Proteção dos pomares de citros mobiliza fiscalização estadual

Proteção dos pomares de citros mobiliza fiscalização estadual

Produtor deve ser criterioso ao adquirir insumo para o plantio de frutas

Thaise Teixeira

laranjeira valência

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O simples ato de comprar uma muda de laranjeira, limoeiro ou bergamoteira sem procedência fitossanitária ou garantia de qualidade pode colocar em risco toda a produção citrícola gaúcha. O alerta parece simples, mas é bem mais complexo e perigoso do que parece. Adquirir mudas dessas frutíferas na beira de estradas, em sítios de vizinhos, na rua ou em locais não autorizados legalmente pode abrir caminho para que as bactérias Candidatus liberibacter americanus e Candidatus liberibacter asiaticus entrem no Rio Grande do Sul.

Uma só muda infectada é um prato cheio para um inseto que mede de 2 a 4 milímetros e tem cor branca acinzentada. Muito comum de ser visto nos pomares em época de brotação, o psilídeo de manchas escuras nas asas se chama Diaphorina citri (D.citri) e é responsável pela disseminação da maior ameaça global para a citricultura. A doença transmitida por ele é conhecida como huanglongbing (HBL) ou greening, tem alto poder de destruição de pomares, de frutas, de empregos e de renda no segmento.

Ainda sem cura e sem controle, o greening tem rápida disseminação, tanto dentro como fora das áreas produtoras de laranjas, de bergamotas e/ou de limões. Isso porque, ao se alimentar das plantas sadias, o psilídeo leva a bactéria e a doença para as árvores sadias do pomar em que se encontra e para as de outras propriedades da região. O mesmo processo ocorre quando ele também se alimenta de plantas de murta (Murraya paniculata), bastante utilizadas para paisagismo.

A doença, inevitavelmente, leva as árvores à morte. Segundo a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), da incubação da bactéria até o amarelecimento inicial dos ramos, o período pode variar entre 8 e 18 meses. As plantas jovens não chegam a frutificar e apresentam declínio acelerado até ficarem completamente comprometidas em um ou dois anos.

Já as árvores adultas perdem sua produção aos poucos. A doença ocasiona a queda prematura dos frutos, que não amadurecem. Além de permanecerem na coloração verde clara e com manchas, as unidades ficam deformadas e crescem de forma assimétrica. Os sintomas que podem tomar a planta totalmente num período que vai de três a cinco anos.

O greening foi detectada em vários estados, inclusive no denominado Cinturão Citrícola do Brasil. A região concentra a maior parte da produção comercial brasileira de laranja e abrange municípios de São Paulo (2004) e de Minas Gerais (2005), com pomares situados na área Sudoeste e do Triângulo Mineiro. Também já testaram positivo para a enfermidade pomares de Mato Grosso do Sul (2019), do Paraná (2007) e de Santa Catarina (2022).

A proximidade de Santa Catarina elevou a preocupação das autoridades sanitárias do Rio Grande do Sul, cuja área é considerada livre de greening. As confirmações no estado vizinho ocorreram em Xanxerê, Abelardo Luz e São Lourenço do Oeste. Em março de 2023, a ocorrência de HBL em Bella Unión, cidade uruguaia fronteiriça com Barra do Quaraí, no extremo Oeste do RS, acendeu sinal vermelho na Divisão de Defesa Sanitária Vegetal da Seapi (DDV/Seapi). Afinal, com mais o registro da Argentina (2012), o RSencontra-se praticamente isolado entre países e estados que amargam prejuízos com a patologia.

No mesmo ano, a Seapi criou o Plano Estadual de Exclusão e Contingência ao HBL/Greening em atendimento à portaria do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) nº 317/2021. As determinações têm como critério a manutenção do status de área sem ocorrência de greening e contam com ações imediatas de contingência mediante a ocorrência da praga.

| Foto: Reprodução/CP

Armadilhas para capturar o psilídeo

armadilha de mosquito | Foto: Julia Chagas/Seapi/Divulgação/CP

A presença do inseto vetor do greening foi detectada no Rio Grande do Sul após monitoramento realizado pelo DDV/Seapi de outubro de 2023 a abril deste ano. No entanto, suas “visitas” não trouxeram as famigeradas bactérias causadoras da doença, esclarece a chefe do departamento, Rita Antochevis. A captura dos psilídeos proveio das armadilhas adesivas amarelas instaladas em 190 pontos de amostragem, distribuídos em pomares, áreas de fiscalização e em centrais de abastecimento de 42 municípios gaúchos.

Em sete meses de trabalho, mais de 2,5 mil armadilhas foram analisadas e 89 exemplares do inseto, capturados. “Das 95 propriedades rurais monitoradas, apenas cinco tinham o inseto”, revela Rita. Os exemplares testaram negativo para o greening, mas chamaram a atenção por serem capturados todos na região de Pelotas, no Sul do Estado. As presas foram capturadas em quatro municípios, em áreas produtivas pequenas de laranja e bergamota.

Surpresa com o resultado, já que a maior parte da produção comercial citrícola gaúcha provém dos vales do Taquari e Caí, além da Serra, Rita adianta que a área merecerá maior atenção no próximo ciclo de avaliação fitossanitária da Seapi, que deve começar em setembro. “Vamos aumentar o número de armadilhas nessa região e conversar com os produtores para ver como estão manejando os pomares”, afirma a gestora.

Segundo a Seapi, em trabalhos publicados anteriormente a esse, a presença do D.citri foi detectada em Marcelino Ramos (2010), Mariano Moro (2010), Porto Alegre (2012, 2013, 2014), Rosário do Sul (2011), Crissiumal (2013), Humaitá (2013), Santa Cruz do Sul (2013) e Ijuí (2013). “A quantidade de insetos registrada sempre foi menor do que cinco e em apenas uma única coleta. A exceção foi o município de Rosário do Sul, onde a infestação foi maior”, detalha a pasta.

Como monitorar

O inseto
O inseto tem aproximadamente 4 mm de comprimento quando adulto

Pousa com uma inclinação de 45° sobre a superfície
Tem um período de vida curto (em torno de 40 dias) e alta fecundidade (as fêmeas são capazes de colocar até 800 ovos em toda a sua vida).

Os ovos eclodem em 3 dias no verão e até em 23 dias no inverno. Seu ciclo de vida vai de 15 a 47 dias e pode reproduzir até 10 gerações por ano.

Ninfas variam de tamanho entre 0,3 a 1,6 mm de comprimento, possuem cor laranja-amarelada , se alimentam de tecidos tenros e podem dobrar as folhas em desenvolvimento para se proteger durante o processo de alimentação.

Adultos apresentam um desenho característico da espécie nas asas e olhos de cor vermelha.

Populações tendem a aumentar durante a primavera e o verão e não são bons voadores, mas podem ser arrastados pelo vento a mais de 1,5 km.

Também, podem ser disseminados em materiais vegetais, incluindo meios de transporte ou contêineres.

As folhas

As folhas apresentam um aspecto mosqueado e assimétrico (não existe correspondência nas duas partes da folha), com o amarelecimento sem limites claros e sem padrão.

Perda de cor verde característica pode ser confundida com deficiências nutricionais.

Também, há um espessamento e amarelecimento da nervura central.

As nervuras são proeminentes e corticosas.

Os frutos

Tendem a cair prematuramente em consequência da maturação invertida

São pequenos, também com aspecto mosqueado e deformados.

Ao realizar um corte perpendicular no fruto, se observa uma assimetria, com a casca mais grossa e a coluna central deslocada para um dos lados, com gomos de diferentes tamanhos.

A doença também causa o abortamento das sementes, devido à nutrição deficiente da planta.

Elevada acidez e baixa quantidade de açúcar

Baixa qualidade para consumo in natura e para a indústria

Fonte: Seapi

Laranjeiras apresentam produção 40% menor que na safra passada

A safra gaúcha de laranja que começa a chegar nos supermercados deverá pesar um pouco mais no bolso dos consumidores. Diferentemente da produção de bergamotas e de limão, a segunda fruta na preferência do consumidor brasileiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sofreu forte revés das extremidades climáticas vivenciadas pelo Rio Grande do Sul na primavera de 2023. Especialmente os pomares das variedades Valência e de Umbigo (ou Bahia) tiveram seu período de floração no ápice do fenômeno El Niño. Boa parte da então florada foi derrubada, resultando em uma safra com quebra estimada em 40% ante a do ano anterior.

De acordo com o engenheiro agrônomo e extensionista da Emater/RS-Ascar, Enio Todeschini, além da chuva e do vento, os citricultores também enfrentaram desafios pela baixa insolação e pelas dificuldades de tratamento, dado o alto índice de umidade. “Agora, temos que aguardar as variedades mais tardias e dependemos do clima do último mês antes da colheita, que pode deixar as laranjas mais aguadas ou com sabor concentrado”, pontua.

Atualmente, o Rio Grande do Sul conta com 14,5 mil hectares cultivados com laranjas. A atividade sustenta 7,39 mil famílias, que sustentam uma produção média estadual de 268 mil toneladas da fruta. A maior parte das plantações está nos Vales do Caí e do Taquari, com 3,95 mil hectares de laranjais. “Mas temos novas regiões em crescimento”, revela o extensionista. Todeschini se refere à porção Norte do Estado, especificamente aos municípios de Erechim e Frederico Westphalen, que beiram praticamente 50% da área de laranjeiras do Estado. “Temos, inclusive, uma agroindústria sendo instalada em Centenário que vai demandar 20 milhões de quilos de laranja para suco por ano”, conta. Chama a atenção também a região de Rosário do Sul, mas com foco em exportação.

Já a produção dos pomares de bergamota gaúchos, presentes em 4,58 mil propriedades, não devem onerar o consumidor.

Segundo Todeschini, os 9,5 mil hectares cultivados com a fruta devem resultar na média de 164,5 mil toneladas. “Espera se colher 122 mil toneladas somente nos pomares dos Vales do Taquari e do Caí”, diz o engenheiro agrônomo. A região responde por praticamente dois terços da safra gaúcha da fruta, com 6,47 mil hectares cultivados. Também acumula 80% da safra de limão gaúcha, com 100 hectares plantados e produção média de 18 mil toneladas da fruta.

Frutas precoces começam a chegar ao mercado

Bergamota do vale do caí | Foto: Mauro Schaeffer/CP Memória

Mesmo com atraso no plantio e chuvas intensas na primavera de 2023, a oferta de laranjas e bergamotas, tão apreciadas no outono e inverno do Rio Grande do Sul, deve ser mais volumosa e qualificada que a da safra passada

As variedades de laranja e bergamota mais precoces já começaram a chegar nas feiras e nos supermercados. Ainda não é possível ao consumidor sentir as consequências das chuvarada de 2023, já que a colheita não responde pela maior parte da safra. “Toda a safra veio um pouco mais para frente porque conseguiu se plantar mais tarde, porque o tratamento de solo foi atrapalhado, porque muitas flores caíram”, relata o presidente da Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa/RS), Carlos Siegel de Souza.

Apesar disso, a expectativa é que a oferta, que começará mesmo a entrar mais volumosa em maio, seja mais qualificada que a do ano passado, quando esteve sob os efeitos da estiagem decorrente do fenômeno La Niña. “Com menos flores, as árvores produziram menos frutos, alimentando melhor os que ficaram”, explica o dirigente. Ainda sem a ocorrência de geada, a torcida é pela diminuição das temperaturas com o avanço do outono para que os frutos fiquem mais doces, com mais caldo e maiores.

A estimativa também é que o impacto das enchentes de 2023 na produção de citros do Vale do Taquari também não influa de forma significativa na safra. “Lá, se perdeu vegetação de modo geral. A redução na colheita se dá muito mais pela perda das flores porque isso atrapalhou a polinização”, analisa. No radar também está a produção da Serra Gaúcha, principalmente de Caxias de Sul.


Correio do Povo
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