Mulheres seguem minoria nos cargos mais altos das marcas de moda

De Chanel a Gucci, os principais desfiles da última temporada mostraram que o poder nas passarelas continua concentrado nas mãos masculinas

Mesmo com avanços na gestão e na representatividade, poucas mulheres chegam aos cargos de direção criativa nas grandes maisons
Mesmo com avanços na gestão e na representatividade, poucas mulheres chegam aos cargos de direção criativa nas grandes maisons Foto : Geoffroy Van Der Hasselt / AFP / CP

A nomeação de Maria Grazia Chiuri para o comando da Fendi na última semana não muda muito o panorama geral: as mulheres continuam sendo marginalizadas nos cargos criativos das grandes marcas, apesar de seu papel histórico na indústria da moda.

Durante as recentes Semanas de Moda, em setembro e outubro, uma dúzia de estilistas estrearam à frente de marcas renomadas. Em Paris, Chanel, Dior, Balenciaga, Loewe e Jean Paul Gaultier apresentaram as primeiras coleções de seus novos diretores artísticos. Em Milão, o mesmo aconteceu com Gucci, Versace e Bottega Veneta.

Em apenas um caso, a nova diretora foi uma mulher: a estilista britânica Louise Trotter, da Bottega Veneta.

Seu antecessor, Matthieu Blazy, agora diretor artístico da Chanel, e Jonathan Anderson, da Dior, substituíram as estilistas Virginie Viard e Maria Grazia Chiuri, respectivamente.

“Parecia que havia uma pequena abertura [para as mulheres] pouco antes da Covid-19”, explicou à AFP a belga Karen Van Godtsenhoven, especialista em moda da Universidade de Gante (Bélgica) e curadora convidada da exposição “Women Dressing Women” (Mulheres Vestindo Mulheres, em tradução livre), de 2023, no Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

“Mas a Covid influenciou a sociedade em geral, com um retorno a formas de pensar mais conservadoras e reacionárias. Para a indústria da moda, isso significou voltar aos velhos hábitos do estilista masculino solo”, acrescentou.

Para a autora americana Dana Thomas, especialista na indústria do luxo, esse retrocesso se explica pelo domínio de grandes empresários conservadores e relativamente mais velhos à frente de grupos como LVMH, Kering e Chanel.

“Acho que a Chanel perdeu uma grande oportunidade ao não contratar uma mulher para liderar uma marca fundada pela mulher mais famosa e influente do mundo da moda”, afirmou, referindo-se a Gabrielle “Coco” Chanel.

O mito do “gênio criador”

A Chanel não é o único caso: criadas por mulheres, as marcas Lanvin, Nina Ricci, Schiaparelli e Celine “agora têm homens como diretores artísticos”, lembrou Dana Thomas.

As nomeações de Sarah Burton para a Givenchy no ano passado e de Maria Grazia Chiuri na Fendi na terça-feira, 14, são exceções.

A renomada marca Hermès, que teve duas estilistas mulheres em seu cargo máximo por mais de uma década, anunciou na última sexta-feira, 17, a saída de Véronique Nichanian, que passou 37 anos à frente da linha masculina. Poucos dias depois, em um raro sinal de renovação, a grife nomeou a britânica Grace Wales Bonner para sucedê-la.

Formada pela Central Saint Martins e à frente de sua marca homônima há uma década, Wales Bonner é reconhecida por sua abordagem sofisticada da moda masculina e pela integração de referências culturais afro-caribenhas em suas criações.

Sua chegada foi celebrada pelo diretor artístico geral da Hermès, Pierre-Alexis Dumas, que elogiou “a visão contemporânea da moda, do artesanato e da cultura” da estilista.

A nomeação, ainda que isolada, representa um respiro em meio a um cenário de retrocesso e desigualdade de gênero nas grandes casas de luxo, que seguem majoritariamente sob direção masculina.

No entanto, vários fatores explicam esse predomínio masculino, de acordo com a análise do sociólogo Frédéric Godart, pesquisador do instituto de negócios francês INSEAD.

Primeiro, ele diz, trata-se de uma indústria “historicamente dominada por homens”, caracterizada por ritmos de trabalho muito exigentes e pouco compatíveis com as obrigações familiares, que muitas vezes recaem sobre as mulheres. Além disso, as desigualdades salariais persistem.

Ele também aponta para o mito do “gênio criador”, que influencia os executivos que tomam decisões.

Para Karen Van Godtsenhoven, as últimas estilistas da Chanel e da Dior eram vistas mais como figuras de transição ou de continuidade.

A especialista lamenta que as mulheres permaneçam presas a “papéis artesanais”, já que estão presentes em todos os níveis de produção. Os homens, por outro lado, são considerados visionários da moda.

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Nova geração

E não é que falte talento feminino na indústria: as escolas de moda continuam formando mulheres em sua maioria e elas também estão bem representadas nos cargos de gestão.

Chanel, Gucci e Dior são administradas por mulheres: Leena Nair, Francesca Bellettini e Delphine Arnault, respectivamente. Na Kering, elas ocupam 58% dos cargos de gestão e representam metade do comitê executivo. A LVMH, contactada pela AFP, não quis fazer comentários.

Diante das dificuldades para obter os cargos criativos mais altos, várias estilistas, incluindo Iris van Herpen, Molly Goddard e Simone Rocha, decidiram seguir os passos da pioneira Donna Karan e criar suas próprias marcas.

“Há toda uma geração de mulheres muito, muito talentosas, e elas simplesmente não têm oportunidades”, lamentou Dana Thomas.