Moradores contabilizam prejuízos e pedem doações após ciclone

Moradores contabilizam prejuízos e pedem doações após ciclone

Na Zona Sul de Porto Alegre, moradores precisam de doações de roupas e alimentos

Felipe Samuel

Janaína ainda contabiliza os estragos provocados pelo ciclone extratropical

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Quatro dias após a passagem do ciclone extratropical pelo Rio Grande do Sul, famílias do Extremo Sul de Porto Alegre contabilizam os prejuízos provocados pelas fortes rajadas de vento e a chuva ininterrupta de sexta-feira. Por conta da tempestade, houve queda de árvores, enchentes e alagamentos. Na casa da pescadora Janaína Gomes Lobo, 34 anos, e do marido Luiz Henrique, localizada na rua Túnel Verde, na Ponta Grossa, na Zona Sul da Capital, as marcas da enxurrada estavam nas paredes, onde o nível das águas ultrapassou 0,60 metros. No quarto do casal, o acúmulo de roupas, cobertores e utensílios em cima da cama revela a tentativa de salvar os objetos das águas.

Sem coragem para entrar no recinto e iniciar a limpeza do local, Janaína encontra forças para mostrar solidariedade e ajudar outros moradores que perderam quase tudo. Mesmo com as dificuldades enfrentadas durante o ciclone, ela e o marido ajudaram a salvar parte dos vizinhos - principalmente idosos - na madrugada de sexta-feira. Por volta das 5h de sexta-feira, quando a água invadiu a casa, os dois decidiram usar o barco de pesca da família para resgatar as pessoas. Sem dinheiro para colocar combustível no motor do equipamento, a solução foi amarrar uma corda, encarar água pela metade da cintura e puxar os sobreviventes em meio à chuva.  

“A questão foi muito triste, mas a gente conseguiu salvar todo mundo com vida. A gente não consegue ter noção na verdade de quantas pessoas foram salvas porque a gente não consegue raciocinar nada. Foi bem complicado. Tiramos uma gestante que estava entrando no trabalho de parto. Tiramos o nosso vizinho, seu Antônio, que tem uma bolsa de urostomia. Foi difícil para tirar ele, mas consegui, no final tudo deu certo na luta. Tiramos o seu Valdemar, que é um senhor de idade que mora na rua também em uma casa de risco. Foi bem difícil, mas conseguimos convencer”, relata.

Durante o temporal, outro idoso que tinha realizado radioterapia no dia anterior foi salvo pela ação do casal. “Removemos todo mundo, porque os bombeiros chegaram e a gente já estava na função de remover o pessoal. Os bombeiros, quando chegaram, não tinham barco, e nós estávamos tirando o pessoal puxando a lancha com a mão, porque a gente tem um motor, mas não tinha dinheiro para gasolina”, afirma. Ela acionou vereadores da região, como Gilson Padeiro (PSDB), que bancou a gasolina para auxiliar na remoção dos moradores. “Ficou mais fácil para enfrentar a correnteza, porque estava bem difícil”, afirma.

Na casa onde mora com o marido e quatro filhos, o cenário é impactante. Os filhos menores dividem um colchão na sala da residência. E o mais velho, de 16 anos, se instalou na casa da avó Beatriz, que mora em uma casa localizada no mesmo terreno e também atingida pela força das águas. Os móveis da cozinha e da sala foram atingidos pela enchente. Na mesa da cozinha, ela tenta colocar em ordem as fotos da família e, ao mesmo tempo, juntar forças para limpar o local. “A água invadiu toda a casa”, relata Beatriz. Aos 62 anos, ela carrega as sequelas de um AVC sofrido em 2019.

Ela perdeu tudo também. Na casa dela, não se salva nada também. A televisão dela molhou e estragou tudo. E a gente está tentando manter ela o mais calmo possível, porque na quinta-feira a gente tinha chegado com ela do hospital com quadro de parada cardiorrespiratória. Só não chegou a dar uma parada porque a médica botou correndo no oxigênio. A gente chegou com ela era 23h30 de quinta e às 5h10 da manhã ela me ligou dizendo que a água estava invadindo tudo”, relata.

Depois das cenas de desespero durante o temporal, os moradores da rua Túnel Verde tentam se reerguer. Conforme Janaína, uma equipe da Defesa Civil levou 15 colchões para os moradores. A subprefeitura também entregou alimentos para os moradores, mas em quantidade insuficiente. “O pessoal precisa muito de ajuda, roupa masculina, roupa infantil, cobertas, toalha de banho, lençol, alimentos”, sustenta Janaína. Ela afirma que algumas pessoas de outras regiões estariam se passando por moradores da Rua Túnel Verde para pegar as doações encaminhadas a uma entidade beneficente.

“Precisamos que a prefeitura nos ajude, que os órgãos públicos nos ajudem também”, destaca. Janaína se propõe a fazer uma lista com a relação das pessoas mais necessitadas. “Se for possível, o ideal seria o pessoal largar as doações nas casas localizadas no Túnel Verde, para a gente distribuir aqui”, observa. Além do pedido de auxílio da prefeitura para organizar a doação de alimentos, ela pede uma força-tarefa para dar suporte às pessoas que perderam documentos durante a enchente, principalmente idosos. “A minha sogra perdeu os documentos. E assim foi todo mundo, porque pegou todo mundo desprevenido”, destaca.

Por conta desse cenário, Janaína afirma que não conseguiu se restabelecer. “Estou tentando ajudar o povo, tentando ajudar as famílias, porque a gente sabe que é difícil para todo mundo, mas a gente tem que tentar todo mundo se ajudar. Agora quero ver se consigo entrar dentro da minha casa e ver o que dá para salvar dos meus móveis, das minhas roupas, das minhas coisas e ver se dá para salvar alguma coisa”, completa. Em decorrência do salvamento, quando ficaram expostos à água, ela e o marido estão com sintomas como diarreia e vômito. Meu marido ficou todo roxo, com hipotermia. Botamos ele para dentro de casa em uma cama de cima do beliche, que foi aonde não molhou”, completa.


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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895