Como a queda no monitoramento federal afetou o controle das cheias em Porto Alegre

Como a queda no monitoramento federal afetou o controle das cheias em Porto Alegre

Última medição da ANA foi na manhã de 27 de setembro, antes de enchente histórica na Capital

Felipe Faleiro

Aplicação mobile Hidroweb informa falhas no acesso desde o final de setembro

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No último dia 27 de setembro, as câmeras de monitoramento do Centro Integrado de Comando da Cidade de Porto Alegre (Ceic) mostravam a água do Guaíba invadindo todos os trechos da orla, causando preocupação nas autoridades e na população em geral diante de uma enchente histórica, em que o nível do curso d´água chegou a 3,18 metros, o maior desde 1941. 

Site da ANA sai do ar

Às 7h15min daquela data, o sistema de monitoramento da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) funcionou pela última vez, afetando tanto o aplicativo para smartphones Hidroweb quanto o site do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH).

Ambas as ferramentas são utilizadas para acompanhar a alta e baixa dos rios em todo o país. Conforme o órgão federal, a causa da instabilidade foi um ataque cibernético, a partir do qual a ANA retirou do ar estes sistemas, buscando interrompê-lo. 

RS adota monitoramento alternativo 

Coincidências e infortúnios à parte, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), que mantém, por exemplo, a régua do Cais Mauá, no Centro Histórico de Porto Alegre, precisou recorrer aos dados do Geostationary Operational Environmental Satellite (GOES).

O satélite, mantido pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, abastece também a Sala de Situação da Sema, referência de monitoramento do nível dos rios e chuva em mais de 200 pontos. Procurada, a secretaria encaminhou nota divulgada no dia 28, em que informou que, de maneira temporária, os relatórios estavam sendo abastecidos de maneira manual. De qualquer maneira, a Sema criou também um site onde os níveis do Guaíba seguem sendo publicados desde então.

Medições manuais no Cais Mauá

A Defesa Civil Municipal de Porto Alegre informou que, na semana mais crítica do evento, de maneira inédita, agentes foram revezados na sede da Sala de Situação, o que permitiu aos mesmos saberem dos níveis do Guaíba mesmo antes da publicação no site da Sema. “Além das câmeras, visualizando a orla, permanecemos monitorando visualmente os pontos que normalmente alagam”, disse o coordenador do órgão, coronel Evaldo Rodrigues de Oliveira Júnior. Nas ilhas, onde o estado não monitora, as medições foram feitas diretamente na régua manual da Ilha da Pintada.

Atualmente, quem acessa a aplicação mobile da ANA não encontra dado algum, apenas o aviso de que o sistema passa por uma “indisponibilidade temporária”, e de que a área tecnológica “já está atuando para normalizar a situação de acesso”. Já quem tem salva a régua do Cais Mauá pode visualizar os dados do começo de 27 de setembro, em que o nível do Guaíba estava em 2,71 metros. Ou seja, para o monitoramento da Agência Nacional de Águas, a maior cheia deste curso ainda não aconteceu.

Especialistas: "Backup é fundamental"

Outro monitoramento possível é o da plataforma SACE, do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM), que não monitora o Guaíba, porém, no estado, os rios Caí, Uruguai e Taquari. Ele foi especialmente útil no contexto das enchentes históricas no Vale do Taquari, no começo de setembro, que mataram 51 pessoas até o momento. Porém, mesmo esta enfrentou problemas na ocasião, já que os monitoramentos deixaram de acontecer em estações como nos municípios de Muçum, Estrela e Encantado, afetando o trabalho da Defesa Civil, que historicamente usa as réguas como parâmetros de inundação.

Em diversos destes locais, a medição foi também realizada de forma manual. Para Fernando Dornelles, doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da mesma universidade, a queda nos sistemas da ANA, os principais utilizados pela instituição, frustra pesquisas acadêmicas relacionadas aos níveis dos rios. “Temos que aguardar o retorno. Sorte que ainda não houve prejuízos, em razão de estarmos em férias”, observou ele.

No entanto, Dornelles critica a falta de contingências. “Acredito ser fundamental haver backup do sistema de fornecimento de informações, mesmo que seja algo menos elaborado, mas que permita aos órgãos de atuação em emergências de desastres de origem hídrica acessá-las”, disse o professor, acrescentando que o serviço hidrometeorológico é “essencial para muitas atividades, desde monitoramento de desastes, quanto geração de energia elétrica, abastecimento, irrigação e outros setores importantíssimos”. “O sistema deve ser robusto e confiável”.

Conforme ele, o SACE não contempla o Guaíba pela “dificuldade em de realizar previsões para ele”. “Depende de muitas variáveis, chuva e níveis em diversas bacias, tempos de propagação da onda de cheias e mais o vento ali”, comenta. Dornelles diz ainda não acreditar que tragédias como a do Vale do Taquari pudessem ser evitadas caso houvesse o sistema, em razão da dependência de um sistema de previsão de cheias. “A previsão do SACE é de curtíssimo prazo, poucas horas a frente, baseada apenas no dado local”. 

Chuva intensa deve voltar ao RS

Mesmo assim, segundo a MetSul Meteorologia, estão previstas chuvas intensas para o Norte gaúcho neste sábado, o que pode afetar o Guaíba, já que pode haver precipitações intensas em áreas como as nascentes dos rios Jacuí, Taquari/Antas e Caí, que desembocam em Porto Alegre. Na última quinta, a ANA divulgou que, desde o dia 27, data de detecção do ataque, estava analisando os sistemas, “para que a instituição tenha o máximo de segurança para restabelecê-los”, informou o órgão. 

No dia anterior, retornaram ao ar o Monitor de Secas e o Ficha de Campo, e mais alguns na quinta, mas não o Hidroweb e o portal do SNIRH. A ANA ainda informou que “seguirá retomando gradualmente seus sistemas a partir de um ambiente seguro, sendo que serão priorizados sistemas transversais, como é o caso do sistema Hidro, que é utilizado para o monitoramento de rios e chuvas”, e que a retomada destes “acontecerá gradativamente nas próximas semanas, considerando a 


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