Mãe e dois filhos vivem em automóvel após incêndio destruir apartamento em Porto Alegre

Mãe e dois filhos vivem em automóvel após incêndio destruir apartamento em Porto Alegre

Construtora alega que não irá reparar imóvel em razão de relatório emitido pelo Corpo de Bombeiros

Felipe Faleiro

publicidade

Na última segunda-feira, a caixa operadora Stephanie Mello, 30 anos, trabalhava normalmente por volta do meio-dia quando foi surpreendida por diversas ligações informando que seu apartamento, no Loteamento Irmãos Maristas, bairro Mário Quintana, zona Norte de Porto Alegre, estava incendiando. Nem ela, nem os dois filhos, Christopher, 10 anos, e Lucas, 6, estavam em casa. Moradores próximos utilizaram 11 extintores de incêndio para conter as chamas, que atingiram a cozinha, a sala e o quarto de Stephanie. O quarto dos meninos permaneceu intacto.

Não bastasse o incidente, todos estão morando dentro do carro da família, um Fiat Palio fabricado em 1999, no estacionamento do condomínio habitacional, tomando banho e se alimentando nas residências dos vizinhos. Stephanie dorme no veículo, onde há alguns alimentos estocados, e os filhos nas casas de outras pessoas. A situação embaraçosa ocorre porque, pelo contrato, a moradora não pode modificar ou fazer reformas no apartamento. A Direcional Engenharia, empresa responsável pela construção dos apartamentos e pelo seguro, se recusa a reparar os estragos, porque, segundo ela, o Corpo de Bombeiros emitiu um laudo dizendo que o mesmo não teve causa elétrica, e sim em um colchão da casa.

Ao lado do veículo, Stephanie contesta esta informação com um vídeo gravado por ela mesma, em que um suposto técnico da Direcional que esteve no apartamento relata que o fogo teria sido causado por um curto-circuito na rede. “É uma prova de que eles estão mentindo”, afirma a moradora. “E os Bombeiros não emitem laudo, somente se há morte ou foi incêndio criminoso, o que não foi o caso”. Ou seja, na prática, conforme ela, a empresa teria a versão de que Stephanie incendiou a própria casa, de forma intencional ou não.

Stephanie então enviou o vídeo à Direcional, que ignorou o conteúdo. A reportagem acompanhou uma ligação feita por Stephanie à empresa, sediada em São Paulo, e inclusive também conversou com a atendente, identificada como Gabriely. A empresa, porém, manteve a versão já informada à moradora. “Quero que a empresa se responsabilize pelo ocorrido”, afirma a moradora, que busca obter um novo laudo assinado pela Direcional sobre o incêndio.

Stephanie e os filhos vivem no local há três anos. Antes, moravam na Vila Nazaré, local que foi desapropriado entre 2019 e 2021 pela Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (SMHARF), por meio do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) para a ampliação da pista do Aeroporto Internacional Salgado Filho. “Não estou tendo nenhuma resposta. Estive no Demhab na terça-feira, e eles têm me passado para assistentes sociais. Só querem me ajudar com cesta básica e calar minha boca”, critica ela.

Procurado, o Demhab, que faz o reassentamento das famílias, afirmou que o caso foi encaminhado à Caixa Econômica Federal, responsável pelo contrato, e que não tem responsabilidade neste atendimento. “Nosso papel é mediação interinstitucional, o que já foi realizado. O contrato é com a Caixa e a obra é da Direcional. Nossas equipes orientaram a moradora de como ela deveria proceder, todos os passos. Trabalhamos apenas com a seleção e acompanhamento”, diz o órgão da Prefeitura de Porto Alegre. Enquanto isto, Stephanie define como “desumano” o tratamento que vem recebendo.

“Estou muito perdida, sem auxílio algum. Estou doente e cansada. Não aguento mais. Meu psicológico está chegando ao extremo, mas sou muito grata por todos que têm me ajudado. Meus filhos não estavam em casa, e quando o Christopher chegou, os vizinhos contaram para ele o que estava acontecendo, e ele ficou arrasado”, conta ela, em lágrimas. Stephanie foi liberada do emprego pela empresa com garantia de permanecer contratada, até que resolva a situação, e, em razão do feriadão, os meninos, que frequentam a escola, estão com familiares. 

A reportagem fez contato com a Direcional e Caixa para obter retornos, e apurou que, após a repercussão do caso, um escritório de advocacia de Porto Alegre contatou Stephanie para representar a moradora. Já o Corpo de Bombeiros afirmou que pode fornecer apenas o relatório da ocorrência aos envolvidos, e que o uso do mesmo como documento formal pela empresa é uma questão jurídica e contratual entre as partes.

Nota da Caixa

A CAIXA informa que o Residencial Irmãos Maristas, localizado em Porto Alegre (RS), foi contratado e entregue pela Direcional Engenharia, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida – Faixa I, mediante emissão de habite-se pela Prefeitura e AVCB do Corpo de Bombeiros.

A CAIXA esclarece que a beneficiária esteve na agência na data de hoje (09) para dar início à análise da documentação e recebeu todos os esclarecimentos necessários para habilitação da cobertura de sinistro.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895