Associação de Cegos do RS reclama de falta de acessibilidade do novo Quadrilátero Central

Associação de Cegos do RS reclama de falta de acessibilidade do novo Quadrilátero Central

Entidade afirma não ter sido ouvida tanto na concepção do projeto, quanto agora, enquanto secretário de Obras de Porto Alegre nega

Felipe Faleiro

Entre as demandas que preocupam associação, está o piso podotátil em apenas um lado de vias como a Vigário José Inácio

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Enquanto avançam as obras do Quadrilátero Central, no Centro Histórico de Porto Alegre, a forma como o resultado vem se desenhando, até o momento, preocupa a Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs), cuja sede está localizada em um edifício bem em frente a uma das atuais frentes de trabalho, na rua Vigário José Inácio. A associação, fundada há 56 anos e que realiza mais de 300 atendimentos por mês, alega não ter sido ouvida tanto no escopo do projeto, como agora, durante a revitalização da rua.

“Em nenhum momento a associação ou qualquer entidade representativa da pessoa com deficiência visual foi chamada para construir junto (o projeto), para trazer as problemáticas que agora estão visíveis”, relata a assistente social da Acergs, Pâmela Garcia, que acrescenta: “Ficamos abismados, porque não é possível a Prefeitura de Porto Alegre fazer uma obra assim e não pensar nestas coisas”. Também colaboradora da Acergs, Nicolli Cernicchiaro da Rocha reforça o coro. “Não há nenhum setor que consiga adaptar para que todas as deficiências sejam abordadas? Esperamos que as coisas melhorem e que tudo seja abordado do jeito certo, mas eu acho muito difícil”, comenta.

Há várias reclamações, sendo a principal delas a falta do piso podotátil nos dois lados da via. Atualmente, ele está sendo instalado apenas na direita de quem sobe a via, o que inviabiliza a marcação sensorial do deficiente visual que trafega no outro lado. Além disto, os buracos causados pelas obras, trazem a possibilidade de quedas, como já ocorreu inclusive com Pâmela, que não tem deficiência, e as fitas demarcadoras podem enroscar nos acessórios usados pelas pessoas atendidas pela Acergs para sentir o terreno à frente. “Às vezes elas atrapalham mais do que acabam ajudando”, reclama Fiama dos Santos, 30, que é cega de nascença.

“Sabemos que, para haver as melhorias, precisam acontecer as obras. No entanto, a gente já sai de casa temendo se machucar. E as fitas só serviram mesmo para enrolar nossas bengalas. Eu, particularmente, até hoje não encontrei nenhum piso”, relata Alessandro Santos de Jesus, 35 anos, que tem deficiência total e é atendido pela Acergs há cinco anos. Ele mora em Gravataí, e conta que, ao descer do ônibus na região do Camelódromo, procura ir sempre pelo mesmo caminho ao qual está acostumado.

A questão foi levada ao prefeito Sebastião Melo na abertura da 26ª Semana Municipal da Pessoa com Deficiência, semana passada. “Ele se mostrou aberto ao diálogo, e disse que levaria a questão ao secretário Flores. No entanto, até agora não tivemos nenhum retorno. Achamos que eles estão pensando em apenas um segmento da sociedade, que são os cadeirantes. Mas o escopo das pessoas com deficiência é bem maior”, comenta Pâmela.

O que diz a Prefeitura

O secretário Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi), André Flores, nega que não tenha havido diálogo com as entidades. Segundo ele, o projeto do Quadrilátero, em que pese ter sido elaborado pela gestão anterior, passou por diversas comissões de pastas da Administração até ser aprovado, assim como foram respeitadas as normas técnicas que regem a acessibilidade em construções, como as NBRs 9050 e 16537. “Não há dúvidas de que estas obras trazem inconvenientes e transtornos provisórios, mas estamos melhorando a caminhabilidade geral do Centro”, argumenta ele.

De acordo com Flores, estão sendo instalados dois quilômetros de pisos podotáteis na área central, afora outros locais, inclusive em lugares onde antes não havia, como os trechos 1 e 3 da orla do Guaíba. “Me dizem os técnicos que a norma é pelo piso em um dos lados (da via). Quando foi orçado, o projeto também previa isto”, afirma. O secretário ainda comenta que os principais obstáculos à boa circulação de pedestres nas calçadas, como postes, estão sendo realocados, e os ambulantes removidos. 

Quanto às fitas demarcadoras, ele reconhece que elas podem gerar problemas, mas argumenta que as outras opções limitadoras possíveis trazem transtornos similares. Para o secretário, o cerquite também faz enroscar as bengalas, e os tapumes poderiam reduzir ainda mais o espaço. As fitas, ao menos, podem ser movimentadas temporariamente pelas pessoas para gerar mais espaço de circulação. Sobre as dúvidas das pessoas com deficiência a respeito de onde termina a calçada e começa a rua, ele argumenta que esta separação será dada por itens como calhas de drenagem e balizadores.

“Ainda que não haja diferença de altura na pista, a própria pessoa cega vai sentir esta diferença”, comenta. Por fim, ele reconhece que poderia haver mais acessibilidade, mas defende que todos os órgãos representativos foram consultados. “Entendemos e achamos justos estes pleitos. Pessoas com deficiência e idosos ficam às vezes completamente vulneráveis. Implantamos correções pontuais onde é possível e estamos abertos ao diálogo. Para instalar piso podotátil no outro lado da calçada, teríamos de relicitar o projeto e ainda indenizar a empresa que está trabalhando agora. Não acredito que seja viável”, relata Flores.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895