacarés no estado do Mato Grosso do Sul, a criação envolve um meticuloso processo, que começa na coleta dos ovos. O manejo deve seguir a legislação vigente e cuidados técnicos.
Murilo explica que, para obter autorização para criar os répteis, anualmente, precisa enviar um projeto detalhado ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul). A partir da mensuração técnica do espaço e do objetivo do criador, o órgão público determina quantos ovos poderão ser retirados do meio ambiente e incubados, ritos fiscalizados de perto pelos fiscais do instituto.
De acordo com o produtor, que envia 70% da sua produção para o Rio Grande do Sul, os ovos são recolhidos por ribeirinhos, que acumulam experiência necessária para fazer a coleta com segurança e sem afetar o equilíbrio do hábitat dos répteis. Os trabalhadores recebem seu pagamento por ovo coletado. O gerente destaca que a taxa de eclosão, ou seja, a quantidade de ovos incubados que resultam em jacarés prontos para o consumo, é de 75%.
“Estes ovos coletados vêm para a fazenda de barco, depois, de caminhão. Chegando aqui, são selecionados e vão para incubadora. Em torno de 72 dias depois, eles começam a eclodir. Após o nascimento, os pequenos jacarés permanecem no bercário por um período aproximado de 15 dias. Passao o intervalo necessário, os jacarés seguem para a baia de criação” explica. No local, os animais são alimentados até alcançar, aproximadamente, nove quilos. É quando chegam neste peso que adquirem as características desejáveis para o abate.
O processo todo tem duração média de dois anos. Quando prontos para o abate, os répteis são levados para o frigorífico, que está localizado na própria fazenda. “Eles são abatidos com, no máximo, dois anos de idade por causa da qualidade da pele. A partir desse período, a pele começa a calcificar. Então já não é mais interessante e rentável para o mercado”, explica o gerente.
Parte do processo de criação dos jacarés é diferente da produção das carnes convencionais. No entanto, a saída dos frigoríficos e a distribuição aos restaurantes é semelhante. Segundo Murilo, os animais são abatidos com o uso de uma pistola pneumática, disparada diretamente no crânio. A partir daí, os funcionários separam os cortes e os acondicionam em embalagens plásticas e seladas a vácuo. “A gente tem SIF (Sistema de Inspeção Federal). Todo o abate é acompanhado por um fiscal veterinário do Ministério da Agricultura e Pecuária”, explica Carlos. Esse monitoramento, segundo ele, é uma garantia dos padrões de segurança alimentar.
As carnes são, então, distribuídas para diversos pontos de venda no Brasil, mas, de acordo com o gerente, também vão para o mercado externo. “A gente tem notado que o Rio Grande do Sul é que mais está consumindo, mas acredito que seja por causa do trabalho mesmo dos restaurantes, das pessoas que fazem a carne. Daí a divulgação vai acontecendo e mais pessoas vão consumindo”, supõe.