Efeitos da estiagem começam a se espalhar pelo Rio Grande do Sul

Efeitos da estiagem começam a se espalhar pelo Rio Grande do Sul

Associação dos Municípios da Zona Sul fará uma reunião na próxima semana para tratar dos efeitos da falta de chuvas nos últimos meses

Angélica Barcellos e Fernanda Bâssoa

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A zona sul do Rio Grande do Sul também já começou a sentir os efeitos da falta de chuvas dos últimos meses. Na próxima semana, a Associação dos Municípios da Zona Sul (Azonasul) fará uma reunião para tratar dos efeitos da estiagem, com secretários de agricultura dos municípios, Emater e Defesa Civil para avaliar as perdas.

Centenas de famílias já precisam de auxílio das prefeituras para conseguir água para beber e para os animais. “Acredito que a maioria dos municípios deve decretar situação de emergência nos próximos dias”, destaca o presidente da entidade que engloba 22 cidades da região e prefeito do Cerrito, Douglas Silveira. No município , já está com 80% de perda da safra, soja em torno de 25%, há perdas também significativas no gado de leite e de corte. “Estes números não são muito diferentes da região”, pondera.

Em Pelotas, a maior cidade da zona sul, a barragem Santa Bárbara, que abastece 60% da cidade, começou a recuar pela escassez de chuvas. Em dezembro de 2021 choveu 73 milímetros, enquanto que no mês passado foram seis milímetros de chuva, sendo que a média é de 85 milímetros no último mês do ano, considerando o pluviômetro da barragem. Normalmente o Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (SANEP) auxilia 300 famílias por meio de um caminhão pipa. A estiagem fez com que outras 60 buscassem o serviço. Segundo a autarquia, a cada dia, entre três e quatro famílias solicitam o serviço. Os caminhões acabam sendo essenciais para que residências, unidades de saúde, comunidades quilombolas e população em geral da zona rural se mantenha abastecida.

Foto: Rudimar Machado / Divulgação

A Prefeitura está preparando um decreto para os próximos dias de restrição ao uso de água. O documento deve conter a proibição de atividades consideradas dispensáveis no momento de crise hídrica. Atualmente a barragem está 1,55 metro abaixo do vertedouro.

Um dos casos críticos da região é Canguçu. Nos últimos dois meses choveu em torno de 110 milímetros, a metade do que é considerado ideal para o município. Conforme dados da Emater, foram registradas perdas significativas na safra do feijão, que seria colhido nesta época do ano. Em relação ao milho, aquele que foi plantado precocemente, entre o fim de outubro e início de novembro está praticamente todo perdido. É necessário chuva para a próxima época de plantação de milho que se encerra no próximo dia 20. Na mesma situação vivem os agricultores que cultivam soja. O tabaco, principal cultura do município, deverá ter perdas significativas, pois ele ficou pronto para retirar cedo, pois amarelou as folhas devido a quantidade de sol e de calor e com isto reduziu o peso. O relatório com os dados consolidados de perdas deve ser entregue pela Emater para a Prefeitura nesta sexta-feira.

“Após recebermos os dados estamos estudando decretar situação de emergência”, disse o vice-prefeito e coordenador da defesa civil municipal, Cledemir Gonçalves (Professor Fininho). Muitas pessoas sofrem com a falta de água pra consumo humano e dos animais, principalmente no interior que abriga 63% da população. A prefeitura realiza a entrega entre 500 e mil litros diariamente para 150 famílias, que vivem nos cinco distritos do município. “São estabelecidos roteiros para que ninguém fique totalmente desabastecido. Estamos fazendo essa entrega desde setembro. Já foram 500 mil litros entregues e não temos previsão de parar. Os números só aumentam diariamente”, lamenta.

A Prefeitura também está entregando caixa d’ água para aqueles que possuem CAd Único ou parecer da Secretaria da Assistência Social. “No início da próxima semana serão entregues em torno de 30 caixas d’ água e iremos comprar mais algumas para necessidades já diagnosticadas”, informa.  A Prefeitura também abre bebedouros e cacimbas no interior. Os interessados devem entrar em contato com a secretaria de agricultura, pecuária e cooperativismo pelo telefone (53) 32529515, das 8h30min às 11h30min e das 13h às 16h.

 

Herval foi o município da região que decretou situação de emergência ainda em dezembro. Entre todas as culturas cultivadas no município estima-se um prejuízo de R$ 80 milhões. No caso somente da soja as perdas são de R$ 50 milhões, sendo R$ 24 milhões daqueles que não conseguiram plantar por causa da seca. O produtor, Vitor Poersch calcula os prejuízos na plantação de soja. Ele acredita que terá em torno de 35% de perda nos quatro mil hectares. Poersch também planta milho e trigo que não foram afetados. “Aqui não falta água para consumo, mas ao mesmo tempo vemos os riachos secos. Meu pai e meu irmão que trabalham com a pecuária também estão tendo prejuízos. Vemos os campos torrados, o que prejudica a alimentação do gado que emagrece e perde o valor de mercado”, lamenta.

Nesta semana, o município recebeu um caminhão pipa, após a secretaria de agropecuária realizar um contrato de aluguel para que possa abastecer as 50 famílias que já sinalizaram desabastecimento. As entregas começaram pela vila Basílio. Nos últimos 60 dias choveu em torno de 35 milímetros. O ideal, conforme a Defesa Civil, é de 80 milímetros no mesmo período.

Em Rio Grande a situação não é diferente. Na semana que vem uma reunião irá ocorrer para a realização de um decreto de situação de emergência. Muitas famílias já solicitaram água para a defesa civil. Um dos casos é da agricultora Valéria Nunes, 29 anos. Ela mora na Ilha do Leonídio, em Rio Grande, com o marido e o filho de 4 anos. Ao lado da casa dos sogros. Eles plantam na propriedade de aproximadamente seis hectares de cebola, brócolis, couve-flor e abóbora.

“Temos uma cisterna, mas como não chove não tem como juntar água”, lamenta. Ela conta que é o segundo verão seguido que a família sofre com a falta de água até mesmo para consumo. “Já solicitei três vezes à Defesa Civil. Quando vem o caminhão do exército trazem 12 mil litros de água, quando é o deles são seis mil. Eles vem a cada dez dias”, explica.

Ela que reza pelas chuvas relata que no inverno é mais tranquilo, quando chove com mais frequência e conseguem juntar água. “Eles trazem água para uso de casa, para beber mesmo. Para agricultura temos açude que tá bem baixo. O negócio é rezar pela chuva para melhorar a situação o quanto antes”, finaliza.

Pouco volume de chuvas nesta época do ano tem afetado o abastecimento de água em várias regiões

Em Canoas, o nível do Rio dos Sinos, segundo dados da Estação Pluviométrica no Paquetá, está baixo em relação ao ano passado. Em 2021, o rio se encontrava com 0,57m e, neste ano, marca 0,47m, com 0,10m a menos. “A Corsan informou que esses números não significam um alerta e nem uma preocupação. Estamos monitorando constantemente o nível do Rio do Sinos. Caso seja necessário, comunicaremos a população canoense”, explica Daniel Sousa, diretor da Defesa Civil.

Entre os motivos desta baixa, além da estiagem, estão o calor e o consumo de água. As previsões fornecidas pela MetSul são que, em janeiro, a expectativa é de mais chuva em relação a dezembro na Metade Norte do RS, o que pode melhorar o nível dos rios, já que as nascentes estão nesta região. 

Em São Leopoldo, ainda em 2023, ao menos três novos reservatórios devem ser construídos na Zona Norte da cidade, ampliando a capacidade de reservação de água tratada na região, atendendo, em especial, as demandas das comunidades do Parque Campestre, Parque Mauá, Jardim Luciana, Vila Baum e Boa Vista. De acordo com a Prefeitura, as melhorias realizadas nos últimos anos permitem a captação de água no Rio dos Sinos, mesmo com o nível do Rio abaixo de 1 m, devido a disponibilidade de seis moto-bombas que operam em sistema anfíbio, ou seja, dentro e fora d’água.

Foto: Tales Ferreira / São Leopoldo

No caso da captação do Semae, as bombas operam submersas. Nesta quinta-feira (5/01), o nível do rio na captação registrou 1,60 m. Neste momento, a operação da Estação de Tratamento de Água Imperatriz Leopoldina (ETA-2) segue normalmente, captando e tratando mil litros de água por segundo, mesmo com a estiagem. 

De acordo com o diretor-geral, Geison Freitas, mesmo com todo o investimento em obras estruturantes, o comportamento da população em relação ao uso racional de água é essencial para períodos de estiagem, como o que está ocorrendo agora.

“Nós temos capacidade de captar água do rio, mesmo que o nível esteja abaixo de 1 m no nosso ponto de captação. Fizemos melhorias na ETA-2 e vamos ampliar a capacidade de reservação de água no município. Junto com os nossos esforços, a população precisa estar consciente de que o uso racional é fundamental neste momento. Ao lavar o carro com mangueira por 30 minutos, por exemplo, se consome a mesma quantidade de água que uma família de três pessoas consome em um dia. É preciso que haja conscientização de todos”. 

Em Viamão, segundo a Prefeitura, a Corsan está construindo uma nova estação de captação e tratamento em Itapuã, que vai resolver de forma definitiva o problema do desabastecimento de água causado pela estiagem. Entretanto, ela só deve entrar em operação em 2025. Em relação às questões do consumo pelo agronegócio, a Administração está em constante contato com os técnicos da Emater para monitorar. A Prefeitura de Cachoeirinha está avaliando a publicação de um decreto para o uso racional da água. 

Em Gravataí, agentes da Guarda Municipal monitoram captações irregulares no Rio Gravataí e fiscalizam o uso excessivo da água. O chamado período de estresse hídrico (de novembro a março) requer atenção dos moradores quanto ao consumo consciente do recurso hídrico. Nesses meses, a Prefeitura deve intensificar as campanhas em prol do uso adequado da água, tanto da comunidade quanto da iniciativa privada e pública.

Segundo o decreto publicado em dezembro pelo prefeito Luiz Zaffalon, no intuito de combater o desperdício de água, são consideradas infrações: manter instalações hidráulicas, da rede pública ou particular, com vazamentos, tais como manter torneiras, canos, conexões, válvulas, caixas d'água, reservatórios, tubos ou mangueiras, eliminando água continuamente; fazer uso de mangueira, lava jato, entre outros similares, de modo que a água tenha fluxo contínuo fora do objeto da lavagem, no caso de veículos, calçadas, paredes, pisos, janelas e telhados de prédios públicos ou privados, comerciais ou particulares. Em caso de descumprimento dessas medidas, a multa pode chegar a R$ 2.835.

A assessoria de comunicação da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) informou, em nota, que “recebeu todas as demandas e está tratando diretamente com o prefeito de Gravataí para atender o que foi solicitado.” 

Foto: Prefeitura de Gravataí / Divulgação

O atual decreto prevê que a Prefeitura vai acompanhar a situação da disponibilidade hídrica para o abastecimento junto à Corsan, de forma a adotar medidas prévias quando detectados problemas no fornecimento. 

Em Dois Irmãos, devido à falta de chuva, as plantações estão sendo prejudicadas. A Administração Municipal deve se reunir com o Conselho Dois-irmonense de Desenvolvimento Agropecuário (CONDAPE) para avaliar prejuízos e se será necessário decretar situação de emergência. Atualmente o Departamento de Agricultura de Dois Irmãos também está disponibilizando o serviço de máquinas para a abertura e limpeza de açudes e o fornecimento de água com caminhão pipa, caso seja necessário nas propriedades dos produtores.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares, Pedro Joãozinho Becker, diz que das 150 famílias que vivem da agricultura no município, 80% delas estão sendo prejudicadas por falta de chuvas.

“Estamos sentindo o reflexo bem forte com a questão da falta de água. A perda da qualidade da silagem para alimentar o gado leiteiro e de corte é o principal prejuízo por aqui. Houve uma redução de 30% da qualidade porque só tem massa, não tem grão. A baixa qualidade prejudica a alimentação do gado, que precisa de complementação com outros nutrientes. Isso acaba encarecendo a produção. Precisamos de chuva nos próximos dez dias para salvar o milho. Caso contrário, vai ser uma frustração para o produtor. Cada diz que passa, aumenta o tamanho da perda.” 
 
A Prefeitura de Morro Reuter vem desenvolvendo trabalho de prevenção, com a abertura de reservatórios nas propriedades rurais que necessitam de muita água para o desenvolvimento das culturas, ou que sofrem pela falta da mesma. Devido a este trabalho de prevenção, notou-se que a necessidade está menor em relação a anos anteriores, até o presente momento. A cidade tem registrado situações pontuais de falta de água potável no interior do município e por isso a Prefeitura está realizando transporte de água com caminhão pipa atendendo a demanda.

Na quarta-feira (4) o município recebeu o recurso do projeto que contempla a abertura de dez micro açudes, através do programa Avançar na Agropecuária e no Desenvolvimento Rural - Eixo Estratégico Irriga + RS - Açudes, projeto que irá auxiliar agricultores familiares e empreendedores familiares rurais no armazenamento de água para irrigação e dessedentação animal, prezando a geração de renda e qualidade de vida no meio rural. 

A Prefeitura de Sapucaia do Sul informou que não há nenhum plano emergencial prevendo o fator estiagem. Entretanto, na área rural, onde é sentido maior os efeitos pela falta de chuva, as famílias contam com sistema de irrigação. Então, de acordo com a Administração municipal, a situação ainda está tranquila. 

Em Montenegro, localidades do interior já têm tido problemas com a falta de chuvas. Preocupada com o fator climático na área rural, a equipe da Diretoria de Infraestrutura Rural, ligada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural, está trabalhando com foco na amenização destes problemas. De acordo com o secretário Ernesto Kasper, o setor está atuando, há várias semanas, com foco na limpeza de açudes e reservação de água em propriedades do interior. Só nos últimos dias, a secretaria esteve trabalhando em propriedades nas localidades de Pesqueiro, Linha Catarina, Vendinha e Santos Reis.

O secretário relata que o quadro observado no interior é de extrema preocupação. “É uma situação atípica. Dentre os problemas mais observados, estão a falta de água para o gado, plantio de grãos e os açudes com nível muito baixo”, enfatiza. O titular da pasta destaca que a Prefeitura está atuando com todo empenho e dedicação dos funcionários para ajudar as famílias que produzem.

Os produtores que necessitem de auxílio da Prefeitura podem entrar em contato com a Secretaria de Desenvolvimento Rural, por meio do telefone 3632-8533. Ernesto destaca que a Administração está vigilante para tomar atitudes mais fortes para evitar prejuízos aos agricultores. O Município possui dois carros-pipa para transportar água para consumo humano e animal em caso de necessidade. Montenegro possui mais de 300 famílias na zona rural.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895