“Foi um cenário de filme de guerra”: moradores falam sobre o momento em que o prédio explodiu em Porto Alegre

“Foi um cenário de filme de guerra”: moradores falam sobre o momento em que o prédio explodiu em Porto Alegre

Estrutura localizada no bairro Rubem Berta corre risco de desabamento

Cristiano Abreu

Apartamento no segundo andar da torre 10 foi destruído

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A explosão que atingiu um condomínio no bairro Rubem Berta, na Zona Norte de Porto Alegre, deixou oito pessoas feridas, entre elas dois bombeiros que faziam a evacuação de uma das torres, a de número 10. O acidente, que ocorreu por volta da 0h20 da quinta-feira, comprometeu a estrutura de ao menos um dos prédios, que corre risco de desabar.

A madrugada de pânico para os 400 moradores do residencial localizado na rua Inocêncio de Oliveira Alves começou com um forte cheiro de gás. O pintor Jonatha Rodrigues Lima 32, dormia com a esposa e a filha de 3 anos numa das torres, e recorda que sentiu o cheiro de gás mesmo estando distante três prédios da unidade que horas depois acabou explodindo. “Foi um cenário de filme de guerra. Eu estava na cama, de repente o cheiro forte e em seguida o estrondo. Sacudiu tudo, ouvimos muitos gritos e quando chegamos na rua, tinha vidros, pedaços de paredes, portas e até roupas espalhadas por toda a parte”, relatou.

Os danos são visíveis em diversas unidades do condomínio. O deslocamento de ar arrancou a parede do apartamento que explodiu e o que sobrou apresenta as marcas do incêndio. Até mesmo fora do pátio do residencial era possível encontrar estilhaços de vidros e pertences dos condôminos.

A operadora de caixa Adryane Santos da Silva mora na torre 11, ao lado de onde fica o apartamento afetado. Ela foi atingida por estilhaços de vidro de uma das janelas que foi arrancada. “Foi horrível, um susto, um barulho horrível, depois vi que tinha fogo no prédio do lado. Ter sofrido apenas cortes no braço foi uma sorte incrível”, acredita.

Seis moradores foram atingidos por escombros, sendo que três também sofreram queimaduras de primeiro e segundo graus. Dois bombeiros que atendiam a ocorrência de vazamento de gás e realizavam a evacuação dos moradores acabaram feridos. Os oito foram levados para o Hospital de Pronto Socorro da Capital e para o Hospital Cristo Redentor, onde três vítimas seguiam internadas na Unidade de Terapia Intensiva.

Trabalho de investigação inicio durante a manhã

De acordo com o boletim de ocorrência, os bombeiros foram acionados pouco antes da meia-noite, após moradores terem sentido cheiro de gás. No local, os oficiais identificaram a origem do vazamento e orientavam os moradores a deixarem os apartamentos. Um dos bombeiros se preparava para entrar na torre no exato instante que ocorreu a explosão.

Uma equipe do Instituto Geral de Perícias (IGP) esteve no local durante a manhã para identificar as possíveis causas. Entre os primeiros relatos de condôminos, por volta das 22h30min o prédio afetado teve falta de gás e a empresa fornecedora foi chamada para substituir os cilindros que abasteciam a torre. Contudo, a explosão ocorreu em um dos apartamentos localizados no segundo andar, o que pode indicar a origem do vazamento, A habitação em questão estava vazia no momento do acidente.

Técnicos da empresa fornecedora de gás ao condomínio estiveram no local durante a manhã e não constaram problemas com a reposição realizada horas antes do acidente.

A Tenda, responsável pela construção do condomínio, inaugurado há oito meses, se manifestou por meio de nota. No texto, a construtora expressa profundo pesar pelo incidente e informa que contratou um perito para realizar uma inspeção no local. A empresa ressaltou ainda que o conjunto habitacional recebia as manutenções de acordo com as responsabilidades contratuais e que pretende aguardar o resultado de perícia para se posicionar. Confira a íntegra:

A construtora informa que está em contato com o síndico do condomínio, bem como com autoridades locais para melhor entender o caso. Um perito terceiro fará a inspeção in loco. Ainda não é possível afirmar as causas da explosão. A construtora reforçou “seu compromisso com as melhores práticas e procedimentos do mercado de construção, e que toda inspeção e manutenção que é de nossa responsabilidade foi realizada, não detectando nenhum tipo de problema”.

As 22 torres do condomínio estão interditadas | Foto: Maria Eduarda Fortes / CP

Prédio sob risco de desabamento

Uma vistoria, realizada em conjunto por Corpo de Bombeiros e Brigada Militar durante a manhã confirmou que o prédio em que ocorreu a explosão corre risco de desabamento. O alerta foi reforçado pela equipe do IGP.

De forma preventiva, a Defesa Civil interditou as 22 torres do condomínio e não há prazo para a liberação. Até que ocorra a conclusão do trabalho técnico, as cerca de 400 pessoas que moram no local não poderão voltar aos apartamentos.

Sem ter para onde ir, a dona de casa Daiane Santos da Silva passou a noite junto da família e de outros moradores no salão de festas do condomínio. “Eu ainda não sei como vai ser, estamos aguardando porque prometeram nos levar para algum lugar até que dê para voltar, mas estamos sem roupas, sem documentos, sem dinheiro para comer”, questiona”.

De acordo com o coordenador adjunto da Defesa Civil de Porto Alegre, Evandro Lucas, os moradores que não têm para onde ir estão sendo atendidos pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e vão ser realocados em albergues do município. “Ainda durante a noite, muitas famílias foram para casas de parentes. E a partir da validação técnica, de engenharia, vamos poder discutir o retorno”, declarou.

Menino de 13 anos ajudou a salvar vidas

Há ao menos uma história de alento nesta noite de pânico vivida pelos moradores do Rubem Berta. E ela vem de Adryan Matheus Santos da Silva, um menino de apenas 13 anos e que apesar da pouca idade, já exercita uma coragem digna de poucos adultos.

Instantes antes da explosão, o garoto, que mora numa torre vizinha a que acabou destruída, percebeu o cheiro de gás. Sem ligar as luzes, foi até a mãe e a irmã na sala. Pouco depois, saiu pelo condomínio batendo de porta em porta para avisar os vizinhos. “Ouvi elas (mãe e irmã) falando do cheiro do gás. Depois que conseguimos sair (do prédio) eu subi umas sete torres, do primeiro ao quinto andar, batendo nas portas, porque parecia uma emergência”, contou.

O menino, ao lado da mãe (E) e da irmã | Foto: Maria Eduarda Fortes / CP

A expressão tranquila de Adryan Matheus ao conversar com a imprensa na manhã desta quinta-feira não demonstravam os sinais do perigo enfrentado na madrugada anterior. E embora as palavras pronunciadas de forma pausada, ao narrar os acontecimentos, o garoto deu a dimensão exata do que vivenciou. “Eu estava saindo do meu bloco e quando cheguei no primeiro andar, aconteceu a explosão”, recorda.

O menino revela que a primeira reação foi correr para baixo da escada, mas que ainda assim, sofreu um corte no abdômen. “Voou muito vidro, a porta estourou, coloquei as mãos nos ouvidos e abaixei a cabeça entre as pernas”, diz.

Ao sair para a rua, Adryan percebeu um dos bombeiros caído ao chão em frente ao bloco 10, onde ocorreu a explosão. De pronto, ao perceber que o soldado estava ferido, foi até ele e o carregou para longe. “Ele sangrava, o ajudei a ir até um banco que tem aqui na pracinha, até que os paramédicos ajudaram”, detalha.

Mas quem pensa que a história de coragem do adolescente se encerrou no resgate do bombeiro, se engana. A preocupação de Adryan agora é saber como estão a gata de estimação da família, que acabou de dar à luz quatro filhotinhos. Como o condomínio inteiro está interditado, o menino espera ansiosamente que algum agente de segurança vá até o apartamento em que mora realizar o resgate.

E pode ser que o jovem até se interesse pela carreira de bombeiro no futuro. Nas palavras dele, nunca havia imaginado trabalhar com resgates, mas revela um interesse especial pelo ofício a partir do acontecimento. “Na hora eu só pensei em ajudar”, conta.

Independente da escolha, a mãe do menino, a dona de casa Daiane Santos da Silva, não esconde a alegria. “Eu tava sentada no sofá, minha filha tinha acabado de chegar do serviço, a gente conversava, como todas as noites. Aí soubemos do vazamento de gás na torre 10, mas que os bombeiros estavam no local. Segundos depois, esse horror que na hora a gente nem sabe como raciocinar. Passado o susto, o que fica é o orgulho pelo Adryan ter feito diferença”, completou.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895