Imigração alemã: as diferentes vocações industriais no Estado

Imigração alemã: as diferentes vocações industriais no Estado

Confira como os alemães foram diversificando suas atuações nas diferentes regiões do RS

Bicentenário da Imigração Alemã em Porto Alegre: Edifício de Fiação de Lã e Tecelagem de A.J. Renner, na esquina da rua Frederico Mentz com a travessa São José

Por
Felipe Faleiro

Outras regiões gaúchas colonizadas por alemães tiveram vocações industriais diferentes. Nas Missões, onde os imigrantes se estabeleceram a partir do início do século XX, o solo fértil fez com que a região de Cerro Largo se destacasse no cultivo agrícola e no maquinário relacionado. “As primeiras carretas agrícolas do Brasil, as grandes prensas para a cana e a fabricação do schmier e do melado, além da selecionadora de sementes de soja foram criadas em Cerro Largo”, afirma Guido Hentz, historiador e voluntário à frente do Museu 25 de Julho, mantido no município pelo centro cultural homônimo.

Em Panambi, a colonização germânica fortaleceu a metalurgia, fazendo com que o município seja destaque no segmento metal-mecânico. Um estudo da Universidade de Cruz Alta (Unicruz), assinado pela administradora Edla Kuntz e pela economista Enedina Silva, mostrou que a atividade do setor iniciou a partir da “necessidade de os agricultores fazerem suas próprias ferramentas no cultivo da terra”.

No começo do século XX, em Estrela, no Vale do Taquari, dominavam fábricas de azeite, curtumes, cervejarias, destilarias, refrigerantes, entre outras. Como exemplo, a Fruki Bebidas foi fundada em 1924 em Arroio do Meio por Emilio Kirst, neto de alemães naturais de Hochscheid, no Hunsrück. Já em Encantado havia indústrias como de queijo, salames, álcool e conservas.

A região de Santa Cruz do Sul também tornou-se próspera. Metade dos lares dos germânicos no final do século XVIII tinha uma roca de fiar, com a qual eram confeccionados fios de algodão e linho para tecidos.

“Em 1886, já viviam 381 artífices, profissionais com conhecimentos inexistentes até então por aqui”, conta Lissi Bender, vice-presidente da Academia de Letras de Santa Cruz do Sul, doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Tübingen, na Alemanha e vencedora, em 2016, do prêmio Distinção Imigração Alemã. Segundo ela, isso representava mais de 60% dos imigrantes chegados até aquele ano. “A maioria dos alemães que vieram para cá sabiam ler e escrever”, acrescentou Lissi. A força do trabalho, somada à educação, fez com que os colonos superassem a produção de subsistência apenas dez anos após sua chegada inicial. Ali também os imigrantes ajudaram a elevar o valor da indústria do tabaco a partir da segunda metade do século XIX, e que não parou mais de crescer.

Um artigo do professor Pedro Cezar Dutra Fonseca, da Ufrgs, mostrou que o cultivo do arroz pela técnica da irrigação no RS começou pelos alemães na década de 1890, em Taquara (Colônia de Santa Maria do Mundo Novo) e Santa Cruz, embora o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) registre que, ainda antes, em 1875, já havia 16 engenhos arrozeiros na Colônia de Santo Ângelo, hoje município de Agudo, “sendo provável que a cultura já existisse, portanto, bem anteriormente a esta data”, diz o órgão estadual.

O arroz com casca foi exposto pela primeira vez em 1881, em Porto Alegre, pelo alemão Francisco Knebel. Fonseca afirma também que os imigrantes alemães foram responsáveis pela produção do vinho em maior escala no RS. A banha foi outro importante item agrícola cuja produção foi iniciada pelos alemães e, em parte, pelos italianos. A partir dela, em meados de 1870 e 1880, o plantio do milho também foi impulsionado, já que os colonos utilizavam o grão para alimentar os suínos depois utilizados para fabricar banha, segundo o pesquisador Paulo Adam, da Universidade de Passo Fundo (UPF).

A banha de porco, aliás, foi o primeiro produto da empresa de alimentos Carlos H. Oderich & Cia., fundada em 1908 em São Sebastião do Caí por Adolph Oderich, que, por sua vez, desembarcou em 1879 no Brasil, vindo de Wittenburg, na Saxônia-Anhalt, e seu filho, Carlos Henrique. Deu certo e, hoje, a Oderich Alimentos é uma indústria consagrada nacionalmente na fabricação de conservas.

Porém, o grande destaque gastronômico veio por meio da cerveja. Nascido em Kempfeld, na região de Hunsrück, Georg Heinrich Ritter chegou ao Brasil em 1846 e fundou, em 1868, a Cervejaria Ritter, a primeira comercial do Rio Grande do Sul, no território do atual município de Linha Nova, na Encosta da Serra. Mas historiadores dizem que o pioneirismo na produção da bebida em solo gaúcho veio pelas mãos do imigrante Ignácio Rasch, em 1824 ou 1825, logo após a chegada dos primeiros colonos a São Leopoldo.

Mais tarde, os três filhos de Georg fundaram fábricas em Porto Alegre e Pelotas e, no final do século XIX, havia fábricas de cervejas em vários municípios gaúchos. Nesta época, o neto de Georg, Frederico Augusto Ritter, migrou do ramo cervejeiro para criar, em 1919, outra indústria de destaque, a atual Ritter Alimentos, especializada em doces e conservas e sediada na avenida que leva o nome de seu fundador, na Granja Esperança, município de Cachoeirinha, na região metropolitana.

Traços germânicos no 4º Distrito

Não é novidade para quem vive na região do 4º Distrito, na zona Norte da Capital, que grande parte dos edifícios históricos foi erguida por imigrantes germânicos. Os exemplos são inúmeros. Fundada em 1873 para a fabricação de cofres, fechaduras, fogões, camas, entre outros, a fábrica Berta tinha cerca de 3,2 mil metros quadrados de área e ficava na rua Voluntários da Pátria, entre a Garibaldi e a Ernesto Alves, no bairro Floresta. O local, depois, foi demolido.

O fundador da fábrica foi Emmerich Berta, avô de Ruben Berta, ex-presidente e o primeiro funcionário brasileiro da extinta Viação Aérea Rio-Grandense (Varig) e que dá nome a outro bairro da Capital, entre outros logradouros. Outro sócio da fábrica foi Alberto Bins, nascido e falecido em Porto Alegre, e que em 1893 comprou a indústria, modernizando seus processos de trabalho. Bins, filho de alemães, foi também prefeito da capital entre 1928 e 1937.

No número 230 da avenida Cairu, foi erguida em 1903 a primeira fábrica de chocolates do Brasil, a Neugebauer Irmãos & Gerhardt, fundada em 1891 pelos irmãos Max e Franz Neugebauer, mais o sócio Fritz Gerhardt. A marca, depois, se transformaria na Neugebauer, outra potência no segmento alimentício. Projeto de 1910, a Cervejaria e Fábrica de Gelo Bopp & Irmãos, na avenida Cristóvão Colombo, foi projeto do arquiteto Theo Wiederspahn, e, na época, o maior em concreto armado do país. O negócio mudou de donos sucessivas vezes e o prédio, em 2003, passou a abrigar o Shopping Total.

Na área do Navegantes, destacam-se também os dois edifícios da A. J. Renner, um para fiação de lã e tecelagem, projeto de Carl Hartmann de 1922, na esquina da rua Frederico Mentz, nome de seu ex-sócio, com a travessa São José, e outro somente para tecelagem, do arquiteto Egon Weindorfer de 1934, na travessia da Frederico Mentz com a rua Lauro Müller. A empresa em si, fundada primeiramente em São Leopoldo por Renner, Mentz e Christian Trein e, anos mais tarde, modificada para Porto Alegre, era considerada prolífica fabricante de capas para chuva.

O negócio tornou-se a Lojas Renner, uma das maiores varejistas de moda do Brasil. A. J. Renner, por sua vez, que nomeia uma importante via da zona norte, foi presidente do então Centro das Indústrias do RS (Ciergs) e deputado estadual entre as décadas de 1930 e 1950. Já o complexo passou a abrigar empreendimentos de vocação como o DC Shopping e o Instituto Caldeira, nomeado devido às caldeiras trazidas da Europa por Renner. Outra indústria criada por descendentes alemães foi a Wallig, fabricante de fogões, fundada por Pedro Wallig em 1904, e que logo se tornou a maior do produto em solo nacional.

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