Milho tem quebra irreversível e pode piorar

Milho tem quebra irreversível e pode piorar

Avaliações da Câmara Setorial do Milho da Secretaria da Agricultura e da Emater/RS de Lajeado é de que chuva, agora, é apenas para “parar de perder”

Por
Camila Pessôa

Com chuvas esparsas desde novembro de 2022, o Rio Grande do Sul passa, pela terceira vez consecutiva, por uma estiagem que coloca a produção agropecuária em risco. Afetado já em sua fase de desenvolvimento, o milho é um dos cultivos com maiores perdas. “Tem uma quebra de safra muito grande”, diz o coordenador da Câmara Setorial do Milho da Secretaria da Agricultura, Paulo Vargas. Segundo ele, muitos produtores já acionaram o seguro e outros cortaram os pés de milho para fazer silagem - apenas com palha, portanto menos nutritiva - uma vez que as plantas não formaram espiga. 

“As perdas são parecidas com as do ano passado, mas ainda não conseguimos quantificar”, diz Vargas. “Tem regiões que pegaram alguma chuva e outras não pegaram”. Vargas relata que enquanto no Norte e Noroeste do Estado as plantações de milho foram pesadamente afetadas, em outras áreas, em que é possível utilizar o sistema irrigado de sulco-camalhão, houve boa produção. Em muitos desses locais há produtores com tradição no cultivo do arroz que recentemente adotaram, também, a produção de milho. “Em Jaguarão, que tem o uso do sulco-camalhão, eles irrigam e conseguem uma boa produtividade, mas essa é uma tecnologia para regiões planas, que no Norte nós não temos”, exemplifica. Segundo o coordenador, as perdas foram ainda mais agravadas pela ocorrência de granizo na segunda semana de janeiro, em especial no Noroeste do Rio Grande do Sul.

Se houvesse chuva, as plantações estariam em fase final de formação de grãos. “Sem chuva, está morto”, diz Vargas. Ele afirma que grande parte dos produtores vai ter uma colheita ruim, com espigas pequenas e com poucos grãos. Mesmo se houver chuva, vai ser possível, no máximo, “parar de perder”, e não vale a pena fazer o plantio novamente, como avalia o coordenador. O que ainda pode ser feito pelos produtores para conter os danos, segundo ele, é o seguro, a rotação de culturas e a cobertura do solo com “o máximo de palha possível”. 

Vargas afirma que um dos maiores agravantes desta safra é que a falta de chuva começou cedo. “Em novembro e dezembro tivemos pouca chuva e em janeiro quase nada”, lamenta. E não tem sido possível fazer reservação de água, porque há muitas áreas consideradas de preservação. Para Vargas, a solução para isso é fazer novos estudos e possivelmente alterar a legislação para que a construção de açudes seja permitida em mais áreas. 

Uma das regiões em situação difícil é a de Lajeado. “Agora um dia (sem chuva) é muito”, diz o gerente do escritório Regional de Lajeado da Emater/RS-Ascar, Cristiano Laste. “Esse sol, esse calor de hoje, torra a plantação, e a água está sumindo. Tem comunidades em que está baixando o lençol freático e a bomba não está mais puxando, aí chega um ponto em que não tem mais o que fazer”, relata. De acordo Laste, a situação ainda não chegou ao ponto que estava no ano passado, mas chegará. “Vai ficar pior do que o ano passado, não está totalmente ainda mas vai”, relata. “Aqui no Vale do Taquari todos os cultivos foram afetados”, diz. “As plantações que conseguiram pegar uma chuva na época de enchimento têm grão, mas tem muita espiga falhada”. 

“Nova Bréscia é o maior produtor de frango do Estado e agora uma preocupação muito grande é nessa questão da água, a questão de ter que suspender lotes de alojamento pela falta de água”, acrescenta o gerente. Ele afirma que alguns produtores têm seguro, mas a maioria não tem. “Mas até que não é difícil conseguir seguro, o problema maior é que as pessoas às vezes não pegam a documentação, nota certinho, nota nominal, CPF, é aquela burocracia do seguro”, comenta. A situação do milho está pior, ressalta ele, mas a soja, agora em fase de crescimento, também começou a ser afetada.

Seriam necessários pelo menos 30 milímetros de chuva para estancar as perdas no milho, avalia Laste. Mesmo assim, ele afirma que a média de produção vai ser potencialmente menor que a do ano passado. “O custo da irrigação é alto e muitas vezes na nossa região as áreas são pequenas, e o produtor quer fazer um reservatório, um açude, mas onde ele quer fazer o solo não permite”, conta. 

Outro problema relatado por Laste é que as sementes utilizadas pelo produtor atualmente, com melhoramento genético que encurta os ciclos e aumenta a produtividade, produzem lavouras com mais chance de passar por problemas, pois têm uma janela de fecundação mais curta, às vezes menor que uma semana, enquanto em produções mais antigas essa janela era de até um mês. Segundo o gerente, por isso as sementes modernas se dão bem em cultivos irrigados, mas causam mais risco de perdas quando não há irrigação.

Desâmino e alerta com a sequência de perdas

Produtor de Nova Bréscia estima prejuízo de 80% na colheita de milho neste ano e teme falta de comida para o rebanho leiteiro, com perda nas pastagens, já que está sendo obrigado a usar estoque de silagem guardado para o inverno

Se eu largar não tem como voltar de novo, então eu vou tentar trabalhar mais um ano, tenho duas crianças pequenas, né? Se continuar desse jeito não tem mais o que fazer, estamos tirando do bem-estar da família para colocar num investimento. Henrique Valgui, Produtor de Nova Bréscia | Foto: Mauro Schaefer / CP.

Sol forte, como clima de deserto, sem umidade no ar. É assim que o produtor de Nova Bréscia Henrique Valgui, de 32 anos, descreve a situação no município. Produzindo desde os 18 na propriedade herdada de sua mãe, ele relata que os últimos três anos foram os piores que já enfrentou na atividade. Com cerca de R$ 60 mil investidos em nove hectares de milho, sem contar o que gastou com a implantação de pastagens para o gado de leite, Valgui conta que as perdas no plantio já chegam a 80%. Com a voz embargada e longas pausas, ele expressa a falta de perspectiva. “Eu trabalho nisso né, são anos de melhoramento genético para eu largar agora? Se eu largar não tem como voltar de novo, então eu vou tentar trabalhar mais um ano, tenho duas crianças pequenas, né? Se continuar desse jeito não tem mais o que fazer, estamos tirando do bem-estar da família para colocar num investimento”. Com suas reservas esgotadas, o produtor tem conseguido se abastecer de água em um poço comunitário. 

“Eu esperava produzir pelo menos entre 30 e 40 toneladas por hectare, porque eu tinha feito adubação forte e de qualidade e a seca, como sempre, comeu”, diz. Segundo ele, este ano está sendo pior do que o ano passado, quando a perda foi de 20%. “Esse ano em 30 dias veio muito forte a estiagem, em 40 dias terminou com tudo”, relata. Sem subsídio para a safrinha, o produtor considera que, se chover, replantar o milho vai ser custoso e arriscado. 

“Se chovesse tinha como replantar, dar um jeito ali no comércio, eles sempre dão uma ajuda, a gente paga um pouco por mês. Se o comércio não desse crédito não teria como refazer, não tem condição com dois anos de quebra”, salienta, ao mostrar a plantação de milho, onde as plantas encostam um pouco acima de sua cintura. “Esse milho era para estar da altura de uma pessoa ou mais, não do jeito que está. Não se desenvolveu por falta de água, porque a adubação foi forte”, garante. “Ele estava vindo muito bem, até os 60 dias de plantado, aí começou a faltar água, parou e começou a definhar”, completa. 

Com a pastagem morrendo, as vacas de Valgui também estão em apuros. “Elas não têm mais pastagem, eu estou tratando três vezes por dia para não baixar o leite, porque se elas baixarem o leite é pior ainda. E elas têm que ficar no galpão porque no sol é muito quente”, lamenta. O produtor está tendo que usar a silagem que estava guardada para o inverno. “Elas estão se mantendo, só que vai chegar a hora que não vai ter mais ‘boia’ para dar, porque essa silagem que eu estava programando era para o inverno, e o custo está se tornando alto e eu vou ter que comprar. E aí?”, questiona, após mencionar que a silagem deve durar apenas mais três meses. 

Diante das perdas, Valgui já encaminhou a documentação para o banco, na tentativa de conseguir o seguro rural, mas ainda não teve retorno, por isso fica apreensivo. “No ano passado eu não ganhei nada do seguro, porque faltou uma nota que o comércio não me deu e eu tive que me virar”, lembra. Na opinião do agricultor, é muito difícil recuperar a lavoura de milho, “mas chovendo 50 milímetros, e conseguindo fazer uma adubação, a pastagem se recupera”, considera. Para não perder novamente na próxima safra, Valgui pensa em construir um açude e começar a fazer irrigação nas pastagens. Só para o açude ele estima que o custo seria próximo dos R$ 100 mil. “É um custo alto, mas se tu tem a propriedade tu tem que arrumar um jeito de manter ela”, conclui.

Dificuldade faz produtor pensar em desistir

Casal de agricultores de Nova Bréscia prevê encerrar a safra atual com perdas maiores que as do ano passado, quando o prejuízo na propriedade superou os 50%

Marinês e o marido, Deoclides, estimam perder 60% dos sete hectares de milho - cujas espigas nasceram, mas com grão malformado - e boa parte dos três hectares de uva que produzem para vender na comunidade a outros agricultores que fabricam vinho para o autoconsumo. | Foto: Mauro Schaefer / CP.

Em Nova Bréscia, há mais de 200 produtores em situação difícil por conta da estiagem. Entre eles estão Deoclides e Marinês Biasibetti, com sete hectares plantados com milho e três hectares com uva, fruta vendida no próprio município para famílias que fazem vinho para autoconsumo. Só em adubo para as uvas o investimento foi de R$ 15 mil. O casal ainda não quantificou as perdas, mas afirma que a situação está pior que no ano passado, quando ficaram acima de 50%. “Eu não me lembro de nenhum ano pior que este”, afirma Marinês, há 42 anos casada com Deoclides e morando na propriedade. “Está secando tudo. Primeiro teve geada, depois saiu a geada e começou a seca”, completa o agricultor, estimando que as perdas no milho já chegam a 60%. “Tem milho, mas os grãozinhos são finos que nem um chumbo, eu não vou mais lá no pedaço de milho”, lamenta Marinês.

Para a uva, o casal esperava ter produção de 20 mil quilos. “Mas este ano acho que não chega a 7 mil", afirma Deoclides. Mesmo com a possibilidade de chuva, o casal está desesperançoso. “No milho não resolve, na uva pode ser, mas provavelmente não, porque já dá para tirar os cachos para comer”, diz Marinês. “Chuva agora só vai abaixar a poeira, você cava o terreno e mesmo assim não encontra nada úmido”, completa. Para evitar mais perdas, Deoclides estima que seria preciso 60 milímetros de chuva. Sem nenhuma fonte de água, o casal tem dependido de caminhões-pipa da prefeitura. 

Foto: Mauro Schaefer / CP.

“Se der outra tragédia assim eu vou deixar tudo, porque não adianta trabalhar ali sem ganhar nada, não vale a pena”, lamenta o produtor. “Até ontem de tarde eu fui no potreiro e encontrei duas ovelhas mortas”, descreve. Marinês comenta que há poucas alternativas para aprimorar a produção e evitar maiores perdas na próxima safra. “Temos quatro filhos, o mais velho está no Rio de Janeiro, o segundo está em São Paulo, o terceiro está em Estrela e a mais nova está trabalhando na cidade de Nova Bréscia. Somos só nós dois aqui”, diz. Mas ela afirma que, enquanto puder, o casal vai resistir. “Já foi plantado, abandonar também não podemos. Enquanto temos força, temos que trabalhar. Mas não sei como vamos fazer”, pondera. 

Custo alto e riscos para replantar áreas perdidas

Com 63 anos, Irno João de Manam trabalhou a vida toda em sua propriedade em Nova Bréscia, onde o pai e o avô nasceram. Por 47 anos a família teve produção de frango, que foi encerrada há cerca de três anos, quando começou a falta de chuvas. Hoje, ele e o filho, Gilson João de Manam, têm 9,5 hectares de milho e seis de pastagem, com 58 animais. Das 400 toneladas de milho estimadas inicialmente, Irno avalia que a perda está em 40%, enquanto que no ano passado foi de 60%. Também sem pastagem, o gado está sendo alimentado com silagem. 

Irno e o filho Gilson preocupam-se com a alimentação das vacas leiteiras, já que a colheita de milho na propriedade deve ser 40% menor que o estimado | Foto: Mauro Schaefer / CP.

O investimento este ano foi de R$ 70 mil, com custos altos. “Comprei 70 sacos de adubo e paguei R$ 254, e agora o adubo está 190”, relata. “Pelo que eles estão falando que vai começar a chover no mês que vem, talvez não chegue a ser pior que o ano passado, mas quem é que vai saber se vai chover ou não?”. Com a esperança de chuva, o produtor planeja plantar novamente, na área em que cortou os pés de milho, sem espigas, para silagem. “Mas então precisa adubo, semente, ureia… Tudo de novo. O custo fica em torno de 5 mil reais. Eu vou plantar dois hectares e gastar 10 mil reais, então não é fácil. Tu tem que arriscar para ver se vai dar, se não vamos nos apertar de novo com silagem”, lamenta. “E os animais grandes que eu tinha não têm silagem, e o que vou fazer? Tem que vender, aí então se ganha uma miséria, porque são magros”, acrescenta.

O produtor também não consegue seguro, por plantar para silagem. “Está complicado. Muitas vezes dá vontade de largar tudo”, diz. Ele comenta, também, do preço do leite. “Nós estávamos ganhando até R$ 3,33, agora está a R$ 2,30. A ração baixou um pouquinho, medicamento não baixou nada”. Para tentar minimizar os efeitos da estiagem, Irno cavou um poço que, com todas as instalações necessárias, vai custar em torno de R$ 50 mil.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895