Saúde

Conheça o “Taura” gaúcho que ajudou o Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre, a zerar a fila de transplantes cardíacos

Instituição na Capital realizou seis procedimentos em 45 dias, número considerado recorde

Instituto afirma estar conseguindo superar a recuperação judicial
Instituto afirma estar conseguindo superar a recuperação judicial Foto : Pedro Piegas

Aldyr Schlee, em seu Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, descreve taura como sendo alguém forte, valente e destemido. E Taura, no contexto da saúde porto-alegrense, passou a ser também um equipamento inédito no Brasil que pode garantir mais vida para pacientes em tratamento de transplante no Instituto de Cardiologia (IC). Sigla para Temperatura Ajustada Usando Refrigeração Assistida, o dispositivo, desenvolvido na empresa Biotecno, em Santa Rosa, e em processo de obtenção de patente, permite dobrar a chamada janela de isquemia, de quatro para cerca de sete a oito horas.

Este é o tempo que um coração permanece fora do corpo até o transplante. O aspecto tecnológico é apontado como um dos motivos pelos quais o IC, que há poucos anos se via às voltas com a recuperação judicial, com R$ 400 milhões em dívidas, mas que agora está resolvendo seus débitos, pôde realizar seis transplantes em 45 dias entre agosto e setembro últimos, um recorde comemorado pela instituição, zerando a fila.

“Só não fizemos mais transplantes porque não havia mais gente na fila do instituto”, disse o diretor cirúrgico do Programa de Transplantes Cardíacos do IC, Juglans Alvarez. Todos os pacientes transplantados são gaúchos e haviam sido diagnosticados com insuficiência cardíaca avançada, e ainda alguns fizeram uso do Taura.

“Eu colocaria três motivos (para o aumento nos transplantes): o tecnológico, com este dispositivo; o reforço na campanha de doações e a melhoria nos processos logísticos no próprio hospital”, acrescentou Alvarez. O CEO do IC, Leandro Gomes dos Santos, conta que há dispositivos semelhantes no Canadá, mas eles são descartáveis e o custo de cada procedimento é por volta de US$ 5 mil. Já o Taura gaúcho é reutilizável, após esterilização.

“Isso aumenta a durabilidade do órgão, podendo trazê-lo de mais longe. Você vai conseguir captar mais órgãos porque existe tempo hábil para fazer o transplante. É uma inovação fantástica, e o IC, que sempre esteve na vanguarda, está recebendo ligações de todos os centros transplantadores do país”, afirmou Santos.

“Antigamente, não havia um doador, por exemplo, no centro do país, era muito longe para se buscar um coração. Agora podemos ir até estes lugares, aumentando a capacidade e o pool de doadores”, acrescentou Alvarez. Caso o IC mantiver a lista permanente em cerca de dez a 15 pacientes, é estimado que o hospital consiga fazer um procedimento por semana, disse ainda o médico. Hoje o IC trabalha com 70% de atendimentos pelo SUS, que gera 45% da receita, e 30% de convênios, gerando 55% da arrecadação.

Detalhes da recuperação judicial

A recuperação judicial foi homologada em agosto de 2023, vigente a partir de novembro do mesmo ano. Com isso, houve um deságio de 90% para fornecedores e prestadores de serviço, que começam a receber em agosto de 2026, conforme os termos do plano. “Houve toda uma restruturação administrativa do instituto, e estamos começando a colher os frutos do que foi feito no passado”, comentou Santos.

Já o pagamento dos trabalhadores está sendo feito, com prazo de 12 meses. O prazo total para o pagamento da dívida é de 15 anos. Dívidas tributárias, estimadas pelo IC em R$ 50 milhões, não entraram na recuperação judicial. Para resolver a questão, o IC vai aderir ao Agora Tem Especialistas, com previsão de homologação junto ao Ministério da Saúde ainda nesta semana e início no final de outubro.

O CEO disse que o instituto já informou o que poderá oferecer durante a vigência do programa federal, mas ainda não pode revelar pois é necessária aprovação do ministério. Ingressar no programa pode trazer algumas vantagens, segundo ele, como cerca de 40% de desconto nos débitos, com o saldo remanescente parcelado em 135 meses e quitado com a prestação dos serviços. “A tabela deste programa também é superavitária, com alguns procedimentos pagando até três vezes o valor da tabela SUS”, disse ele. De qualquer maneira, os tributos correntes estão em dia.

Recursos da tabela Tunep

O IC também conseguiu obter recursos após obter vitória, junto com outros hospitais do país, na chamada ação da tabela Tunep junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), reequilibrando os pagamentos das tabelas. Quando um paciente com plano privado era atendido pelo SUS em um hospital, o Ministério da Saúde cobrava o convênio utilizando esta tabela, em tese recebendo mais por isso, porém remunerava o hospital com base na tabela SUS, que paga menos.

A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com pedido de revisão, porém Santos disse acreditar que a decisão inicial será referendada pela instância seguinte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com parte do precatório, o IC optou por fazer uma antecipação do crédito junto a bancos, fornecendo um novo respiro às contas da instituição. Outra parte do precatório, de R$ 50 milhões, está guardada. Os recursos da ação devem ingressar em 2027.

Está sendo finalizada a construção de um novo prédio de 4 mil metros quadrados, com R$ 28 milhões obtidos em 2023 do programa Avançar, do governo estadual. R$ 20 milhões adicionais foram aportados pelo Estado para equipamentos, porém a compra e instalação devem levar cerca de 120 dias. Serão cinco salas de hemodinâmica, 28 salas de recuperação de hemodinâmica e 24 leitos de recuperação cirúrgica. A obra física está 100% pronta, e o funcionamento pleno está previsto para iniciar em janeiro ou fevereiro. Ainda não há data oficial de inauguração.