Entenda o que é o orbiting e como a prática se manifesta nas relações
Comportamento é comum nas redes sociais e em relações casuais que não vingaram

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Em tempos em que as redes sociais ditam a dinâmica e o ritmo dos relacionamentos, estar online passou a ter muitos significados. Nas relações românticas, sejam fixas ou casuais, estar em contato com alguém de maneira virtual tende a resultar em encontros bons ou ruins.
No segundo caso, os desencontros na comunicação podem acontecer através de interações dúbias, que ora significam uma coisa, ora outra. Nas redes sociais, atitudes de “morde e assopra”, que deixam uma das partes em dúvida sobre o andamento da relação, já ganharam um nome: orbiting, na tradução do inglês “orbitando”.
Isso acontece quando uma das pessoas “orbita” ao redor da outra, seja com curtidas, visualizações ou reações em fotos compartilhadas. Nessa dinâmica, o “orbitante” se faz presente para o “orbitado”, mas não investe na relação. Não há qualquer movimento para que seja iniciado um flerte ou uma conversa.
O termo foi cunhado em 2018 pela escritora e editora nova iorquina Anna Iovine, em texto no site Man Repeller. Na publicação, Iovine atrelou o orbiting à prática de stalking (ficar vigiando as redes sociais de outra pessoa). Em maio do mesmo ano, orbiting já estava cadastrado no Urban Dictionary, dicionário online de gírias e frases em inglês, com dezenas de significados e descrição de experiências distintas que se encaixam como tal.
Mariane Franco, de 25 anos, já foi “orbitada” por alguém. “Eu e ele nos conhecemos por aplicativo, no Bumble, e a gente ficou junto mais ou menos por sete meses. Foi muito legal, mas paramos de ficar porque ele era uma pessoa não-monogâmica e eu não sabia disso”, explica. Ela conta que, após o término, bloqueou ele nas redes sociais, mas desbloqueou algum tempo depois. Após fazer isso, as interações de orbiting começaram.
Para ela, essa atitude de aparecer e desaparecer através de interações online diz muito sobre o jeito que o antigo affair enxerga as relações. “Me incomoda o jeito que ele curte coisas específicas minhas, tipo fotos em que eu apareço, porque me faz relembrar de como era nossa relação e do quanto ele era querido”, confessa.
Isabela Jardim, 24 anos, também se sente “orbitada” por um rapaz que conheceu no início deste ano em um bar. “Nós conversamos um pouco e acabamos ficando. Nos adicionamos nas redes sociais e depois desse dia conversamos bastante. Ele me adicionou nos melhores amigos [Instagram] e eu também, até que o papo morreu e ele não fez questão de me procurar de novo. Mas, ao mesmo tempo, me mantém nos melhores amigos e continua curtindo as coisas. Eu sinto que é para me manter na ‘reserva’”, conta.
Ela diz que se houver um esforço real da parte dele para se aproximar, eles podem tentar retomar o contato. “Enquanto ele não se esforça de verdade, e só fica nisso de curtir as minhas coisas, eu também não vou me esforçar.”
Para a psicóloga Priscila Sanches, especialista em Saúde Mental, Gênero e Sexualidade, a prática diz respeito à dificuldade atual de comprometimento nas relações e também a um recorte de gênero.
“No geral, existe uma dificuldade em se comprometer e se responsabilizar pelos sentimentos. Se comprometer dá mais trabalho, gasta mais energia e você se torna mais vulnerável, o que é uma dificuldade principalmente para os homens.”
De acordo com ela, a socialização masculina e feminina, que são bastante diferentes, contribui para que os homens tenham mais dificuldade de comunicar sentimentos. “Para eles, pode ser menos desconfortável sumir e orbitar, sem deixar as coisas claras. As mulheres acabam querendo conversar, falar sobre os sentimentos. Eles acabam fugindo de conversas mais transparentes.”
🪐 Orbiting X Ghosting 👻
Orbitar ao redor de alguém também pode significar ter sumido, mas não querer ser esquecido. De maneira cronológica, o orbiting pode suceder o ghosting, que é o comportamento no qual a pessoa some sem dar mais explicações e deixa a outra parte “no escuro”. O ghosting tem se tornado cada vez mais popular entre os jovens, que tendem a interpretar tal atitude como “irresponsabilidade emocional”.
“Quando o orbiting surge depois do ghosting, eu vejo que esse perfil tem o objetivo de não ser esquecido, de continuar ali. Mesmo que o orbiting não leve a mais nada, ele continua ali, confundindo a cabeça dessa mulher que está sendo ‘orbitada’”, diz a psicóloga.
Priscila também relaciona a prática com uma tentativa de “suprir o ego”: “Existe uma vaidade muito grande de algumas pessoas, e o orbiting surge para que essa vaidade seja inflada de alguma forma. Então, as curtidas, as visualizações e reações podem não levar a lugar nenhum porque o objetivo é essa troca superficial.”
Para a especialista, as redes sociais trouxeram superficialidade para as relações e a possibilidade de encerrar os relacionamentos sem compromisso ou explicação.
“As redes sociais trouxeram uma facilidade que as pessoas incorporaram para essas relações. No orbiting, pegaram essa facilidade ignorando a responsabilidade afetiva. A pessoa que recebe o ghosting ou que está sem entender esses sinais confusos vai ter dificuldade de assimilar as coisas. É como ficar com a mala do outro no aeroporto e não saber o que fazer. Eu despacho essa mala? Você vai ficar com ela?”, pontua.
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🤔 Orbiting é coisa de jovem?
O orbiting surge nas redes sociais e costuma ser percebido por um recorte geracional específico: a dita Geração Z, ou seja, os nascidos entre 1997 e 2012.
Segundo a pesquisa “Geração Z pelas lentes latinas”, realizada pelo Grupo Consumoteca, os GenZ latinos não são adeptos a aplicativos de relacionamento e inclusive veem no Instagram esse potencial romântico. No estudo, 51% dos entrevistados nunca utilizaram apps como Tinder, Bumble e Grindr, e apenas 9% afirmaram usá-los.
Com esses dados, o que explica o orbiting ter se tornado algo comum nas interações virtuais? Para João Rodolfo, pesquisador de tendências e comportamento, a prática não está relacionada diretamente à Geração Z.
“A nomenclatura desses comportamentos não é algo da Geração Z. Penso que seja algo do ser humano em geral. Nós gostamos de nomear as coisas porque queremos pertencer a algo. Por exemplo, todos os ‘cores’ que existiram até aqui, o Barbiecore e o Balletcore, é o nomear para pertencer”, afirma.
Segundo ele, o termo pode ser novo, mas a prática não. “Vários comportamentos da sociedade vão se renomeando com o passar dos anos. Agora, a única diferença é que esses comportamentos que a gente tinha dentro de relacionamentos ‘físicos’ acontecem no digital”, explica.
Para o especialista, há, na verdade, uma tendência natural do ser humano em ser “voyeur” (alguém que assiste). “Nós gostamos de saber da vida do outro. As pessoas criticam a fofoca, mas nós gostamos de saber o que o outro está fazendo e porquê.”
Ele aponta a dificuldade de analisar a prática justamente por ela funcionar como uma análise de sinais. “Pode ser qualquer coisa. Às vezes, inclusive, não é nada. Nós estamos sempre nesse movimento de fazer leitura de cada movimento que acontece dentro dos nossos relacionamentos, seja online ou não.”
Para o especialista, alguns comportamentos virtuais tomaram um caminho perigoso de interpretação. “Me pergunto se o orbiting existe realmente. Será que não somos tão cronicamente online que a gente acha que isso não é apenas um hábito de ficar passando o feed e curtindo a imagem sem saber direito o que é?”, questiona.
❌ Como romper o ciclo do orbiting ❌
Apesar do potencial destrutivo, romper com o ciclo do orbiting pode ser difícil. Para Priscila, a solução é um movimento transparente das duas partes. “Para a pessoa que faz, é sobre responsabilidade afetiva mesmo. É deixar as coisas claras. Se estou interessado, eu convido, eu parto pra ação, eu tomo a iniciativa. Eu não deixo que o outro crie expectativas a partir de um comportamento tão confuso”, esclarece.
Já para quem recebe, a orientação é diferente. “A reflexão é sair desse lugar de passividade e espera. Se o outro não é capaz de me dar aquilo que eu gostaria, se ele não está me correspondendo e eu já entendi que não vai passar disso, eu preciso me proteger.”
Priscila afirma que atitudes como bloquear, silenciar ou até mesmo excluir podem ajudar a romper com o ciclo. Além disso, reflete sobre como a identidade e o autoconhecimento influenciam nessas relações e nos lugares em que as pessoas se colocam dentro e fora de dinâmicas românticas.
Nesse contexto, a profissional sugere a psicoterapia como alternativa para buscar o autoconhecimento e lidar da melhor forma em situações de vulnerabilidade diante de outras pessoas.
*Sob supervisão de Camila Souza