"Fomos pela coragem", diz soldado que resgatou indígenas durante o ciclone em Porto Alegre

"Fomos pela coragem", diz soldado que resgatou indígenas durante o ciclone em Porto Alegre

Policial militar relatou situação vivida mesmo sem experiência em nadar na correnteza e sem entender o idioma da tribo

Felipe Faleiro

Soldados Araújo, Bitencourt e Leon foram homenageados pelo 21º BPM

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A prefeitura de Porto Alegre contabilizou 73 residências afetadas pelo ciclone extratropical que afetou o município e grande parte da região leste gaúcha, com mais estragos no Litoral Norte. Na Capital, os maiores danos foram verificados nas regiões da travessa São Luís, no Morro da Cruz, o beco Guajuviras, no bairro Aparício Borges, e rua João Bittencourt, no Cascata. A administração não informa valores de prejuízos, apenas informa que as famílias em questão foram encaminhadas ao aluguel social de R$ 600. No entanto, poucas até o momento encaminharam o benefício.

Enquanto isso, os 48 indígenas da aldeia guarani Tekoá Pindó Poty, na avenida Edgar Pires de Castro, extremo sul da Capital, já retornaram para suas casas após ficarem ilhados no último dia 16 em razão da tormenta, após a alta do arroio Lami, e precisarem ser resgatados por equipes do 21º Batalhão de Polícia Militar (21º BPM), Defesa Civil Municipal e 1º Batalhão de Bombeiros Militar (1º BBM), com apoio de moradores da região. 

Depois do resgate, eles foram encaminhados pelo micro-ônibus da BM à Paróquia Nossa Senhora Aparecida da Restinga, onde receberam agasalhos, cobertores e alimentos. “Uma das maiores dificuldades para mim, além do mau tempo, foi nadar. Não temos experiência na natação em correnteza, mas fomos mais pela coragem. Tivemos de convencê-los também, porque é uma tribo que não fala nosso idioma”, afirmou o soldado Paulo Henrique Araújo, um dos cinco membros do 21º BPM que participaram da missão.

Conforme ele, a equipe inicial havia sido deslocada para outra ocorrência, uma gestante em trabalho de parto no Lami, que, no final das contas, conseguiu ir ao hospital sem a BM. Com a Edgar Pires de Castro alagada, os três soldados, ele, mais Leon e Bittencourt, fizeram o contorno pela Lomba do Pinheiro, e ao chegar ao Lami, o único indígena que falava português os encontrou, dizendo que vários animais haviam morrido e bens haviam sido perdidos. “Conseguimos um bote e uma corda, e prontamente entramos na água. Tínhamos receio de cair alguma árvore, não sabíamos onde pisávamos. Quase um colega foi arrastado, mas estava amarrado na corda”, disse Araújo.

Após uma hora e meia e quase 40 pessoas já resgatadas, o primeiro apoio chegou ao local, pois não havia como chegar facilmente à área. “Um dos animais pulou duas vezes do bote, e precisamos ir atrás deles de novo. A ida até o local foi mais tranquila, o problema foi na volta. Precisamos amarrar uma corda nas árvores”. O trabalho foi complementado com a presença do tenente Lopes e sargento Soneman, ambos da reserva. Um dos policiais envolvidos inclusive precisou ir ao hospital, com quadro de disenteria e náuseas.

Proprietário de um mercado próximo, Carlos Lourenzi também auxiliou no resgate aos indígenas e relatou choque com a situação. “Fui mesmo com a roupa que eu estava trabalhando, e percebemos que a água começou a subir até perto do joelho, e depois para o umbigo, e em seguida no peito. Em alguns locais, a correnteza era muito forte. Andamos mais de 600 metros e nos deparamos com famílias em cima dos telhados das casas. Adultos, crianças e até bebês de colo, além dos animais”, relatou ele, acrescentando que todo o processo levou em torno de três horas.

“Não pensei duas vezes em ajudar. Vimos o aparato de segurança que tínhamos e um dos tenentes tinha uma corda muito grossa, cerca de 50 metros. As pessoas, ao serem resgatadas, precisavam se segurar em árvores. Havia muito material descendo arroio abaixo, arames, madeiras, muita árvore com espinho”, contou. O próprio Lourenzi disse que, após o incidente, teve um problema de pele e precisou de consulta médica, mas já está recuperado.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895