Presidente do Asilo Padre Cacique quer doar imóveis a moradores do Quilombo dos Lemos

Presidente do Asilo Padre Cacique quer doar imóveis a moradores do Quilombo dos Lemos

Edson Brozoza diz querer levar o assunto ao conselho deliberativo nos próximos 15 dias

Felipe Faleiro

Na manhã desta quinta, Quilombo dos Lemos não tinha moradores à vista

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O presidente do Asilo Padre Cacique, Edson Brozoza, afirmou nesta quinta-feira que pretende levar ao conselho deliberativo da instituição uma proposta de acordo com os moradores do vizinho Quilombo da Família Lemos, que ocupa uma área considerada parte da estrutura do asilo, no bairro Santa Tereza, em Porto Alegre. A intenção, segundo ele, é resolver o litígio que existe desde, ao menos, o ano de 2009, quando o assunto passou à esfera judicial, e no qual o Padre Cacique buscou a reintegração de posse deste segmento do terreno, que afirma ser seu.

“Temos uma meia dúzia de imóveis doados por pessoas solitárias a fim de o asilo obter renda. Quero levar ao conselho a ideia de oferecer um deles para que eles façam de residência. Prefiro me desfazer de um patrimônio do asilo, mas obter de volta um de mais valor, que é esta área dos fundos”, afirmou Brozoza, se referindo à área ocupada pelos familiares de Jorge Alberto Rocha de Lemos, antigo zelador do asilo.

O imbróglio relacionado ao Quilombo dos Lemos é assunto antigo. De acordo com o Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre, elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o primeiro registro de ocupação da área é incerto, mas acredita-se ser o ano de 1964, quando Jorge, falecido em 2008, se estabeleceu no terreno entre o asilo e a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase), para não precisar se deslocar mais de 18 quilômetros diariamente, já que ele e a esposa, Délzia Gonçalves de Lemos, moravam em Viamão.

“Na época da chegada da família, o terreno não era reclamado por nenhuma instituição”, conta o atlas. Delzia também passou a trabalhar no Padre Cacique, onde atuou por 35 anos, enquanto Jorge trabalhou por 44 anos. Os cinco filhos do casal e a mãe de Delzia, Anna Julia, chegaram ao local em 1964, e o sexto filho, Sandro, nasceu quando a família já estava no quilombo. Com o passar dos anos, houve incertezas quanto à propriedade da área, e a situação ganhou novo capítulo quando o território quilombola foi reconhecido como tal pela Fundação Palmares, do governo federal.

Na prática, isto impede quaisquer modificações no local, mas ainda é aguardado posicionamento e titulação por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em um dos episódios de maior tensão, em 2018, houve uma tentativa de reintegração de posse, mas, diante da presença de membros da Defensoria Pública do RS (DPE/RS), que passou a defender a causa do quilombo, deputados estaduais simpáticos à causa e outras entidades, a ordem foi suspensa. 

No mesmo ano, a 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre decidiu que qualquer ação envolvendo o quilombo deve ser remetida à Justiça Federal. O asilo entrou com recurso, mas a decisão foi confirmada em maio deste ano pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Houve novo recurso, e, por isso, embora o processo esteja na terceira instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, está atualmente parado. 

Brozoza afirma ainda ter em mãos um documento, datado de 1845, que comprovaria a doação da área pelo então imperador Dom Pedro II. O material foi encontrado no Arquivo Público Estadual, afirma o presidente do Asilo Padre Cacique, em meio a documentos que ele pretende utilizar para um futuro livro com imagens históricas da instituição.

Questionado sobre os locais que o asilo pretende oferecer para os quilombolas em troca do terreno, ele lista um sobrado na rua Sofia Veloso, uma casa na rua da República, ambos no bairro Cidade Baixa, outros três apartamentos “menores, então talvez não daria para eles se acomodarem”, afirma ele, e outra residência no bairro Glória. “Dependo da concordância do conselho, mas acredito que vão acolher a questão. É uma questão de honra”, comenta o presidente. No lugar do quilombo, o asilo pretende construir um salão de eventos com um auditório superior. A reportagem não conseguiu contato com o quilombo para repercutir as declarações de Brozoza.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895