Caraá chora mortes pelo ciclone extratropical no RS e busca reconstrução através da união

Caraá chora mortes pelo ciclone extratropical no RS e busca reconstrução através da união

Cidade foi uma das mais atingidas pelo fenômeno que vitimou, até aqui, 14 pessoas no Estado

Felipe Faleiro

publicidade

A cidade de Caraá chora desde o último final de semana diante da tragédia da perda de quatro moradores em razão da passagem do ciclone extratropical: o casal Altamiro Carlos Lopes, 75 anos e Nadir da Silva Lopes, 73, a neta deles, Leandra da Silva Lopes, 14, que estavam na mesma residência e cujos corpos foram encontrados na sexta-feira, além de Airton Pinto Pereira, o Ito, 73, localizado na tarde desta segunda-feira. Já José Caleffi, o Zequinha, seguia desaparecido no começo da tarde de segunda. Ele tratava um câncer e estava acamado.

Nesta manhã, helicópteros passavam zunindo pelo céu a todo momento, e, no solo, o cenário era ainda caótico, com lama e poeira por toda parte. Havia, no entanto, lampejos de esperança, já que, pelo menos, duas pessoas foram resgatadas com vida. "Eu falo e choro. Vemos aqui chegando muitas coisas, alimentos, roupas. Não esperávamos uma tragédia desta proporção, mas estamos comovidos com a união do povo", conta sem esconder as lágrimas o capataz do CTG, Edilson Muniz dos Santos, o Dico.

O trabalho para Dico serve de alento, após ele ser praticamente uma testemunha ocular dos acontecimentos envolvendo Altamiro, Nadir e Leandra, que estavam na residência do casal, entre as localidades de Passo do Marco e Prainha João Fernandes, a cerca de três quilômetros do Centro, quando tudo aconteceu. "Foi tudo muito rápido. Não deu chance para eles saírem da casa e irem para o vizinho, que fica a dez metros de distância e é uma casa de alvenaria", comenta ele.

Altamiro, segundo o vizinho próximo, teria tirado o veículo do casal, um Prisma vermelho, de sua garagem, e estacionado na casa ao lado. Em seguida, voltou para sua residência para buscar alguns itens. "Quando eles reuniram algumas coisas para voltar de novo, não deu tempo de sair, a água já tinha tomado conta. Então, eles se trancaram em casa e fecharam todas as portas, mas ela foi subindo. Não teve como sair", diz Dico. "Eu estava em casa, que é mais alta, assistindo tudo. Enxergo a casa deles dali. Via as luzes das velas pelas janelas".

Em seguida, Dico contou ter ouvido estalos, e viu a casa sendo arrastada para baixo. Era por volta de 23h30min da última quinta-feira. "Depois, ouvi alguns gritos, mas era muito forte o barulho do rio, não tinha como fazer nada", relatou. Quando a chuva reduziu, cerca de três horas depois, Dico conta que foi até a casa de Altamiro e ouviu gritos, porém o excesso de água impedia o resgate. Foi então que o menino se dirigiu à churrasqueira que fica no lado externo da casa, o que salvou sua vida. "Ele ficou quietinho ali, e os escombros caindo por cima dele".

A mãe das crianças e filha do casal chegou depois, e ficou em estado de choque. Os corpos, junto com o que restou da casa, foram encontrados no meio do campo, próximo de onde ela se localizava. "Era 5h30, 6h, quando acalmei eles e coloquei na cama, no mesmo quarto. Mas ninguém conseguiu dormir. Tenho duas meninas e ele até brincou com elas, mas não conseguia comer. A mãe ficou em estado de choque", relata o vizinho. O velório e sepultamento da família ocorreu na segunda.

Ito era proprietário de um camping e foi arrastado pela correnteza. O corpo dele foi encontrado em uma área conhecida como Lagoa do Miguelão, no rio dos Sinos, três quilômetros abaixo de sua casa. Ele era de Alvorada, foi para Caraá e, de lá, para os Estados Unidos, mas retornou a Caraá, onde adquiriu um lote de terras. "Estava muito feliz pelo que estava construindo ali. No final do ano, fizemos uma festa nossa e era um ambiente bastante acolhedor".

O outro desaparecido era José Caleffi, popular Zequinha, que morava junto a uma serraria antiga da qual era proprietário em Linha Padre Vieira, dez quilômetros distante do Centro. O agricultor Agostinho Pisoni, que vive no Centro de Caraá, conta que ele é primo-irmão de seu pai. “Sei que ele era bastante cuidado. Os filhos conseguiram se salvar”. Ele não tinha esposa, já falecida. Na mesma propriedade, mas em outro local, estavam dois filhos dele menores de idade, que, inicialmente, constavam como desaparecidos pela contagem da Prefeitura de Caraá, e que teriam visto o homem ser arrastado pelas águas.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895