Asfalto sobre paralelepípedos em avenida de Porto Alegre gera impasse entre Iphan e prefeitura

Asfalto sobre paralelepípedos em avenida de Porto Alegre gera impasse entre Iphan e prefeitura

Administração tem 30 dias para responder novo ofício de órgão do patrimônio histórico sobre obra sem autorização

Felipe Faleiro

Avenida Padre Tomé, no Centro Histórico, recebeu asfalto em janeiro de 2022

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Em janeiro de 2022, a prefeitura de Porto Alegre procedeu com o asfaltamento por cima do pavimento original, feito em paralelepípedos, da avenida Padre Tomé, no Centro Histórico, dentro do programa Centro +, sem a autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A obra em questão viola dois dispositivos legais: o primeiro é um decreto-lei de 1937 do órgão, proibindo construções que comprometam a visibilidade da área de um local tombado pelo patrimônio federal, no caso, a Igreja Nossa Senhora das Dores, localizada no final da via.

O segundo é uma portaria publicada pelo Iphan no Diário Oficial da União (DOU) do dia 7 de dezembro de 2016, que trata da delimitação da área tombada no Centro Histórico de Porto Alegre, e o que pode ou não ser feito na área. “Não será permitida a remoção das pavimentações tradicionais nos espaços públicos vinculados aos bens tombados, exceto em casos de conservação e restauro, quando poderão ter peças substituídas por outras com as mesmas características das existentes”, afirma o parágrafo 1º do artigo 12. O que, claramente, não foi o caso da obra executada.

No último mês de novembro, o Iphan encaminhou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) contra a prefeitura, pedindo a remoção do material, bem como a “reparação dos danos”, sob pena de pagamento de multa de R$ 116,5 mil em caso de descumprimento, e não eximindo a responsabilidade de reverter os trabalhos executados. Foi a segunda minuta, já que a primeira, enviada cinco meses antes, e contestada pela Procuradoria-Geral do Município (PGM), era mais dura: previa multa de R$ 126,7 mil e a remoção do asfalto em todo o trecho do Centro Histórico cujos paralelepípedos foram cobertos.

A Administração, por sua vez, se defende, e, no processo público disponível no site do Iphan, argumenta que “fez apenas reparos na parte em que já havia pavimentação degradada e com remendos em asfalto”. Também alega que não asfaltou toda a via em si, e que tampouco fez intervenções em frente a Igreja das Dores, entre a rua dos Andradas e a avenida Sete de Setembro. No movimento mais recente, datado da última terça-feira, o Iphan concedeu mais 30 dias de prazo para resposta ao TAC. 

O secretário Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), Marcos Felipi Garcia, em sua justificativa ao pedido, afirmou que o assunto estava tomando “proporções externas”, e as medidas propostas pelo Iphan repercutiam na organização municipal do trânsito local. “A Padre Tomé não é tombada, mas está no entorno do bem tombado. Havia problemas na estrutura naquele pavimento no entorno da Sete de Setembro. No nosso entendimento, foi um serviço de rotina da prefeitura. Houve recuperação, sinalização, e esta justificativa é o que vamos tratar nesta resposta”, afirma Garcia.

“A questão é que a obra aconteceu, e isso não há como voltar atrás. Agora, estamos achando a melhor forma de recuperar aquela área. No entendimento dos técnicos do Iphan, a melhor saída é mesmo a retirada do asfalto e recuperação das características originais”, afirma o superintendente do Iphan no RS, Leonardo Maricato de Mello. Em nota técnica de outubro de 2022, ou seja, antes da emissão do TAC, a coordenação técnica do Iphan afirmou que sabia das intervenções “em caráter emergencial”, e que poderiam ser revertidas. 

No entanto, o órgão demonstrou surpresa com o asfalto nas vias do Centro Histórico no entorno dos bens tombados, “ainda mais sem promover a devida prévia consulta à autarquia”. A área afetada soma 1.840 metros quadrados, e, na mesma nota técnica, o Iphan estimava os custos para a recuperação dos pavimentos tradicionais, com base de cálculo de abril de 2022, em R$ 97.156,60. Apesar do impasse, Mello afirma que sempre houve bom diálogo entre o Iphan e a Administração da Capital.

“Acredito que, se não houvesse boa vontade da prefeitura em resolver, eles não teriam pedido mais 30 dias para arredondar a documentação. Sei bem as dificuldades dela e respeito muito. Dentro da lei, são construídas soluções em conjunto. E estamos sempre abertos ao diálogo”, diz Mello, que foi, entre outros, secretário-adjunto de Cultura na gestão Marchezan. “No nosso entendimento, foi bom para a cidade esta obra. Não estamos tomando uma decisão apenas pensando na secretaria, mas no município como um todo”, comenta o titular da SMSUrb.


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