Gestores municipais do litoral comemoram aprovação da PEC que extingue terrenos de marinha

Gestores municipais do litoral comemoram aprovação da PEC que extingue terrenos de marinha

Na prática, a medida deve representar mais facilidade na gestão destes territórios que antes pertenciam a União

Henrique Massaro

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A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue os chamados terrenos de marinha, áreas localizadas a 33 metros da costa marítima, assim como ilhas e margens de lagoas e rios, está sendo comemorada por gestores municipais do Litoral Norte. Na prática, a medida, de autoria do deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS) e aprovada na última terça-feira pela Câmara dos Deputados, retira a propriedade destas áreas da União, o que deve representar mais facilidade na gestão destes territórios, uma arrecadação maior para as prefeituras e a diminuição de custos para o contribuinte.

Aprovada com 377 votos a favor, 93 contra e uma abstenção, a proposta permite que os ocupantes dos terrenos transfiram, nos próximos dois anos, os imóveis neles localizados para seus nomes, arcando com as despesas. A medida se aplica a estados, municípios ou moradores em geral. Pessoas de baixa renda, como pescadores artesanais, não terão custos.

Para gestores municipais, este tipo de terreno representa uma confusão jurídica histórica. Isso porque, apesar de a área ficar localizada dentro do município, a arrecadação de impostos como IPTU é exclusiva da União, que não arca com a prestação de serviços públicos, como calçamento, iluminação e saneamento básico, de responsabilidade da prefeitura. “Essa propriedade da União sempre nos atrapalhou muito, o próprio desenvolvimento do município sempre ficou complicado diante disso, porque as pessoas não têm uma segurança jurídica”, afirma o procurador-geral de Tramandaí, Luciano Reuter.

No município, existem cerca de três mil terrenos de marinha – no Brasil todo, são aproximadamente 600 mil – e a única arrecadação que a prefeitura pode ter destas áreas é referente ao imposto predial, que, segundo o procurador, é um valor muito inferior aos outros tributos arrecadados. Ainda de acordo com ele, existe uma compensação por parte da União, que, em tese, devolve 15% do valor que arrecada, mas os gestores têm dificuldades de se programar para contar com este recurso pela maneira como o cálculo é feito e repassado.

A insegurança jurídica para moradores, conforme o procurador, ocorre na hora da compra e venda de imóveis localizados em terrenos de marinha. Reuter explica que esta informação não está escrita na matrícula do registro de imóveis. Dessa forma, quando alguém compra uma casa ou um apartamento nestas áreas, muitas vezes, fica sabendo apenas anos depois porque é notificado de que está devendo uma taxa para a União, referente ao laudêmio. Ainda de acordo com ele, nas décadas passadas isso não configurava um problema, porque o valor era irrisório, mas, em 2008, o governo federal fez um reajuste de mais de 1.000%. “Hoje tem gente que deve R$ 100 mil, R$ 200 mil reais de taxa de ocupação”, afirma.

A situação se torna ainda mais confusa porque o instituto dos terrenos de marinha foi criado em 1831 por uma questão de proteção de território. É com o preamar médio – média da maré alta – desta época que a medição foi determinada por lei para demarcar os 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra. Com isso, atualmente, um apartamento pode ser considerado terreno de marinha e outra unidade deste mesmo prédio, não. Outro problema é com relação a áreas de margens de rios e lagos que sofrem influência de marés, também terrenos de marinha. No passado, segundo o procurador-geral de Tramandaí, o município teve muitos aterramentos sobre a lagoa. “Hoje, os terrenos de marinha que vem da lagoa em direção à cidade ocupam umas quatro, cinco quadras. A quantidade é gigantesca.”

Para o governo federal, no entanto, a possibilidade da extinção destes terrenos não tem sido vista com bons olhos. Ao jornal O Globo, o secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, criticou o texto aprovado na Câmara. Isso porque se a PEC passar no Senado os proprietários dos imóveis precisarão pagar 17% do valor das propriedades à União em até dois anos. Ao fim deste período, o governo federal poderá ter arrecadado R$ 500 bilhões. “Na prática, a gente vai arrecadar esse meio trilhão na marra”, disse, na quinta-feira.

A experiência junto ao município leva o procurador-geral de Tramandaí a ter uma opinião diferente. Segundo Luciano Reuter, a proposta é interessante para a imensa maioria dos proprietários apesar do valor a ser pago. Ele calcula que, deixando de ser terreno de marinha, um imóvel pode se valorizar cerca de 40% ou 50%.

A proposta é vista com bons olhos também por Celso Bassani, prefeito de Xangri-lá, onde não existem tantas áreas com essas características. De acordo com ele, no entanto, o local onde está o bar 20BARRA9 Bali Hai, tradicional ponto de encontro do município, é um terreno de marinha e corria o risco de ser demolido por conta disso. “Acredito que essa lei vai nos garantir que não precisem desmanchar o prédio, estou bem contente porque é um ponto de referência, turístico e histórico no município.”

O secretário de Meio Ambiente de Osório, Fernando Campani, também elogiou a medida. Ele diz que é desafiador para os municípios terem que lidar com a gestão de uma área que está dentro dos seus limites, mas que é um patrimônio da União. “Lidamos com uma gestão da área de patrimônio da União que são áreas que o município tem uma intervenção no dia a dia.”


Correio do Povo
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