A rotina de médicos em hospitais gaúchos já conta com a IA como “parte da equipe”, seja ainda como uma ferramenta a ser desenvolvida e testada, seja como uma solução implementada para facilitar os atendimentos e diagnósticos. O superintendente médico do Hospital Moinhos de Vento, Luiz Antônio Nasi, aponta que a inteligência artificial tem ajudado a acelerar a transformação digital da instituição. Entretanto, reforça o princípio de ter a tecnologia como uma ferramenta a serviço do cuidado humano.
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“Atualmente, aplicamos IA em diagnóstico por imagem, hemodinâmica, endoscopia, pediatria e gestão de fluxo assistencial. Em parceria com a McMaster University, reduzimos em até 30% o tempo de aquisição de imagens de ressonância magnética, mantendo a qualidade diagnóstica. Na endoscopia, tecnologias com inteligência embarcada indicam em tempo real a probabilidade de malignidade de pólipos. Na emergência, sistemas de dados ajudam a prever tempos de espera e organizar o cuidado de forma mais eficiente”, explicou Nasi.
Apesar disso, o médico salienta que estas soluções se tratam de ferramentas de suporte à atividade médica. “A tecnologia amplia o olhar clínico, mas nunca o substitui. A IA está presente para gerar eficiência, apoiar decisões clínicas e aprimorar a experiência do paciente. Criamos um comitê dedicado ao tema, unindo especialistas da medicina e da tecnologia, garantindo uso ético, seguro e alinhado à prática assistencial. Nosso foco é liberar o médico de tarefas operacionais para que ele tenha mais tempo para o que é insubstituível: a relação com o paciente”, completou.
No Grupo Hospitalar Conceição (GHC), algumas ferramentas de IA estão em estágio de pesquisa e desenvolvimento enquanto outras já começam a ser aplicadas na prática. Entre eles, estão os projetos de navegação de pacientes oncológicos, que recebeu recursos do Ministério da Saúde e é desenvolvido em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), e o sistema de inteligência artificial na prescrição médica.
De acordo com o GHC, no primeiro projeto, a ferramenta permitirá a captura, análise e integração automatizada de grandes volumes de informações, apoiando a navegação oncológica, otimizando fluxos de atendimento e contribuindo para a coordenação do cuidado. A proposta espera ainda gerar melhorias no acesso de pacientes a especialistas e maior agilidade para o início do tratamento. O grupo hospitalar destaca que a iniciativa é um marco no uso da ciência de dados em saúde pública, com potencial para ser replicado em todo sistema SUS.
O outro projeto em desenvolvimento pelo GHC envolve a integração do prontuário eletrônico utilizado nos hospitais do grupo com uma solução chamada NoHarm, um sistema de IA para auxiliar e otimizar o trabalho da farmácia clínica nas casas de saúde. Ainda de acordo com o GHC, a ferramenta permitirá identificar pacientes a partir de um escore de priorização, prescrições e interações medicamentosas, permitindo a dispensação de medicações com maior segurança.
Para médico Fernando Anshau, assessor da diretoria de Inovação, Gestão do Trabalho e Educação do GHC, o apoio da IA na tomada de decisões, aliada à visão humana dos profissionais da saúde, qualifica os processos de trabalho. “Ela também otimiza o tempo e garante maior controle dos processos” afirmou. “Ainda temos muito a conhecer sobre a Inteligência Artificial e suas possibilidades, mas não podemos deixar de utilizar as ferramentas que já estão disponíveis”, completou o diretor de Atenção à Saúde, Luís Antônio Benvegnú.
Outra casa de saúde com projetos de ferramentas em desenvolvimento é o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Entre os estudos promovidos pela instituição, um envolve a aplicação da IA em exames de imagem, com financiamento do governo federal através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A proposta prevê a análise de exames de raio-x para identificar anomalias que podem contribuir com maior rapidez no diagnóstico.
“Ele olha o exame de raio-x, vê se tem pneumonia grave e avisa no sistema, ao radiologista, que esse raio-X precisa ter prioridade na frente dos outros para ser feito do laudo, e o programa já pode dar um laudo pré-estabelecido”, explicou Maurício Sauressig, chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do HCPA, durante evento promovido pelo hospital que discutiu os impactos da IA na rotina dos profissionais de saúde.
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No HCPA, a ferramenta de IA já analisou cerca de 40 mil exames de raio-x de tórax e seus resultados foram comparadas com os da avaliação humana. A validação humana ainda está sendo testada, e o acerto de índice chega a 80%, conforme o hospital. Outro projeto em andamento pelo HPCA, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), envolve a criação de uma calculadora que estima o risco de suicídio de pacientes que já passaram por alguma internação psiquiátrica.
De acordo com o hospital, a intenção é que o algoritmo de inteligência artificial consiga captar os padrões clínicos, comportamentais, sociodemográficos e de história de vida do paciente, associados ao comportamento suicida, e utilizar a ferramenta em novos pacientes em internação. Desta forma, pretende-se que a calculadora seja capaz de estimar de forma acurada o risco de uma tentativa de suicídio para este determinado paciente.
Outro hospital da Capital que aplica a IA em diversas frentes é o Mãe de Deus. Entre as iniciativas utilizadas diariamente pelos profissionais da casa de saúde está o uso de algoritmos de IA no processamento de exames de imagem e diagnósticos. Além disso, outra ferramenta consiste também no uso de algoritmo de inteligência artificial baseada em dados e probabilidades, chamada de Munai, para monitorar prontuários eletrônicos e identificar pacientes hospitalizados com risco de piora clínica, antecipando alertas para equipes assistenciais. Cores, como azul, amarelo e vermelho, são utilizadas para indicar situações fora do normal.
De acordo com o diretor médico do Hospital Mãe de Deus, Tiago Ramos, a entidade entende que incorporar tecnologia e inovação é parte integrante do compromisso com segurança, eficiência e humanização do cuidado. Apesar disso, ele reforça que a IA é utilizada como ferramenta de apoio, após passar por processos de validação local e implementação responsável, complementando fluxos de trabalho já existentes no dia a dia do hospital e gerando impactos positivos para o paciente.
“Investir em tecnologia é investir no futuro da instituição. Temos que equilibrar inovação com sustentabilidade financeira, governança de dados, segurança cibernética e compliance regulatório. Enxergamos a tecnologia como parceira indispensável da medicina de qualidade. Nossa missão é que o hospital continue sendo referência não apenas pela excelência clínica, mas também por estar à frente nas fronteiras da medicina do futuro, sempre com ética, segurança e foco no ser humano”, falou o diretor médico.
O Hospital Ernesto Dornelles também utiliza IA como instrumento de apoio à prática médica e à gestão hospitalar. Entre as aplicações, estão ferramentas de apoio à tomada de decisão médica com base em dados em tempo real e uso em farmácia clínica, para otimizar uso de medicamentos prescritos, resultando em práticas seguras, sustentáveis e focadas na qualidade assistencial. O Ernesto Dornelles também conduz projetos-piloto em pesquisa clínica e monitoramento epidemiológico com uso de algoritmos de IA.
De acordo com a gerente de Governança Clínica do hospital, Juliana Fernandes, o avanço tecnológico colocado em prática na instituição está alinhado ao conceito de valor em saúde, promovendo melhores desfechos clínicos, reduzindo desperdícios e fortalecendo a segurança e a experiência do paciente. “Ao automatizar análises complexas e fornecer alertas em tempo real, a IA contribui para reduzir erros de medicação, otimizar o tempo dos profissionais e fortalecer a cultura de segurança do paciente”, concluiu a médica.