Justiça amplia interdição parcial do Instituto Psiquiátrico Forense, em Porto Alegre

Justiça amplia interdição parcial do Instituto Psiquiátrico Forense, em Porto Alegre

Decisão leva em conta resolução de 27 de maio, do CNJ, que visa a adequar a atuação do Judiciário a normas de política antimanicomial

Rádio Guaíba

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O juiz Alexandre de Souza Costa Pacheco, da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma) da Comarca de Porto Alegre, ampliou nesta sexta-feira a interdição parcial do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), localizado no bairro Partenon. A decisão veda novas internações e ingressos, sem exceção, independente da natureza e da finalidade (internação por medida de segurança, internação provisória e internação para avaliação psiquiátrica).

O magistrado argumenta ser imprescindível que os dois únicos médicos peritos em atividade concentrem esforços, exclusivamente, na elaboração de perícias que, eventualmente, levem à desinternação de pacientes que não ofereçam mais risco à sociedade. Pacheco leva em conta a necessidade de cumprimento de uma resolução de 27 de maio, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa a adequar a atuação do Judiciário às normas nacionais e internacionais que estabelecem a política antimanicomial.

Na mesma decisão, o juiz também cancela todas as perícias a cargo do IPF em incidentes de insanidade mental a contar de setembro, assegurando a realização daquelas agendadas até 31 de agosto a fim de evitar prejuízo a processos criminais em andamento. Nos demais casos, cabe a cada juiz nomear um perito de confiança.

Pacheco determinou, ainda, que as equipes técnicas devem informar, em 60 dias, quais pacientes possuem familiares em condições de acolhê-los e assisti-los; quais mantêm vinculação à rede de atenção psicossocial para tratamento ambulatorial; quais possuem perfil para tratamento em residencial terapêutico; quais as providências adotadas para a obtenção de vagas nesses residenciais, e quais pacientes já vêm aguardando transferência.

O juiz intima a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a Secretaria da Justiça e dos Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) para que, querendo, apresentem, em 30 dias, informações sobre a situação atual do IPF, inclusive a respeito da defasagem de auxiliares de enfermagem.

Em 25 de novembro do ano passado, a Justiça já havia vedado o ingresso de pessoas oriundas do sistema prisional e daquelas com decisão de internação provisória, exceto mediante autorização da Vepma. Também proibiu a permanência de pacientes por mais de 15 dias no espaço destinado à triagem.

De acordo com o juiz, a Susepe não prestou informações sobre quais medidas vêm sendo adotadas para suprir a insuficiência de médicos psiquiatras e de outros técnicos no IPF. O órgão estadual também não apresentou plano de ação para que seja assegurado o atendimento psiquiátrico integral, prioritário e permanente de pacientes internados na instituição.

Já a direção do IPF informou, em maio de 2023, que o local conta com 117 servidores, sendo apenas dois psiquiatras em exercício. Um cuida das perícias nos incidentes de insanidade mental em processos com pessoas presas, provisória ou definitivamente, e outro, as de cessação de periculosidade em execução de medidas de segurança. No primeiro caso, já existem avaliações agendadas para além de março de 2024. No segundo, há processos com atraso superior a três meses.

“Com efeito, não existe proteção dos pacientes do IPF, portadores de transtorno mental e comportamental, contra a negligência, violência por omissão, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante, tampouco assistência integral à saúde e priorização de atendimento. Inexiste, igualmente, pronto acesso à atenção médica em casos de urgência, pela ausência de serviço de plantão médico permanente. Sequer a higienização dos pacientes é realizada a contento”, considerou Pacheco.

“Descarte de seres humanos”, considera juiz

“Ressalta-se que o juízo da Vepma, há anos, vem alertando para as irregularidades constatadas no IPF, sem que o Executivo adote providências concretas para saná-las. Não por acaso, o Instituto Psiquiátrico Forense transformou-se num local de descarte de seres humanos com transtornos mentais, o que não mais pode ser admitido”, salienta Pacheco na decisão.

O magistrado ainda sugere, como solução, que o governo estadual reformule o IPF, para que se transforme em um Residencial Terapêutico Estadual.

“Para tanto, é necessária uma decisão de governo. E não basta apenas reconstruir a estrutura de engenharia, sendo necessária a restruturação dos serviços de saúde e a designação de profissionais e técnicos em quantidade suficiente para atendimento da demanda de saúde mental”, acrescentou.

O juiz destacou, igualmente, a responsabilidade dos municípios em garantir o tratamento ambulatorial e, quando necessária, a disponibilização de vaga em residencial terapêutico ou unidade hospitalar a portadores de transtorno mental.

Procurada, a assessoria da Secretaria de Sistemas Penal e Sociodeducativo ainda não respondeu se a decisão vai ser acatada ou se deve haver recurso por parte da Susepe. A Pasta já havia, anteriormente, publicado um comunicado sobre a Resolução do CNJ. Nele, a SSPS confirma que o IPF conta, atualmente, com mais de 200 internos e estuda, junto da Secretaria Estadual da Saúde, “possibilidades viáveis para o destino desses pacientes”.

Veja o texto na íntegra:

A Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) informa que está ciente do trabalho conjunto realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Ministério da Saúde (MS) para implementar o fechamento gradual dos hospitais de custódia, conforme previsto há mais de 20 anos na Lei Antimanicomial (Lei nº 10.216/2001) e regulamentado pela Política Antimanicomial do Poder Judiciário (Resolução CNJ nº 487/2023).

Atualmente, o Rio Grande do Sul possui um hospital de custódia: o Instituto Psiquiátrico Forense, localizado em Porto Alegre. Nesse espaço, há, no momento, 206 pacientes, que são pessoas declaradas não conscientes de seus atos e que cumprem medida de segurança de internação, de acordo com o artigo 96 do Código Penal, que prevê medidas de segurança aplicáveis a quem praticou alguma conduta criminosa, mas não pode cumprir pena, por ser entendido como inimputável ou semi-imputável.

Devido à complexidade do processo de fechamento deste tipo de unidade, a SSPS estuda possibilidades viáveis para o destino desses pacientes, considerando as especificidades que permeiam a custódia no sistema prisional e o tempo estabelecido pela resolução do CNJ. Essas análises estão sendo feitas em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), que é responsável pela política de saúde mental. 

As SSPS e SES ressaltam a importância do fortalecimento dos fluxos de encaminhamento desses usuários aos dispositivos territoriais da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), conforme suas condições de saúde mental e de periculosidade. Diante da ausência de um hospital de custódia, considera-se importante assegurar o acompanhamento dos usuários por uma rede intersetorial de cuidados e a preparação dos mesmos para o retorno ao convívio social, resgatando os vínculos familiares. Na impossibilidade de resgate dos vínculos familiares, os Serviços Residenciais Terapêuticos são os dispositivos municipais de desinstitucionalização previstos na Portaria de Consolidação GM/MS nº 03/2017, que buscam o resgate da autonomia e a reabilitação psicossocial destas pessoas. A avaliação das condições de saúde mental dos usuários deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar e intersetorial, que poderá indicar o melhor dispositivo de acompanhamento do usuário.

Como o trabalho para o fechamento dos hospitais de custódia envolve também o Poder Judiciário, a SSPS permanece em constante diálogo a fim de garantir que esse processo ocorra de forma transparente, respeitando todos os trâmites previstos na resolução.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895