"Perdi tudo, mas não quero sair", diz morador das ilhas que ficou com água pelo pescoço nas cheias

"Perdi tudo, mas não quero sair", diz morador das ilhas que ficou com água pelo pescoço nas cheias

Norton Rodrigues Ávila afirmou ter sido um dos únicos da Mauá a não deixar o local mesmo com a enchente

Felipe Faleiro

Casa de Norton foi deslocada dos pilares pelas cheias de setembro e novembro

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A situação no bairro Arquipélago, em Porto Alegre, continua extremamente difícil para uma parcela dos moradores que ainda não se recuperou dos efeitos das cheias do final de novembro. Na Comunidade Mauá, a nova ponte que ligará o local ao restante da Ilha da Pintada estava na manhã deste sábado com a construção já avançada. Ali, os habitantes da localidade ainda precisam conviver com o excesso de entulhos retirados das residências, já que não é possível o acesso por carro.

Em um canto da ilha, no final de um longo beco, o morador Norton Rodrigues Ávila afirmou ter sido um dos únicos moradores da Mauá a não deixar o local nas duas grandes enchentes, tanto a mais recente, quanto a anterior, de setembro. “Fiquei com água aqui no pescoço, mas não saí. Com a água barrenta, não era possível ver nada. Andei na ponta dos pés”, disse ele. Ainda assim, ele disse ter encarado as ondas formadas pelos navios que passavam pelo Guaíba e seguido adiante, a fim de oferecer auxílio para sua mãe, de 68 anos, que também voltou à casa simples depois.

Morador da localidade desde sempre, Ávila comentou que pensou em “várias coisas” no momento das tormentas, mas, como não havia muitas opções para si, resolveu permanecer. Os demais foram removidos pela Defesa Civil Municipal. Foi uma decisão arriscada, visto que, sua casa, à qual o único acesso é por uma ripa de madeira posta a cerca de um metro e meio de altura da água, poderia ter tido o mesmo destino de outras próximas, que foram destruídas pela força do Guaíba.

A construção da residência de madeira ocorreu sobre tijolos que servem como pilares da mesma. Com o vento, a chuva forte e as ondas, a estrutura deslocou sobre o alicerce, ampliando enormemente o perigo. O morador sabe disto, mas, com certa resiliência, comenta que não deseja sair. “Perdi geladeira, televisão, máquina de lavar e todos os eletrodomésticos”, lamenta. Suas companhias incluem ainda quatro cães filhotes, nascidos logo depois da primeira cheia, e uma adulta, mãe deles. “Esses aqui só viram cheia até agora”, afirma Norton, apontando para eles.

No sábado, no começo da tarde, o nível do Guaíba na régua de medição do Cais Mauá, no Centro Histórico, mantida pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), marcava 1,63 metro, abaixo da cota de cheia no local, e em tendência de estabilidade. Não foi o menor índice da semana, já que o curso d’água chegou a marcar 1,47 metro na quarta-feira, antes dos episódios de chuva em Porto Alegre no mesmo dia e na quinta-feira.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895