Muito cimento e pouco verde: especialistas criticam concessão de parques em Porto Alegre

Muito cimento e pouco verde: especialistas criticam concessão de parques em Porto Alegre

Entidades também alertam para impacto na fauna e nas espécies presentes nos locais

Felipe Samuel

Prefeitura entregou ao TCE estudos de concessão do Parque Marinha do Brasil

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Após a prefeitura definir, no começo do mês, os detalhes do modelo concessão do Parque Marinha do Brasil/Trecho 3 da Orla do Guaíba à iniciativa privada, ambientalistas criticaram a decisão e cobraram maior transparência na elaboração dos estudos e nas discussões sobre a concessão de parques em Porto Alegre. Entidades como a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) avaliam que existe uma “desconstrução do que é vivo por um ambiente cheio de concreto, ferro e asfalto”.

Conforme o estudo, encaminhado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), entre os principais pontos previstos para a região estão a construção de uma pista para bicicletas no Marinha, a manutenção técnica da maior pista de skate da América Latina e a conservação das 29 quadras esportivas do Trecho 3 da Orla.

Para o presidente da Agapan, Heverton Lacerda, existe um processo de privatização de parques e áreas públicas da Capital, em que a Prefeitura fornece poucas informações. "Acabamos sabendo pela imprensa, como foi o caso do Harmonia", destaca Lacerda sinalizando falta de transparência e diálogo da gestão com a cidade.

“A prefeitura acaba privilegiando essas relações da gestão com a iniciativa privada do mercado imobiliário”, afirmou Lacerda apontando para um alinhamento da gestão Melo com os interesses imobiliários. Ele cita o exemplo da Redenção, onde o orquidário foi retirado. Além disso, destaca a cedência de um espaço no local para a iniciativa privada.

Professor do Instituto de Biociências da Ufrgs e coordenador do Ingá, Paulo Brack avalia que o avanço das intervenções nos parques afeta a preservação de áreas verdes. “Não queremos ver isso nos demais parques e na orla do Guaíba. Seria um desastre. Isso nos preocupa muito. Queremos que o governo abra essas discussões com a sociedade antes de complementar essas concessões”, pontuou.

Os ambientalistas cobram desde o ano passado por maior participação nas discussões sobre a concessão de áreas verdes. "Nossa preocupação é o incremento intenso de cimento, de construções. Já verificamos isso no caso do Parque Harmonia, onde se perdeu muita área verde.”

Na avaliação do especialista, muitas dessas áreas verdes do parque Marinha e da Orla vão ser objeto de construções. “Já tem uma pista enorme de skate ali. Querem construir outras pistas, canchas de futebol com grama sintética, o que também chama atenção. Parece que a função das nossas áreas verdes fica muito direcionada para atividades mais esportivas e eventos, e se perde um pouco a paisagem natural e áreas verdes para a população sentar na grama, fazer piquenique, observar os pássaros. Vai ter impacto a fauna, já está ocorrendo isso. E menos verde significa também situação microclimática desfavorável, pois o concreto acumula mais calor do sol”, ressaltou.

Ele alertou ainda para uma área de preservação permanente do Guaíba onde duas espécies de tartarugas colocam seus ovos na margem. “Sabemos que parte do Parque Marinha e da orla foi aterro, mas de qualquer maneira são áreas consideradas aptas para essas tartarugas. E aves de ambientes, no caso biguás, gaivotas, maçaricos, garças, que ocorrem na orla do Guaíba e que precisam do verde da vegetação para sua sobrevivência”, completa.

O que diz a Prefeitura 

O secretário-adjunto de Parcerias, Jorge Luís Rodrigues Murgas, rebateu as críticas e avaliou que a concessão amplia e qualifica os espaços de lazer dos parques.

Ele alega que as discussões sobre as concessões de parques já acontecem desde 2019, ou seja, na gestão anterior. E reforça que o assunto foi discutido na Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosman) da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. “É importante ressaltar que os projetos observam requisitos discutidos em audiências e consultas públicas. Foram debatidos em audiência pública e sofreram críticas e considerações positivas dentro da própria consulta pública. O processo está sendo muito transparente”, garantiu.

Segundo Murgas, o estudo apresentado pela prefeitura ainda precisa de parecer do TCE, que pode fazer recomendações antes da publicação do edital de concessão, que deve ocorrer até o final do ano. A Prefeitura espera efetuar a assinatura do contrato e garantir o começo da concessão no primeiro semestre do próximo ano. O processo da concessão do Trecho 3 prevê melhoramentos e manutenção do trecho da orla 3. “No Marinha do Brasil setorizamos todo parque, não tem subtração de vegetal, tem previsão de preservação do uso dele, com parte esportiva, lazer e cultura. Não tem grandes intervenções”, disse.

De acordo com Murgas, o vencedor da licitação ficará responsável, por 30 anos, pelas duas áreas, que vão seguir 100% públicas, sem cercamento e com funcionamento 24h. “Do primeiro ao 11° ano, o concessionário terá fluxo de caixa negativo. A partir do 12º ano começa a ter retorno. É uma operação ao longo dos anos, pois a manutenção do parque custará R$ 227 milhões durante os 30 anos”, afirmou. Sobre as críticas de ambientalistas de que a prefeitura estaria alinhada ao mercado imobiliário, Murgas afirma que o argumento é frágil.

“O município tem que observar a legislação. Todos os projetos sofrem críticas dos servidores e das comissões. Tem muita transparência, pois segue a legislação. Tudo isso é uma tentativa de criar uma narrativa”, rebateu.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895