Com enchente, moradores das ilhas bebem água da chuva e constroem barracas à beira de rodovia

Com enchente, moradores das ilhas bebem água da chuva e constroem barracas à beira de rodovia

Quarta-feira é de caos para habitantes das localidades de Porto Alegre mais afetadas pelas inundações

Felipe Faleiro

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Moradores das ilhas de Porto Alegre vivem nesta quarta-feira um dia triste, com as águas do Guaíba e do Jacuí batendo recordes históricos e obrigando pessoas a saírem de suas casas. Muitos perderam tudo, com a água invadindo pátios e residências de uma forma que ainda não havia sido vista até então nesta cheia. Automóveis ficaram embaixo d’água. Pessoas circulavam de barcos ou pedaços de isopor. Na Ilha das Flores, os habitantes saíram com água na altura do tórax, e alguns montaram barracas improvisadas nos barrancos ao lado da BR 290, sem data para desmontá-las e sem perspectiva de retorno. 

Na metade da manhã, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) bloqueou o acesso terrestre para o Arquipélago, causando congestionamentos na saída. O Exército foi acionado para o auxílio. O abrigo montado pela Administração na Escola Estadual Alvarenga Peixoto, na Ilha Grande dos Marinheiros, inundou. No local, conforme a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), havia 50 pessoas, e ainda mais 39 na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, na Ilha da Pintada.

A régua manual da ilha havia alcançado a marca de 2,92 metros, superando muito a cota de inundação, de 2,20 metros. Na entrada dos Marinheiros, onde a água ainda não havia alcançado, a dona de casa Estela dos Santos Cavalheiro estava preocupada, buscando notícias da cunhada, identificada apenas como Catarina, que tem nove filhos, porém eles teriam saído antes. “Falei com ela mais cedo e estava tudo bem. Acredito que está vindo”, comentou Estela. A Defesa Civil circulava pela área a todo momento.

Nas Flores, o autônomo Ivan Couto disse que, quando havia acordado na manhã de hoje, a água estava na altura da panturrilha, e horas mais tarde, havia subido ao nível do abdômen. “Molhou tudo, sofá, colchão, móveis. A televisão ficou muito perto de molhar. Já tinha pouco, e agora não tenho nada”, relatou ele, com os olhos marejados, acrescentando que sua casa foi construída mais baixa do que as demais, e, por isso, metade dela já estava submersa. Couto ainda contou que, no dia anterior, havia recebido pão, leite e carne para alimentação.

O pintor Admar de Oliveira Fontoura disse que ele e vizinhos estavam morando em uma destas barracas com lonas no barranco. Havia um fogão a lenha e alguns pacotes de alimentos no local. “Hoje, recolhemos água da chuva e tomamos. Pra tomar banho tem de ser na enchente, quando dá”, contou. O pedreiro Daniel Justimiano da Silva estava construindo uma destas estruturas, com espaço temporário para seis pessoas, de acordo com ele. Ele vive nas Flores com a esposa e duas enteadas, de 16 e 14 anos. “É o que podemos fazer para passar a noite, e mais alguns dias. Ganho estas madeiras como restos de obras, e agora acabaram sendo úteis”, comentou Fontoura.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895