Casal e duas crianças de Porto Alegre relatam viver na degradação após ciclone de junho

Casal e duas crianças de Porto Alegre relatam viver na degradação após ciclone de junho

Casa simples onde vivem destelhou, e foi preciso improvisar telhas soltas no teto e cobertores como paredes

Felipe Faleiro

Paulo, Thamires e as filhas vivem em residência simples de um cômodo, construída por ele

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O casal Thamires da Cruz dos Santos, 24 anos, e Paulo Ricardo Lopes dos Santos, 21, mais as duas filhas, Maria Clara, 2, e Maria Antonella, vive um verdadeiro drama na Vila Areia, zona Norte de Porto Alegre. Desde o ciclone extratropical de junho, a família, que já vivia uma situação precária, passou a conviver com a degradação. Para chegar à residência simples de um cômodo, é preciso passar pelo lixo úmido em meio à água contaminada e barrenta. O cheiro forte é um incômodo a mais.

Sustentado pela fé, segundo Thamires, o casal improvisou cobertores recebidos de doações nas paredes do espaço, além de telhas soltas e plástico como teto. A chuvarada de um mês atrás fez com que eles perdessem documentos, aparelho de TV, roupas e enxovais. Parte destes itens segue espalhado no matagal junto a um valão próximo. A mãe das crianças diz ter sido diagnosticada com depressão há nove anos e faz uso de medicamentos controlados, mas não os recebe de maneira regular. 

"Há quatro noites não durmo direito. Meu pai faleceu quando eu tinha 15 anos. Ele tinha 36 anos, e foi de infarto. Na época, eu desabei. Também tenho sequelas até hoje, e estamos ficando sobrecarregados", conta Thamires, que faz acompanhamento com psicólogo e cardiologista. Ela vende doces feitos em casa, e Paulo não trabalha há um ano. Sua última experiência foi como auxiliar de depósito em um supermercado próximo. A família sobrevive com R$ 800 recebidos do Bolsa Família, porém não é suficiente.

“Faz dez anos que luto na Justiça pra ganhar o risperidona, porque preciso tomar. No primeiro ciclone, saí nadando daqui. No segundo, nesse mês, destelhou e abriu um buraco no telhado. Pingava água em cima das meninas”, conta ela, enquanto a menor se agitava em um carrinho de bebê, enquanto a maior se agitava em um colchão instalado no chão barrento. "A gente tem que juntar material na rua, latinhas, papelão, para comprar o leite para elas. Ganhamos muito pouco. Aqui em casa circulam escorpiões, aranhas e ratos", afirma Thamires, acrescentando ainda que quer voltar a estudar para ser advogada. "Se a gente não trabalhar e não estudar, não vai ser ninguém".

A Prefeitura teria oferecido à família o recurso do aluguel social, para que o casal e as meninas se mudassem do local, mas eles recusaram. Conforme Thamires, o motivo foi o curto prazo do auxílio. "Me ofereceram seis meses, só que não tenho condições de pagar depois. Teria de ser um tempo maior. Prefiro mil vezes não pagar aluguel. Não tenho renda, a não ser do governo. Demorei meio ano para ser aprovada, e tem gente que não precisa, mas recebe. Não precisamos de cobertores, mas alimentos, itens de higiene e fralda. Quero também conseguir um emprego, para dar o melhor para minhas filhas. Não é futuro sair com elas no frio para ganhar um litro de leite. Se não fosse Deus, não sei se estaria mais aqui", afirma ela.

Procurado para comentar a situação, o Departamento Municipal de Habitação (Demhab) disse que não foi localizado processo habitacional algum envolvendo o nome ou CPF dela junto ao órgão. Thamires, porém, ressaltou que teria sido feito no nome de sua mãe, Maria Solange da Cruz. Ainda segundo o Demhab, a orientação, neste caso, é que a família procure a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) para obter apoio, e, em seguida, realizar o cadastramento habitacional, que será reaberto pelo Demhab no próximo dia 31. No momento, o órgão municipal está promovendo mutirões de atualização dos cadastros na Capital para quem já os tem. Por ora, interessados podem auxiliar com doações nas chaves Pix (51) 999194892 e tsantos5830@gmail.com.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895