Horário de Verão: saiba por que adiantar relógios teria efeito quase nulo na região Sul

Horário de Verão: saiba por que adiantar relógios teria efeito quase nulo na região Sul

Novos hábitos de consumo de energia e mudanças climáticas estão entre os motivos, diz especialista

Camila Souza

Horário de Verão foi suspenso nesse governo

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As discussões sobre a volta do Horário de Verão repercutiram nas redes sociais depois que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, realizou uma enquete no Twitter questionando a opinião dos internautas. Na consulta informal, maioria manifestou-se ser afavor do retorno da mudança nos relógios. 

Instituído no Brasil em 1931 por Getúlio Vargas, o Horário de Verão surgiu como uma alternativa de redução do consumo de energia a partir do melhor aproveitamento da luz natural, na época em que o país sofria com uma grave crise hídrica. 

Desde então, passou por algumas suspensões e mudanças ao longo dos anos e foi extinto em abril de 2019, através de um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Na justificativa, o governo argumentou que as mudanças no hábito de consumo de energia da população deslocaram o período de maior consumo para a tarde, quando o Horário de Verão não tem influência.

Apesar disso, até hoje o comércio, entidades do setor elétrico e grande parte dos brasileiros pedem que o governo volte a adotar a medida. Contudo, a decisão de avançar o relógio em uma hora depende de diversos fatores, entre eles a avaliação do atual impacto que o Horário de Verão causa.

O professor de Engenharia Mecânica da UniRitter Sérgio Bartex lembra que ocorreram grandes transformações desde que esta política foi criada, principalmente o avanço da tecnologia, que implicou nas mudanças de hábitos da população.

“Em 1930, o brasileiro médio tinha em casa uma lâmpada incandescente, um refrigerador e um chuveiro elétrico. Hoje temos uma infinidade de aparelhos que colocamos pra carregar”, destaca Bartex, que também é especialista em Gestão de Energia. Ele explica que cinco ou seis lâmpadas LED ligadas podem gerar o consumo equivalente a uma do tipo incandescente, utilizada há 90 anos. 

Devido a essas modificações, o professor avalia que o impacto na economia de energia é bem menor comparado aos anos anteriores, podendo até aumentar o consumo em regiões mais quentes. “Em 1985, se tinha a estimativa que o Horário de Verão ele economizava algo em torno de 5 a 6% da energia total consumida no país no seu período de vigência. Já em 2017 e 2018, segundo um relatório do Ministério de Minas e Energia, ele economizou cerca de meio por cento”, explica.

Bartex lembra que além da questão energética, o impacto no comportamento da população também merece atenção. Isso porque pode existir dificuldade de adaptação ao novo fuso, implicando na mudança de humor e até na rotina de sono das pessoas.

Suspensão teve pouco impacto na região Sul

Neste ano, considerando os dados climáticos, o especialista não vê necessidade da adoção da medida na região Sul. “Estamos em uma situação relativamente confortável aqui nos nossos reservatórios. Então, para esse ano não seria interessante colocar o Horário de Verão, porque além de não causar grande impacto, tem a questão social que teria que levar em consideração”, argumenta.

A comparação entre dados com e sem a adoção do Horário de Verão atesta que o impacto é baixo no Sul do país. Em 2016 e 2017, de outubro a fevereiro, o consumo de energia elétrica foi de 34.915.744 MWh na região, de acordo com a EPE. Nos anos 2017 e 2018 foi de 36.037.497 MWh, e no mesmo período de 2018 e 2019, o gasto foi de 37.669.477 MWh.

Quando a medida foi revogada, o aumento de consumo energético seguiu quase a mesma proporção dos anos anteriores, de acordo com o gráfico abaixo. De outubro a fevereiro de 2019 a 2020, a região Sul consumiu 38.435.238 MWh. Em 2020 e 2021, 39.068.516 MWh, e em 2021 e 2022, 40.033.793 MWh.

Além do uso de lâmpadas mais eficientes, outro fator que interefere é o consumo excessivo do ar condicionado. Segundo uma nota técnica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), divulgada em 2018, o consumo de energia elétrica por condicionadores de ar no setor residencial aumentou cerca de 237% nos últimos 12 anos, atingindo 18,7 TWh em 2017, conforme mostra o gráfico abaixo.


Fonte: Nota Técnica EPE 030/2018 | Página 12

Horário de Verão regionalizado é uma alternativa

Até 2019, o método de avançar o relógio atingia os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal.

Para o professor Bartex, pensar em uma política regionalizada, considerando os dados climáticos, pode ser uma alternativa para o governo. “Na estação chuvosa, por exemplo, quando os reservatórios de água no Sul e Sudeste ficam cheios, talvez o Horário de Verão não seja uma boa pedida, porque não haverá uma economia muito grande e tem toda a implicação no humor das pessoas”, aponta.

No caso de registros de secas e de pouca chuva em determinada região, assim como aconteceu no Sul do país em 2021, Bartex defende que a mudança do relógio seria uma opção viável. “Se é um ano que o nível dos reservatórios está baixo, se estão colocando bandeiras tarifárias para desincentivar o uso, seria interessante mesmo que uma redução pequena do tipo 0,5% de energia”, diz.

Ele cita outros países que também adiantaram o relógio com o mesmo propósito do Brasil, como a França, a Alemanha e a Índia, e enfatiza que os desafios também são iguais. “Outros países fazem o uso desse artifício, mas com a mudança do consumo de energia, cada vez é mais complicado afirmar que os benefícios são maiores do que os malefícios”, afirma. Por esses motivos, mesmo que o novo governo considere o retorno do Horário de Verão, a medida ainda deve passar por avaliações e reformulações para ser novamente implementada.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895