Falta de fiscalização abre brechas para transporte clandestino de passageiros

Falta de fiscalização abre brechas para transporte clandestino de passageiros

Prefeituras e Metroplan apontam uma a outra responsabilidade de punir serviço irregular em Porto Alegre e região metropolitana

Felipe Faleiro

Na Capital, motoristas atuam à luz do dia e no mesmo ambiente dos ônibus

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O transporte irregular de passageiros é uma realidade presente há muito tempo, e sem qualquer fiscalização, em Porto Alegre e municípios da região metropolitana. Não é preciso se esforçar muito para encontrar motoristas trabalhando à margem da lei, transportando passageiros também sem nenhuma regulação. Com motoristas discretos, pouco identificáveis e oferecendo corridas custando menos da metade do preço do que os serviços tradicionais, eles atraem moradores e visitantes de cidades como Eldorado do Sul e Guaíba, que ajudam a alimentar o sistema clandestino.

O assunto é visto como espinhoso pelas Administrações, e não há certeza de quem é responsável de fato por fiscalizar, abrindo brecha para a irregularidade. Enquanto isso, transportes regulares como o catamarã perdem usuários e recursos. “Fazemos uma ginástica sem tamanho para nos mantermos de pé, mantendo padrões de segurança e atendimento. Mas temos consciência de que o problema da mobilidade urbana não é somente nosso”, afirma o gerente de operações da CatSul, João Pedro Wolff.

De acordo com ele, a taxa de ocupação do serviço é atualmente de 44%, e poderia ser maior, não fosse os clandestinos. “Desconfio que perdemos potencialmente 30% do movimento para eles”, relata Wolff. O catamarã transporta uma média de 1,6 mil passageiros por dia, cerca de 45 mil por mês. Ou seja, diariamente, 480 pessoas não são conduzidas pelas águas do Guaíba em razão deste transporte “alternativo”.

A reportagem embarcou nesta semana em um Fiat Doblò, em situação regular e placas de Eldorado do Sul, com mais duas mulheres, que já aguardavam na rua Chaves Barcelos, em frente a Praça Osvaldo Cruz, no Centro Histórico da Capital, rumo à Prefeitura de Eldorado do Sul. Outro homem chegou em seguida. Todos fomos orientados a acompanhar o motorista até um estacionamento próximo, onde houve o embarque. No início da viagem, cada pessoa indica para onde vai, e só depois o motorista inicia. O trajeto de 14 quilômetros, custando R$ 7, foi silencioso e durou cerca de 20 minutos.

No mesmo horário, foram acionados dois aplicativos de transporte de passageiros para o mesmo percurso. Um cobrava R$ 23 e o outro, de R$ 20 a R$ 26. Consultando os ônibus, mesmo a passagem mais barata teve custo ligeiramente maior, de R$ 9,90, mas havia opções a R$ 17,45 e até R$ 20. Em Guaíba, um dos principais pontos de embarque é a Praça da Bandeira, no Centro, junto à orla, justamente em uma parada do transporte coletivo. Ali, igualmente não é difícil encontrar motoristas dispostos a driblar a lei, e que vão tanto para os bairros da própria cidade, quanto à Capital.

A Prefeitura de Guaíba afirma que faz regularmente abordagens e blitzes por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, especialmente nas vias de acesso ao município. No entanto, reconheceu que parte da fiscalização foi assumida pela Brigada Militar (BM), cujo 31º Batalhão de Polícia Militar (31º BPM), responsável pela área da cidade, alterou o comando recentemente. “O batalhão vem realizando diuturnamente diversas ações, bem como a realização de barreiras policiais de forma periódica para combater esse tipo de situação”, observou o 31º BPM.

Já a Prefeitura de Eldorado do Sul, por meio da Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Iluminação (SMTTI), relata que “o transporte clandestino mencionado se configura como intermunicipal, portanto, é de competência da Metroplan, PRF e BM”. O município não tem leis relacionadas ao transporte irregular de passageiros, e salientou que a fiscalização “é realizada regularmente pelos agentes de trânsito municipais, através de blitz. Quando há constatação de transporte clandestino, imediatamente o agente aciona a BM para tomar as devidas providências”, encerra a nota da Administração.

A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) reforçou o alerta para este tipo de viagem, e diz que realiza ações para coibir o transporte ilegal em Porto Alegre. Comentou também que muitas delas “são feitas em parceria com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) e Metroplan, tendo em vista que a origem de muitos desses veículos é de fora da cidade”. Segundo o órgão de trânsito da Capital, estes motoristas, muitas vezes, não foram aceitos em táxis e aplicativos, por isso decidiram migrar para o ilegal. “Não há cadastro, comprovação da identidade ou da idoneidade dos motoristas”, salientou a EPTC.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) também orientou conversar com a Metroplan sobre o assunto. O superintendente da Metroplan, Francisco Horbe, reconhece o problema, mas diz que ele compete justamente às Prefeituras. “Isto foge da alçada da entidade. Na nossa área de atuação, que é de planejamento do transporte público e de fretamento de trabalhadores por empresas privadas, não há irregularidades. Neste caso, se trata de transporte individual, e compete mais aos municípios e a infrações relacionadas ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB)”, afirmou ele.

Questionado sobre as declarações de Wolff, Horbe disse que o órgão não tem estatísticas de quanto os coletivos regulares em geral perdem com os veículos clandestinos, e disse que irá determinar um estudo, cujo prazo de conclusão deve sair em até 30 dias, para saber se o recente reajuste nas passagens nos ônibus da Metroplan provocou evasão de usuários. “Não sabemos de onde estes dados [da CatSul] foram tirados. Não houve nenhuma denúncia da CatSul ou das empresas operadoras do transporte público sobre isto”, salientou o superintendente.

Horbe também comentou que uma das grandes dificuldades no caso dos clandestinos é mesmo provar que o passageiro está sendo cobrado, o que configuraria infração gravíssima, sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 293,47, além da remoção do veículo, conforme o inciso 8º do artigo 231 do CTB. “É preciso fazer uma força-tarefa para fiscalização, mas isto também precisa partir das prefeituras”, observou.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895