Liderado por mulheres, espaço gastronômico no Bom Fim desmistifica o vinho e a cachaça

Dupla de irmãs criou um empreendimento singular que combina armazém de bebidas, bar e café

Larissa e Carolina uniram suas paixões por vinho e cachaça e criaram a Casa Vasco
Larissa e Carolina uniram suas paixões por vinho e cachaça e criaram a Casa Vasco Foto : Fabiano do Amaral

As mulheres estão dominando o universo das bebidas alcoólicas como consumidoras e também como líderes de negócios. Em 2022, o público feminino representava 54% dos consumidores regulares de vinho, de acordo com o estudo Wine Intelligence Brazil Landscapes. Mais do que beber, elas querem se especializar. Conforme a Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), a participação de mulheres em cursos de formação representa metade dos alunos.

Esse cenário também se repete fora do Brasil. Nos Estados Unidos, 59% do consumo de vinho parte do público feminino, segundo a Revista Adega. Já na Espanha e na França, esses números são ainda maiores, correspondendo a 78% e 60%, respectivamente.

Em Porto Alegre, duas irmãs têm se destacado à frente de um empreendimento singular. Larissa Teixeira, mestre destiladora entusiasta de cachaças, e Carolina Teixeira, sommelier encantada pelo universo dos vinhos, uniram suas paixões e criaram a Casa Vasco, no coração do bairro Bom Fim. O espaço intimista e aconchegante, ideal para as mais diversas ocasiões, integra armazém de bebidas, bar e café, complementado por opções gastronômicas para brunch, almoço, happy hour e jantar.

O diferencial está na curadoria de excelência feita pelas especialistas. O armazém, localizado na rua Vasco da Gama, oferece mais de 120 rótulos de vinhos de cerca de 25 países. Algumas garrafas são de destinos não tão conhecidos como produtores de uvas, como Bulgária, Moldávia, Geórgia, Romênia, Áustria, Grécia, África do Sul, Líbano e Macedônia. Ainda há opções exclusivas de pequenas cidades do Rio Grande do Sul e também de Santa Catarina, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.

Outra especialidade é de uma das identidades culturais brasileiras mais fortes: as cachaças artesanais. São cerca de 70 rótulos de 15 estados, do Norte ao Sul do país. Entre os destaques estão cachaças envelhecidas em ex-barris, que anteriormente envelheceram vinho do Porto, whiskey single malt, trufado e bourbon. Outro destilado exclusivo da Casa Vasco na cidade é a “Tiquira”, produzida no Maranhão, à base da mandioca. A casa também conta com uma produção própria em pequena escala de cachaças, destilados e vinhos.

Todo esse projeto de sucesso carrega doses de amor, de cumplicidade, de coragem e de inspiração em mulheres revolucionárias. Uma delas é a avó Lola, que as irmãs Larissa e Carolina descrevem como “uma mulher à frente de seu tempo”. Enfrentou a violência doméstica, foi empreendedora, mãe solo e ajudou na criação das netas.

“Ela nos ensinou pontualidade, comprometimento, honestidade e responsabilidade”, conta Larissa, mais conhecida como Mana. “Na nossa casa, sempre tivemos essa visão de mulher que trabalha, que tem o mesmo lugar do homem. Não tinha essa diferença. A gente nunca deixou de fazer algo por ser mulher”, completa.

🍷 “A gente nasceu para ser feliz”

Sabendo que as mulheres podem tudo, se destacar em um espaço em que os homens eram os protagonistas até pouco tempo não foi um problema para a dupla. Nina sempre gostou de vinhos e decidiu, com apoio da irmã, se especializar como sommelier. “A Mana tem uma frase: ‘a gente nasceu para ser feliz’”, conta, destacando o incentivo dado por Larissa. A ideia era fazer o curso para realização pessoal, mas, sem que ela soubesse, esse acabou sendo um passo importante para a criação da Casa Vasco.

Já Larissa começou a se encantar pelo mundo das cachaças a partir de uma viagem para Paraty (RJ), onde experimentou variedades da bebida. Quando voltou para Porto Alegre, não encontrou produtos com a mesma qualidade e decidiu criar sua própria marca de cachaças artesanais, a Bitoca.

Em setembro de 2023, Nina e Mana uniram suas paixões e inauguraram a Casa Vasco. Mesmo que o sonho de desenvolver um projeto juntas viesse desde a infância, elas consideram que todo o processo de criar o empreendimento foi natural. “Um dia, a gente tava passando aqui na rua e viu essa casa bonita, bem localizada. Falei para a Nina: ‘vamos tentar?’, e foi assim, do dia para a noite”, lembra Larissa.

Casa Vasco conta com produção própria em pequena escala de cachaças, destilados e vinhos | Foto: Fabiano do Amaral

🥘 “Tem muito da nossa história aqui”

A ideia surgiu de forma despretensiosa, mas cada detalhe que compõe a “casinha”, carinhosamente chamada pelas irmãs, foi cuidadosamente planejado por elas - desde a decoração até os ingredientes do cardápio. Com brilho nos olhos, a dupla conta que participou diretamente de todas as etapas, incluindo a reforma da casa de 1957, a compra de cada item do enxoval e a busca pelos melhores insumos. “O ponto principal não é só estar pronto, sabe? A gente gosta de todo o processo”, enfatiza Carolina.

O espaço de 120m² foi revitalizado com o máximo de cuidado para preservar suas características originais. Nele, foram adicionados objetos que representam fragmentos da história da família das criadoras. “Cada detalhe aqui tem uma história. Esse quadro a gente trouxe de uma viagem, aquele lustre era da minha vó, da antiga decoração da casa dela”, aponta Larissa.

Não só os itens da decoração carregam história. O contato direto com produtores de vinhos e com proprietários de alambiques, o que hoje viabiliza a venda das mais diversas bebidas no armazém, foi feito através das viagens de Larissa e Carolina, na época em que elas nem imaginavam criar o empreendimento. “Tem muito da nossa história aqui”, diz Carolina.

As receitas de família inspiraram o cardápio, dando origem a uma gastronomia afetiva e multicultural, que harmoniza com os mais variados rótulos de vinhos e cachaças do espaço. “Alguns pratos fazem parte da nossa história, lembrando nossa infância. Além da memória afetiva, alguns pratos do almoço executivo são tradicionais da cultura da nossa família, como a rabada, a moqueca de camarão e a galinha na cerveja”, conta Carolina.

A ideia também era fazer uma volta ao mundo, com pratos originários do Oriente Médio, como o Shakshuka; da Espanha, com os montaditos; da Itália, com as burratas; e do Brasil, com os queijos coalho e cartola.

Carolina ressalta o cuidado para atender a diferentes restrições alimentares, incluindo intolerantes ao glúten, a lactose, veganos e vegetarianos: “A pessoa não sai daqui sem que a gente consiga entregar alguma coisa para ela, porque todo o cardápio foi cuidado e pensado para isso.”

🥃 Desvendando novos rótulos

Muito além de servir gastronomia de qualidade, a Casa Vasco também quer proporcionar experiências e desmistificar o vinho e a cachaça. “Faz pouco tempo que as bebidas começaram a se encarar como amigas e não como rivais. A gente consegue aprender com cada estilo”, comenta Larissa.

Foi pensando nisso que a dupla criou um projeto especial de degustação. Os eventos com harmonização de vinhos e/ou cachaças acontecem mensalmente, aproximando o produtor do consumidor final e democratizando rótulos de países diferentes. Multicultural, o espaço oferece jazz ao vivo às terças-feiras, sempre com um artista diferente, além de receber exposições de arte, eventos de dança, música e pequenas feiras.

Outra atividade especial preparada para esta semana será para celebrar o Dia Nacional da Cachaça, comemorado em 13 de setembro. A Casa Vasco se uniu com a cachaçaria Maria João, de Santa Rosa, para promover uma carta exclusiva. Nesta quinta e sexta-feira, 12 e 13, será oferecido um cardápio com seis drinks especiais preparados com cachaças do alambique gaúcho.

Administrar um negócio em família pode ser desafiador, mas para Larissa e Carolina, isso nunca atrapalhou o trabalho. Elas contam que conseguem separar bem a relação profissional e familiar, tendo a confiança uma na outra como um dos pilares fundamentais que sustenta o negócio.

Com um ano de existência, a “casinha” já é um sucesso e tem tudo para seguir conquistando corações e paladares muito além do bairro Bom Fim. Com doses de experiência, cumplicidade e, principalmente, paixão pelo que criaram, Larissa e Carolina mostram que o universo das bebidas também pode ser dominado por mulheres.

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