80% dos municípios gaúchos não têm serviços de referência a crianças e adolescentes violentados

80% dos municípios gaúchos não têm serviços de referência a crianças e adolescentes violentados

Índice que contraria a Lei da Escuta Protegida consta em dados divulgados hoje por estudo de comitê estadual

Felipe Faleiro

publicidade

Dados apresentados nesta quinta-feira pelo Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (Ceevsca/RS), vinculado à Secretaria Estadual da Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social (SICDHAS), mostram que 80% dos municípios gaúchos não têm serviços de referência para o atendimento ou acolhimento inicial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. A situação contraria a Lei da Escuta Protegida, sancionada a nível nacional em 2017, e que, entre outros, estabelece os direitos deste público vítima ou testemunha de violência, e a organização dos serviços de proteção.

As informações, divulgadas em uma live onde também houve o debate entre integrantes da rede de enfrentamento, foram fornecidas pelas próprias cidades, que responderam a um formulário online, elaborado por órgãos como o Programa RS Seguro, Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (DEE/SPGG), entre outros.

A psicóloga e membro da Coordenação Estadual do Primeira Infância Melhor (PIM), da Secretaria Estadual da Saúde (SES), Alneura Ana Provenzi, responsável pela apresentação do estudo, observou que, somente 58% dos municípios gaúchos, ou 288 deles, responderam ao questionário. Outras 15% das cidades disseram que o serviço de referência existe, e 5% não souberam responder. Em 72,1% dos casos onde é existente, o órgão está vinculado à respectiva secretaria municipal de Assistência Social ou equivalente.

“Explicamos que não se tratavam das políticas existentes no município, mas sim se estavam de acordo com a Lei da Escuta Protegida”, disse Alneura. No entanto, apesar dos baixos índices, 52,1% do total das cidades que responderam ao levantamento, ou 150 de 288, disseram que a escuta especializada é feita pela rede de proteção municipal, a maioria deles (69,3%) pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), seguido pelo Conselho Tutelar. Esta pergunta permitia mais de uma resposta.

O chamado depoimento especial, também previsto na lei, é realizado em sua maioria pelo Poder Judiciário nos municípios, com 56,9%, depois órgão de Segurança Pública, com 30,9%. Quanto ao fluxo de atendimento às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, 173 cidades do Rio Grande do Sul, ou 60,1% dos respondentes, disseram encaminhar este público com suspeita ou confirmação de gravidez para hospital cadastrado, grande parte para o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV), em Porto Alegre, dito por 37 delas.

O gerente de Advocacy na OSCIP Childhood Brasil, Itamar Batista Gonçalves, afirmou que são baixos os níveis de responsabilização contra aqueles que cometem crimes contra crianças e adolescentes. “Antes da aprovação da lei, foram feitas pesquisas e estudos, e o RS sempre foi pioneiro nesta área. Mas os índices de pessoas responsabilizadas são em torno de 4% a 6%, e esta é uma realidade nacional”, salientou. De acordo com ele, 85% dos crimes desta natureza não deixam vestígios, e “grande parte deles ocorre entre quatro paredes”.

“Até hoje, depois de três décadas de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não podemos afirmar, com certeza, se a violência aumentou ou diminuiu. Não temos sequências históricas, principalmente no âmbito local”, prosseguiu. “Em relação aos municípios, temos que nos desacomodar. Daqui a pouco, nos municípios, chama a Educação, Assistência Social, Saúde, Poder Judiciário, e alguém precisa dar o pontapé inicial, para que possamos pensar, e, por fim, agir”, sugeriu coordenadora estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do RS (CIJ/TJRS), Marleci Venério Hoffmeister.

A live ainda teve a participação das estudantes Jennifer Borges, 16 anos, e Maísa Steffen, 14, do Comitê de Participação de Adolescentes do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do RS (CPA / Cedica/RS), que opinaram sobre a importância da Lei da Escuta Protegida. “Acredito que ela seja muito importante para dar confiança ao jovem e adolescente vítima de violência”, disse Jennifer. “A lei tem total sentido. É uma forma de o jovem ou criança se sentir seguro”, comentou Maísa.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895