“Blogueiras CLT”: conheça as criadoras de conteúdo que não abrem mão do trabalho formal

“Blogueiras CLT”: conheça as criadoras de conteúdo que não abrem mão do trabalho formal

Influenciadoras conciliam rotina dupla de carteira assinada e trabalho na internet

Brenda da Rosa*

Nos últimos anos, cresceu o número de criadoras de conteúdo que se intitulam “blogueiras CLT”

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O mercado de criadores de conteúdo está em plena expansão no mundo todo. Segundo um relatório do banco Goldman Sachs, até 2027 esse setor deve movimentar US$ 480 bilhões globalmente.

No Brasil, a chamada Creator Economy (Economia dos Criadores, em tradução), gera mais de 300 mil empregos e movimenta, desde 2011, mais de R$ 30 bilhões, de acordo com um estudo de 2023 da Fundação Getúlio Vargas.

Dentre estes números expressivos, existe mais um: as mulheres representam mais de 70% dos cerca de 20 milhões de influencers no Brasil, segundo estudo da Squid, plataforma de marketing, e YouPix, consultoria de negócios para a creator economy.

Apesar dos benefícios financeiros e da visibilidade digital que este novo tipo de relação profissional proporciona, existem aquelas pessoas que não desejam abrir mão dos clássicos e já conhecidos direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Porém, há ainda quem prefira se posicionar profissionalmente entre as duas ocupações. As auto intituladas “Blogueiras CLT” são as criadoras que optam por pertencer aos dois ofícios: o vínculo empregatício em empresas e a criação com os conteúdos nas redes sociais.

“Equilíbrio de pratinhos”

Com pouco mais de 500 publicações no Instagram e 300 menções no TikTok, além de números em outros subtítulos, a hashtag #blogueiraclt coleciona vídeos com a mesma premissa: rotina de uma trabalhadora CLT, mas que cria conteúdos lifestyle, de moda, análises de tendências e gastronomia.

Lais Pinheiro (@laisbrpinheiro), 28 anos, é um destes perfis. Somando mais de 20 mil seguidores no Instagram e outros quase dois mil no Tiktok, ela compartilha vídeos de seu estilo de vida, incluindo academia, expediente na empresa onde atua como analista de publicidade e também passeios com amigos e com o namorado.

@laisbrpinheiro minha make de sempre 🙂‍↕️✌🏻 #daily #make #clt ♬ Good Luck, Babe! - Chappell Roan

A blogueira paulista começou a criar conteúdo antes mesmo do Instagram. Ela conta que sempre se expressou nas redes sociais, no tempo que as de maior sucesso eram o Blogspot e o Tumblr.

“Eu não sabia exatamente qual caminho eu queria seguir como criadora de conteúdo, mas tinha certeza do que não queria: que isso fosse um peso e me desse gatilhos de ansiedade. Hoje, o meu conteúdo é muito focado em mostrar a minha rotina de uma forma leve e inspiradora, mostrando que é possível, apesar do caos, romantizar o cotidiano nos pequenos detalhes”, conta.

Apesar de despretensioso, o conteúdo de Lais também é trabalho. Isso porque, atualmente, ela possui vínculo contratual de três meses com uma marca, além de entregas com duração de um mês.

Pensando na rotina e na organização para cumprir as atividades, Lais entende que a vida dupla é sobre “equilibrar os pratinhos” entre profissional e pessoal.

”Hoje trabalho sozinha, por isso tento organizar ao máximo a minha rotina, para não me perder e dar conta de tudo. Organizo no meu Google Agenda: pessoal, clt e creator - com essas três divisões, consigo ter uma visibilidade mais ampla do que preciso priorizar no dia a dia”, explica a influenciadora.

Flávia Akemi (@flaviakk), 31, também tem vida dupla, de blogueira e de chefe. Ela possui 18 mil seguidores no Instagram e mais de nove mil no Tiktok. Nas duas plataformas, Flávia produz conteúdo sobre moda, cobertura de eventos, resenha de produtos de beleza e passeios por São Paulo.

Para ela, a vontade de criar conteúdo foi despertada logo na primeira experiência profissional como estagiária em um site de moda. “Quando eu saí desse site, eu senti falta desse radar de escrever pauta, fazer curadoria de produto, de tendência, que eram coisas que eu fazia no site. Comecei a criar por isso, por ser uma forma de criar portfólio, de trabalhar entre os lugares”, relembra.

Há dois anos levando a rotina entre as duas profissões, Flávia enxerga que ambas seguem fazendo sentido no dia a dia. “Hoje eu sou gerente de conteúdo em uma agência de publicidade, eu trabalho com marcas grandes. Tem um lado de estabilidade financeira com o vínculo CLT. A parte de creator também me dá oportunidades diferentes e legais, e financeiramente acaba sendo como uma segunda renda.”

No vínculo CLT, Flávia trabalha no formato homeoffice, o que permite momentos disponíveis para produzir ou planejar conteúdos. “Por enquanto, é o que eu consigo levar, pra mim é interessante. Eu gosto de viver essa vida dupla. É cansativa, mas funciona, sabe? E eu também consigo ter uma visão de mercado, porque eu estou na ponta de quem contrata e na ponta de quem é influenciadora.”

Marcas e contratos

Um estudo de 2023 da Influency.me apontou que cerca de 42% das marcas buscam por micro e meso influenciadores, pois eles possuem maior identificação com o público e com as estratégias da empresa.

Para a jornalista e criadora de conteúdo Daphne Constantinopolos, as influenciadoras pequenas são núcleos fortes há muito tempo dentro do marketing de influência pela questão de proximidade com o público.

“Quando a influenciadora tem o perfil menor, aquele público é uma comunidade muito engajada porque são poucas pessoas ali. A blogueira sabe quem está conversando com ela, quem manda direct e se interessa pelo o que está sendo postado”, pontua.

De acordo com Daphne, que também é professora de Influência Digital na PUCRS, as influenciadoras menores são perfis em alta justamente pela confiabilidade que passam para um número pequeno, mas expressivo de seguidores.

“É um segmento ainda mais procurado porque, ultimamente, quanto menor a influenciadora, menos ‘corrompida’ ela está, é muito mais fácil tu confiar em uma pessoa menor porque ela é tua vizinha, ela é da tua cidade. Quanto menor a influenciadora, mais uma pessoa real ela é.”

A jornalista acredita que este é o alicerce da creator economy: quanto mais real é a publicidade, mais força ela vai ter. “Mais identificação ela vai gerar no público e consequentemente conversão. Esse tipo de conteúdo fortalece a categoria como um todo”, argumenta.

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Na experiência de Flávia Akemi, as abordagens comerciais surgiram de marcas diversas, das micro às gigantes do mercado.

Os trabalhos de publicidade funcionam para ela, pois o vínculo CLT que possui não exige exclusividade. “Eu sou CLT e trabalho homeoffice na agência, paralelo a isso sou influenciadora. Os meus vínculos acabam não conflitando, porque minha prioridade é meu trabalho CLT, então, durante a semana é isso. No final de semana eu foco na criação de conteúdo”, explica.

Já para Laís, a criação de conteúdo está tomando rumos mais palpáveis agora. “Comecei a criar conteúdo de forma despretensiosa, por isso, não tinha um plano a médio e longo prazo. Ainda é um sonho viver apenas de criação de conteúdo. Sinto que, com o tempo, talvez eu alcance esse objetivo”, confessa.

Autenticidade em alta

Em 2023, um estudo da Squid revelou que o Brasil é o país dos nanoinfluenciadores (pessoas que têm entre 1.000 e 10.000 seguidores nas redes sociais) e microinfluenciadores (os que têm entre 10 mil e 100 mil seguidores nas redes sociais).

Segundo João Rodolfo, especialista em tendência e comportamento, esse movimento acontece porque o consumidor descobriu as lógicas do posicionamento digital dos influenciadores.

“O consumidor começou a cansar desse roteiro do influencer. Muitas influencers perderam a força por causa disso, enquanto do outro lado têm influenciadoras querendo trazer mais autenticidade e mostrar suas vulnerabilidades conforme vão compartilhando o dia a dia”, ilustra.

Para ele, também há outro fator que explica a vida dupla de trabalhadoras CLT que criam conteúdo para a internet: dinheiro. “O fato de terem emprego CLT enquanto são influencers é um reflexo de que no Brasil é muito difícil viver só disso. Quem vive só da influência é quem já tinha dinheiro antes, mas meninas comuns que viraram influencers viram que não é só o comprometimento em postar”, reflete.

Apesar disso, questiona o que passou a ser entendido como autenticidade: “O apelo desses perfis vem muito da necessidade do público por pessoas autênticas, mas até que ponto a autenticidade acaba não se tornando só uma performance?”.

O especialista acredita que esses conteúdos podem acenar para pessoas que sentem falta de terem ídolos.

“Tem o lado do fã, de querer ter o ‘lado mais real’ daquela pessoa, de querer saber o dia a dia. Penso também que isso pode ser algo como carência por ídolos de verdade, que não sejam um grande produto, até porque hoje em dia nosso olho está mais treinado para isso”, provoca.

Entretanto, João não acredita que esse seja um conteúdo que romantiza a rotina CLT e seja prejudicial a longo prazo. “Acho interessante esse tipo de conteúdo para as pessoas verem que eu posso ter muitos seguidores, fecho ‘publi’ com X marca, mas ainda sim não é isso que paga as minhas contas. Quando se mostra o dia a dia, se mostra o que quer, edita como quer e é divertido assistir”, finaliza.

*Sob supervisão de Camila Souza


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