Paris reafirma a moda como expressão artística
Tons sóbrios, volumes e transparências marcam uma temporada de reinvenção nas passarelas

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Paris, a capital mundial da moda, encerrou mais uma temporada de desfiles com uma mensagem clara: a estética comercial cedeu espaço para uma visão mais dramática, conceitual e, em muitos casos, provocativa. Em meio a um cenário global instável, estilistas escolheram transformar a passarela em palco para explorar o corpo, a identidade e a memória cultural através de tecidos, cortes e performances ousadas.
A Semana de Moda de Paris apresentou um jogo de contrastes: de um lado, golas volumosas e mangas bufantes que evocam o romantismo de épocas passadas; de outro, transparências extremas e acessórios que questionam os limites entre o erótico e o grotesco. Em um mundo cada vez mais saturado de tendências efêmeras, a moda se reafirma como discurso — e a temporada parisiense prova que o espetáculo não está morto.
Texturas, volumes e monocromáticos
Se Milão apostou na exuberância das estampas, Paris seguiu um caminho oposto, com uma paleta de cores mais sóbria e uma abordagem intensa na construção das peças.
“O que vimos nesta temporada foi uma preferência pelos lisos e monocromáticos, especialmente em tons avermelhados, marrons e verdes profundos. Hermès e Valentino foram alguns dos nomes que reforçaram essa tendência, que remete a uma sofisticação contida, mas carregada de narrativa,” explica Paula Bragagnolo, fundadora e diretora criativa da PGB Inteligência.
O uso de texturas teve um protagonismo inegável. Maisons como Louis Vuitton e Sacai demonstraram um trabalho minucioso na manipulação dos tecidos, adicionando camadas e relevos que transformavam as peças em esculturas dinâmicas.
As ruffles (golas volumosas e drapeadas), que apareceram em diferentes interpretações, reforçaram um senso de drama barroco, enquanto as franjas espessas – vistas em Rabanne, Simone Rocha e Schiaparelli – sugeriram um movimento quase ritualístico
Além disso, as mangas ganharam formas arredondadas e exageradas, evocando uma silhueta de imponência. “A modelagem remete a uma mistura entre o romance histórico e a ideia de movimento no tecido. Há uma intenção clara de criar impacto visual e trazer uma sensação de grandiosidade ao vestir”, acrescenta.
Entre a sensualidade e a provocação
Se há uma mensagem que ficou evidente nesta temporada é de que a moda continua sendo um território de experimentação e reinvenção do corpo feminino. A transparência radical – presente em diversos desfiles – levou a um questionamento sobre o limiar entre sensualidade e exposição.
Um dos momentos mais comentados da Semana de Moda de Paris foi o desfile de Duran Lantink, cuja última peça apresentou uma prótese de mama. A criação gerou um turbilhão de debates nas redes sociais, evidenciando como a nudez na moda pode ser tanto uma afirmação de autonomia quanto um dispositivo de choque.
Além disso, a lingerie como peça central do vestuário foi uma tendência observada em diferentes marcas. O sutiã visível, as peças completamente translúcidas e até mesmo a ausência total de cobertura do busto apareceram em diversos momentos, desafiando convenções.
Para Bragagnolo, esse fenômeno está diretamente ligado a um desejo de explorar novos limites da feminilidade. “Vemos uma mistura entre um romantismo quase gótico e um jogo de transparências que expõe o corpo de maneira delicada, mas ao mesmo tempo impactante. Essa brincadeira entre opacidade e transparência traz novas leituras sobre o feminino”, explica.
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Moda além do produto
Se no passado a moda de passarela se diluía rapidamente para atender às demandas do mercado, agora há uma resistência por parte de muitos designers em transformar suas coleções em produtos de massa. Em vez disso, há um movimento em direção ao conceito, à provocação e à performance.
Essa abordagem mostra uma mudança mais ampla dentro da indústria. De acordo com a especialista, as marcas estão menos preocupadas em agradar a um consumidor ávido por tendências instantâneas e mais comprometidas em criar narrativas que ressoem culturalmente. “Estamos vivendo um momento em que as pessoas querem mais do que roupas; querem símbolos, discursos, identidade”, finaliza.