Quando a transição de carreira morre na praia
Adriana Haas reflete sobre o vazio das mudanças na maturidade não acompanhadas por transformações internas

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Fiz uma transição de carreira aos 42 anos. Quer dizer, na época eu achava que era uma transição quando, na verdade, tratava-se apenas de uma mudança.
Mas tem diferença?
Sim, e ela é fundamental: a mudança acontece fora de nós, enquanto a transição acontece dentro. Saí de um trabalho, comecei um projeto diferente, mas mantive a mentalidade e os comportamentos que há anos desgastavam minha relação com o que quer que fizesse para ganhar a vida. Seguia trabalhando demais, tentando dar conta de tudo, achando que fazia melhor do que os outros, assumindo responsabilidades que não eram minhas, acreditando que qualquer erro era um pecado mortal, fazendo mil coisas ao mesmo tempo, sacrificando minha saúde. Depois de criar coragem para deixar uma bem-sucedida carreira de 17 anos, continuava estressada e com aquele sentimento de “vazio”.
Antes de decretar que estava em crise, tirei um tempo para refletir. Se eu quisesse que as mudanças nas circunstâncias chegassem na essência, precisava fazer um trabalho em conjunto com a vida. Primeiro, teria que abrir o coração para o que ela me apresentasse, sem resistências do tipo “isso não serve para mim” ou “não sou essa pessoa”.
A consequência natural foi perceber que eu não era tão delimitada quanto achava e que havia espaço para experimentações e descobertas. Isso me levou à segunda tarefa: deixar morrer as partes de mim que eu acreditava que me definiam, mas eram características que construí para ser quem eu achava que deveria ser. A essa altura, já havia me localizado na transição da maturidade e sabia que elas não serviam mais para a vida que queria ter.
Essa é uma tarefa dolorosa que, se não realizada, costuma impedir as transições que desejamos. A gente se prepara, veste o maiô, nada, nada, nada – e acaba repetindo as mesmas situações em outra praia. Mas a maturidade pode ajudar muito porque, graças a ela, sabemos o que serve e o que não serve mais para nós.
Com esse conhecimento em mãos, você consegue identificar as pistas antes de cair mais uma vez em uma espiral de repetição de velhos padrões. Vale para trabalhos, relacionamentos, comportamentos e até para perspectivas de vida. O convite da transição da maturidade é deixar para trás o que está defasado, para que a segunda metade da vida tenha a nossa cara.
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Quando a gente chega aos arredores dos 40 e 50 anos e se depara com inquietações que nunca havíamos sentido, é comum tentar solucionar os problemas internos com soluções externas. Foi assim que aprendemos a fazer. Então muda de emprego, de relacionamento, de aparência, de cidade, de casa, de carro, mas o vazio continua se não formos mais fundo.
Mudanças têm todo o potencial para deflagrar transições, mas elas não fazem isso sozinhas. Como diz a escritora Liz Gilbert enquanto conversávamos em volta da fogueira, “alguém precisa fazer alguma coisa para mudar a situação. E o seu nome é alguém”.
Adriana Haas é jornalista, escritora e tradutora da maturidade. Tem dois livros e uma newsletter semanal sobre o assunto, e adora reunir mulheres para conversar sobre ele – porque acredita que, juntas, as maduras são revolucionárias.