Agroindústrias gaúchas crescem e aparecem

Agroindústrias gaúchas crescem e aparecem

Empreendimentos familiares se profissionalizam, prosperam e brilham em concursos de produtos artesanais no Estado e no Brasil, porém burocracias e custos para a formalização de novos negócios ainda são obstáculos

Queijos especiais e premiados de Vanderlei Kaefer e Alessandra Valin alcançam consumidores do RS e de outros estados

Por
Patrícia Feiten

À frente da Queijaria Alvorada Missioneira, o casal Vanderlei Kaefer e Alessandra Valin alia método e criatividade para dar novos sabores, texturas e cores a um clássico da gastronomia. Incentivados por visitantes da agroindústria, criada há dez anos, em Canela, decidiram inscrever suas invenções em concursos. Já na primeira tentativa, em 2018, faturaram dois prêmios no Mundial do Queijo Brasil, a principal competição de queijos artesanais do país, em São Paulo: a medalha de ouro, com seu queijo serrano, e a de bronze, com uma versão própria do árabe chancliche. O reconhecimento impulsionou a procura pelos produtos autorais. Hoje, a empresa fabrica diariamente até 130 quilos de queijo. As 14 variedades produzidas vão desde a colonial, temperada com alho, orégano e pimenta, até a de casca roxa, resultante da imersão no vinho bordô. 

Natural de São Paulo das Missões, Kaefer mudou-se para Canela para trabalhar no ramo do turismo. Em 2003, adquiriu uma propriedade no interior do município e iniciou a produção de leite com vacas das raças Jersey e Holandesa. Na região, aprendeu a fazer queijo com um técnico de laticínios uruguaio – o nome Yamandu, dado ao seu premiado serrano, é uma homenagem ao mestre queijeiro. “A gente sempre agradece a esse uruguaio. Foi ele que nos trouxe ao mundo do queijo”, afirma Kaefer. Os itens da queijaria são vendidos em uma mercearia própria e também chegam a restaurantes. “Já temos alguns (clientes) em São Paulo (SP), Niterói (RJ) e Curitiba (PR). Muitos chefs de cozinha vão nos indicando”, diz Kaefer. 

No final do ano passado, Kaefer e Alessandra encararam mais um desafio ao iniciar a criação de caprinos. A recompensa não demorou: em maio deste ano, um de seus queijos à base de leite de cabra levou a medalha de prata no Concurso Internacional de Queijo Artesanal da Expoqueijo Brasil 2022, realizada em Araxá (MG). Agora, eles se qualificam para elaborar queijos finos. “Nossa ideia é expandir para mais tipos, e não aumentar o volume de produção”, adianta Kaefer.

A agroindústria de Canela também fez fama com seu doce de leite. No ano passado, a iguaria ganhou o primeiro lugar no concurso estadual da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL). A produção é pequena, de apenas 100 quilos por mês, e comercializada apenas em feiras. 

A Alvorada Missioneira é um dos cerca 3,9 mil empreendimentos cadastrados no Programa Estadual de Agroindústria Familiar (PEAF). A inserção possibilita aos produtores familiares acesso a linhas de crédito com juros mais baixos por meio do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper), condições para participação em feiras e orientação em questões como a regularização sanitária e ambiental. Hoje, mais de 1,6 mil já estão incluídos no programa e podem estampar nos produtos o selo Sabor Gaúcho.

Segundo o extensionista da Emater/RS-Ascar Júnior Lopes dos Santos, 70% das agroindústrias produzem itens de origem vegetal, como doces de frutas e bebidas. O restante trabalha com lácteos, embutidos e outros alimentos de origem animal. Atenta à vocação de cada família, a empresa de extensão rural exerce um papel fundamental na constituição e na profissionalização dessas indústrias de pequeno porte. “A gente busca ativamente empreendimentos que atuem na informalidade ou que produzam para o seu consumo e pretendem comercializar os produtos. Trazemos esses agricultores através de qualificação, de cursos e de auxílio em todos os processos”, afirma Santos.

O reconhecimento da agricultura familiar, com a Lei 11.326, de 2006, foi o que impulsionou as pequenas agroindústrias, destaca o coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-RS), Douglas Cenci. Mesmo assim, a burocracia e os custos envolvidos na formalização dos negócios ainda são obstáculos. “O agricultor familiar acaba tendo de cumprir quase as mesmas normativas que uma empresa de grande porte. Muitos desistem por conta disso”, afirma Cenci.

Um avanço, segundo o coordenador da Fetraf-RS, veio com o Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf), que promove a equivalência entre os serviços de inspeção municipais (SIM) e o Serviço de Inspeção Agroindustrial de Pequeno Porte (Siapp), de âmbito estadual. A adesão das prefeituras ao sistema é necessária para que produtos de origem animal possam ser vendidos em todo o Estado. “Muitas agroindústrias estão em municípios pequenos. Se não conseguem vender aos vizinhos, não conseguem se viabilizar”, explica Cenci.

Outro mecanismo importante para a sustentabilidade das empresas é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), diz o vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS), Eugênio Zanetti. Desde 2009, a lei 11.947 exige que no mínimo 30% do valor repassado pelo governo federal a estados, municípios e Distrito Federal para o programa seja usado na aquisição de alimentos de agricultores e empreendedores familiares rurais. Os contratos com a rede pública garantem renda regular para as agroindústrias, que com isso conseguem aumentar aos poucos sua produção. “Há municípios que compram até 70% da agricultura familiar. Muitos precisam buscar em outros municípios, porque as agroindústrias (locais) não têm para fornecer”, observa. 

Hoje, a presença de agroindústrias é bem pulverizada no Estado, destaca Zanetti. Prova disso foi a última edição da Expointer, realizada em setembro em Esteio. No Pavilhão da Agricultura Familiar, havia expositores de 166 municípios, sendo 160 do Rio Grande do Sul. 

“Me envolva e não te esqueço”

Produtor se qualifica e destaca vinícola da Serra com experiência de imersão na cultura italiana

João Pedro (à direita) e Gilberto De Bastiani transformaram pipa com capacidade para armazenar 200 mil litros de vinho em um atrativo para os visitantes de sua vinícola em Nova Roma do Sul. Foto: Arquivo Pessoal / CP

Para o viticultor João Pedro De Bastiani, vinho é assunto sério. Um dos sócios da Vinícola De Bastiani, de Nova Roma do Sul, na Serra Gaúcha, ele foi estudar enologia para entender as bases científicas por trás da bebida que seus pais produziam artesanalmente, no ritual em que os cachos de uva são esmagados com os pés e o suco extraído no processo passa pela fermentação em tonéis de madeira. Um produto “empírico”, nas palavras do produtor, mas obrigatório na mesa da família nas refeições. 

Com o conhecimento adquirido, João Pedro investiu nos parreirais da propriedade e, em 2007, em parceria com o primo Gilberto De Bastiani, instalou uma agroindústria na casa construída por seu bisavô em 1921. Hoje, a vinícola processa de 150 mil a 160 mil quilos de uva a cada safra, colocando no mercado 15 mil litros de suco e até 90 mil litros de vinho por ano, incluindo a linha orgânica Ecco, formado por um tinto e um rosê elaborado com a uva bordô. Os produtos são vendidos em feiras de Porto Alegre, restaurantes e mercados. 

Já nos primeiros anos de operação da agroindústria, os sócios perceberam a necessidade de oferecer algo diferenciado para enfrentar a concorrência com marcas consolidadas e promover seus produtos. Após uma especialização em marketing, João Pedro decidiu apostar no enoturismo. “O que aprendi: me envolva e não te esqueço. O Senar capacitou toda a equipe da minha família”, conta. 

Vencedora de vários prêmios no tradicional Concurso dos Produtos da Agroindústria Familiar da Expointer, a De Bastiani propõe aos turistas um dia de imersão na cultura dos imigrantes italianos. Na propriedade, eles podem reviver a tradição da chamada pisa da uva, fazer passeios a bordo de um “carretão” e apreciar a vista exuberante do encontro entre o Rio da Prata e o Rio das Antas proporcionada pelo mirante da vinícola. A programação inclui, é claro, degustação de vinhos e sucos feitos na agroindústria, além de delícias da gastronomia tradicional da região. O charme fica por conta de uma pipa com capacidade para 200 mil litros de bebida transformada em uma pequena loja. 

Segundo João Pedro, as visitas são agendadas previamente com os interessados – o acesso à vinícola é gratuito, e apenas os alimentos consumidos são cobrados. O principal canal de divulgação são as redes sociais, como Instagram e Facebook. “Hoje, o turismo é bem representativo dentro da propriedade”, diz João Pedro.

Receitas da vovó são segredo de iguarias

Na Serra Gaúcha, é comum encontrar agroindústrias fundadas na expertise culinária transmitida de uma geração a outra. Com uma farta linha de geleias, além de molhos e antepastos, a Casa do Sabor, de Paraí, é um desses empreendimentos que nasceram e prosperaram ao aprimorar receitas de doces artesanais preparados com as frutas do pomar da família. Filha de pecuaristas, a engenheira de alimentos Raquel Pellegrini conta que a ideia inicial de seus pais era trabalhar com derivados de leite, mas a tradição familiar acabou indicando um caminho promissor. “Eles têm uma pequena área de terra e queriam fazer alguma coisa para se manter na propriedade. Tinham as receitas da minha avó, que fazia doces de uva, figo, maçã. Com o tempo, fomos ampliando os produtos”, diz ela.

Antes de estabelecer a agroindústria, porém, a família buscou qualificação. “Minha mãe fez muitos cursos com Emater e sindicatos. Meu irmão mais velho já era formado como técnico agrícola, e o mais novo estava estudando ainda”, afirma Raquel. A Casa do Sabor produz atualmente de 3 mil a 4 mil quilos de alimentos por mês – em torno de 12 mil potes por mês. De uma oferta inicial de 10 produtos, a marca passou a um total de 78 itens, entre os quais uma linha de geleias sem açúcar e outra de versões apimentadas, tendências indicadas pela participação em feiras do setor. “Nesse contato direto com o consumidor, a gente sente qual é a demanda (do mercado)”, afirma Raquel.

Fundadores da Casa do Sabor, de Paraí, tinham intenção de produzir e comercializar derivados de leite, mas receitas da avó de Raquel Pellegrini indicaram caminho promissor ao negócio familiar, focado em geleias, molhos e antepastos. Foto: Ana Paula Coldebella / Especial / CP

A Casa do Sabor vende a maior parte da produção em lojas especializadas e pequenos mercados. O restante é comercializado em feiras agropecuárias – uma pequena parte é destinada a programas de merenda escolar. “São clientes que não visito presencialmente, atendo pelo Whatsapp, porque a maioria a gente fez nas feiras. Elas nos abriram muitas portas”, destaca Raquel. 

Para a engenheira de alimentos, sua graduação na área significou um salto de qualidade para a agroindústria, principalmente no desenvolvimento de produtos. “Hoje, a gente tem uma tendência de consumo menor de açúcar, e o conhecimento técnico ajuda a melhorar o produto nesse quesito”, exemplifica. Apesar das mudanças, quem comprar o primeiro item lançado pela empresa, o doce de uva presente na mesa família há três gerações, encontrará o sabor original que garantiu o sucesso da marca. “A geleia segue a mesma receita, o mesmo processo. Só reduziu o açúcar”, diz Raquel.

Queijaria vence a pandemia

Um dos sócios da Dorf Produtos Lácteos Tradicionais, de Teutônia, Jackson Jacobs apostou na montagem da agroindústria em meio ao terremoto de magnitude global desencadeado pelo coronavírus em 2020. A ideia começou a ser delineada em parceria com o irmão, Samuel Jacobs, em 2016, época em que os altos custos da pecuária leiteira e os baixos preços de comercialização do leite quase levaram a família a abandonar a atividade. Hoje com um rebanho de cerca de 130 vacas da raça Holandesa, eles vislumbraram na criação de uma queijaria a saída para agregar valor à produção e dar continuidade ao trabalho iniciado pelo pai no campo.

Jackson, que trabalhou em uma indústria de laticínios, deixou o emprego e passou a se dedicar exclusivamente ao projeto da agroindústria. Antes de tirar o plano do papel, fez cursos online, visitou 12 queijarias e buscou assistência do Sebrae, da Emater/RS-Ascar e da Fetag-RS. A Dorf entrou em operação em janeiro do ano passado e vem produzindo 2,5 mil quilos de queijos coloniais por mês – além das versões tradicional, temperado e zero lactose, a linha inclui queijos autorais à base de leite cru que passam por maturação de 60 a 120 dias. “Somos uma ‘agroindústria de pandemia’. O ano de 2021 foi bastante difícil. Não tinha vendas, não tinha eventos, a gente produzia de 5 a 6 mil litros de leite por mês”, conta Jackson. Hoje, os irmãos mantêm entre 50 e 55 vacas em ordenha, que produzem 25 mil litros de leite ao mês. 

A Dorf Produtos Lácteos Tradicionais, de Teutônia, começou a ser montada em 2020, processando entre 5 mil e 6 mil litros de leite ao mês. Hoje, Jackson Jacobs e o irmão fazem queijos a partir da produção de 25 mil litros de leite ao mês. Foto: Arquivo Pessoal / CP

Embora a maior parte da produção seja comercializada em feiras do setor agropecuário, Jackson diz que os contratos para fornecimento de merenda escolar a escolas públicas foram decisivos na largada da empresa. “Atendo municípios próximos, num raio de no máximo 40 quilômetros, para facilitar a questão logística. Para quem começa, é uma venda garantida, você consegue se programar”, afirma o pecuarista. Vencido o teste de resistência à pandemia, os dois sócios planejam ampliar gradativamente a produção, até que a agroindústria opere com a capacidade plena de processamento, de 60 mil litros de leite por mês. A meta é focar-se na elaboração de queijos diferenciados e nos de maturação mais longa, oferecidos em peças de 10 quilos. 

Um incentivo para a expansão veio em maio, quando os queijos autorais da Dorf conquistaram medalhas de bronze no 1° Concurso de Queijos Artesanais do Rio Grande do Sul, promovido pela Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL), com apoio do programa RS Criativo, da Secretaria da Cultura do Estado. “A gente tinha um ano e meio de atividade e queria ter uma avaliação do produto. Dos três que enviamos, dois foram premiados”, comemora Jackson. Segundo o empreendedor, a agroindústria já desenvolve três novas versões de queijo colonial temperado e em abril começou a produzir um parmesão. “Um parmesão precisa de 8 a 10 meses para ficar maturado da forma correta”, ensina o empreendedor.

Da cozinha para o mercado

A marca Da Rhê, que estampa os produtos da Agroindústria Konzen, é inspirada no nome da produtora rural Rejane Beatriz Konzen. Donos de uma propriedade de 23 hectares no município de Cerro Largo, na região noroeste do Rio Grande do Sul, ela e o marido forneciam leite a cooperativas da região e cultivavam soja, milho, verduras e frutas. Após sucessivas safras frustradas, chegaram a pensar em trocar o campo pela vida na zona urbana. Na busca de alternativas para melhorar a renda, optaram pela criação de uma indústria de produtos lácteos, hoje com 16 anos de atividades.

“A gente já tinha ordenha, a ideia inicial era fazer sorvete para vender. Procuramos a Emater. Na época, não era muito difundida a ideia de agroindústria, e indicaram um curso (de derivados de leite) de uma semana em Bom Progresso”, lembra Rejane. Ao contrário do que imaginava, ela não encontrou no treinamento orientações sobre o processo de produção do tradicional gelado, mas aprendeu a fazer queijo colonial, doce de leite e iogurte. Para testar a aceitação dos produtos preparados, Rejane, que também trabalhou como cabeleireira, oferecia-os aos familiares e às clientes. “Elas acabavam comprando, aí começou devagarzinho a comercialização”, conta.

Agroindústria criada por Rejane Konzen, em Cerro Largo, começou com uma pequena produção artesanal e, atualmente, fabrica 13 toneladas de queijos por mês, além de iogurtes bebidas lácteas, doce de leite, nata e ricota. Foto: Juliana Andressa Konzen / Especial / CP

Segundo Rejane, a produção artesanal começou na cozinha da família, com uma panela com capacidade para 10 litros de leite, e foi aumentando aos poucos. Para abrigar a agroindústria, o casal construiu uma pequena casa próximo ao tambo da propriedade rural. Hoje, a Konzen processa 120 mil litros de leite e produz 13 toneladas de queijos por mês, além de iogurtes, bebidas lácteas, doce de leite, nata e ricota. O carro-chefe da linha, afirma Rejane, é o queijo mussarela, que passou a integrar o portfólio da marca Da Rhê a pedido dos clientes. 

Na edição deste ano da Expointer, em Esteio, a empresa conquistou o primeiro lugar na categoria queijo colonial do Concurso dos Produtos da Agroindústria Familiar, organizado pela Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) e pela Emater-RS/Ascar. A participação em feiras agropecuárias no Estado é apenas um dos canais de venda da família. Por meio de uma cooperativa, a Konzen fornece produtos a escolas públicas, presídios e quartéis da região. “Os programas governamentais (de alimentação) foram de suma importância no começo. Também vendemos para restaurantes, supermercados e padarias”, afirma Rejane. 

Com o crescimento do negócio, o empreendimento passou por duas ampliações e a mão de obra familiar foi reforçada com a contratação de seis funcionários. Há dois meses, o laticínio foi transferido para um prédio na cidade vizinha Salvador das Missões, com capacidade para a industrialização de 50 mil litros de leite por dia. O imóvel foi cedido pela prefeitura do município, que ofereceu suporte para a instalação da agroindústria.

Negócio em hamornia com o meio ambiente

Família de Garibaldi compartilha práticas agroecológicas adotadas em seus pomares e lavouras com visitantes, conquista apreciadores da natureza e amplia mercado para a produção própria de vinhos, sucos, molhos e geleias

Casal Jorge e Salete Mariani administra agroindústria na Serra Gaúcha ao lado dos filhos Jorge Junior e Júlia. Foto: Arquivo Pessoal / CP

Produtores de uva orgânica há mais de duas décadas, além de outras frutas, legumes e plantas alimentícias não convencionais (PANCS), Jorge e Salete Mariani se especializaram na elaboração de vinhos, sucos e geleias, que inicialmente preparavam apenas para o consumo da família e para presentear amigos. Inserida na Estrada do Sabor, rota turística na zona rural de Garibaldi, próximo ao Vale dos Vinhedos, sua propriedade de 4 hectares, desde 2001, recebe visitantes interessados em conhecer de perto suas práticas agroecológicas e em fazer caminhadas e piqueniques à sombra dos parreirais. Motivado pelo sucesso que os doces e bebidas artesanais faziam entre os turistas, o casal decidiu estabelecer uma agroindústria. 

“Na época (em 2001), a gente tinha uma casa velha, um porão. O pessoal vinha aqui, comprava uva in natura e ia embora”, lembra Salete. Com financiamento do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o casal investiu na construção de um pavilhão próximo aos vinhedos e passou a processar vinhos e sucos para uma cooperativa. Em 2017, a liberação do saque de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), autorizada pelo governo federal, garantiu recursos para que criassem uma marca própria, a Orgânicos Mariani. “Eu tinha R$ 10 mil lá, saquei e registrei a empresa”, diz Salete. 

Em anos normais, sem estiagens, a propriedade dos Mariani produz em torno de 80 mil quilos de uva a cada safra, o que resulta em 10 mil litros de sucos e 15 mil garrafas de vinho – a agroindústria oferece ainda molho de tomate e doces orgânicos, como os de morango, amora, vinho com pimenta, laranja e pêssego. “Faço geleia de tudo o que eu encontro. Gosto de inventar coisas, e o turista quer novidade. Recebemos também muitos empresários, compradores de grandes redes (de varejo) e visitas técnicas”, diz Salete. Os produtos são comercializados em feiras do setor agropecuário e na própria agroindústria, mas o turismo abriu também oportunidades de mercado em outros estados, como Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Hoje, o casal, que antes trabalhou na iniciativa privada, dedica-se totalmente ao negócio familiar. A gestão do empreendimento segue um modelo de organograma empresarial. Jorge cuida dos parreirais e da colheita. O filho Jorge Junior, estudante de Agronomia, é responsável pelo dia a dia da agroindústria, desde o processamento da uva até o envazamento e a rotulagem dos produtos. Encarregada do atendimento aos turistas, a filha Júlia também atua no apoio às vendas, e Salete, graduada em administração de empresas, cuida das tarefas administrativas, como emissão de notas fiscais e cobranças. “É mais fácil trabalhar numa empresa do que na família, pois cada uma tem uma ideia. Para dar tudo certo, a gente dividiu (as tarefas). Todo mundo se ajuda, mas cada um tem sua atividade”, destaca a produtora.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895