Primeiro bebê de proveta do Rio Grande do Sul completa 35 anos

Primeiro bebê de proveta do Rio Grande do Sul completa 35 anos

Nascimento de Álvaro Luís Gonçalves Santos representou um marco na história da reprodução assistida

Cristiano Abreu

Após ser aprovado em 25 concursos públicos, Álvaro Luís é auditor na Contadoria e Auditoria Geral do Estado

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Há 35 anos, o muro de Berlim, que dava sombra às obscuridades da Guerra Fria, tombava pela força de um mundo em transição. O Brasil pós-ditadura abriu espaço para a liberdade e se moldava para uma série de transformações sociais; José Sarney, o primeiro presidente civil após a reabertura democrática, sancionou a lei do divórcio, enquanto o país vivia a expectativa de voltar a eleger o chefe da República pelo voto direto. E este intenso 1989 ainda reservou ao Rio Grande do Sul a afirmação de uma importante revolução no campo da reprodução humana: o nascimento do primeiro bebê a partir da técnica de fertilização in vitro (Fiv).

No dia 23 de fevereiro de 1989, às 10h17min, nascia Álvaro Luís Gonçalves Santos. A chegada ao mundo daquele bebê de dois quilos e 830 gramas, e com 47 centímetros, no Hospital São Lucas da PUCRS, em Porto Alegre, representou um marco na história da medicina gaúcha.

“Era algo novo em todos os aspectos, não havia precedente”, recorda o ginecologista Álvaro Petracco, que trouxe a técnica para o Estado.

“O primeiro Bebê de proveta é de 1978 (a inglesa Louise Brown), no Brasil, o primeiro é de 1984 (Anna Paula Caldeira, nascida em São José dos Pinhais, no Paraná). Se conhecia muito pouco sobre gametas (células reprodutivas). Eu morei na Europa quando foi descrita a tecnologia e decidi montar um laboratório de pesquisas quando voltei ao Brasil, em 1979; trouxemos de fora os equipamentos e insumos, era quase artesanal, e os resultados, empíricos”.

Após nove anos de estudos, em 1988, a vida cruzou os caminhos de Petracco e do casal Iara e João Luís Santos, que enfrentaram dificuldades para engravidar por conta de uma endometriose, (disfunção no tecido que reveste o útero internamente). Submetida à fertilização, Iara gravou na primeira tentativa, teve uma gestação normal e abriu um novo campo na medicina gaúcha.

“Foi uma alegria para equipe médica e família, pois conversamos sobre uma época em que uma taxa próxima de 20%, quando comparada a uma relação sexual, era considerada um grande sucesso”, relembra o especialista.

Uma vida com propósito

O “primeiro bebê de laboratório” do Rio Grande do Sul, como noticiou a imprensa em 1989, hoje é Formado em Economia pela PUCRS e estudante de Ciências Contábeis na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E se considera uma pessoa com propósitos bem definidos.
“Morei até meus 17 anos na praia (Imbé, no litoral Norte), depois na zona Norte de Porto Alegre, mas sempre quis viver na zona Sul, por isto, depois de um tempo em São Paulo e em Caxias do Sul, comprei um apartamento no bairro Tristeza. Ainda não estou casado, mas pretendo, e quero ter dois filhos – um casal”, revela.

A convicção com a qual estabelece e põe em prática as metas traçadas está presente no tom de voz e na própria pele. “Eu tatuei na perna esquerda, na vertical, a palavra propósito”, exibe, com orgulho.

Prova de que costuma conquistar os objetivos é a trajetória profissional. Álvaro desistiu de uma carreira sólida no mercado financeiro para se dedicar ao setor público. Foi aprovado em nada menos que em 25 concursos, e, por opção, é auditor da Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage), onde se dedica à eficiência da máquina pública e ao combate à corrupção.
Apesar da pouca idade, preside o Comitê de Integridade Pública do Estado, que tem a missão de implementar programas de integridade na administração pública gaúcha. E também coordena o Projeto Escola Íntegra, no qual os estudantes aprendem sobre combate à corrupção, iniciativa idealizada por ele.
“Meu trabalho é muito mais dinâmico do que no mercado financeiro, e socialmente mais importante”, acredita.

Álvaro sorri ao contar sobre a fertilização in vitro e sobre o nome dado a ele pelos pais. “É uma homenagem. Minha família é muito grata ao doutor Petracco, pelo que também sou. Quatro anos após meu nascimento, minha mãe engravidou novamente, de forma natural, da minha irmã”, afirma, fazendo questão de destacar que carrega o nome do pai. “Sou Álvaro, mas também Luís, feito meu pai”, exalta.

“Desde quando eu era novinho, o assunto da fertilização é pautado na família, mas é algo que sempre foi tranquilo para mim. A única diferença que eu vejo é que acaba sendo uma curiosidade, quebra o gelo na hora de fazer amigos e ajuda quando você conhece uma menina. Vira assunto de mesa de bar”, brinca.

Médico e paciente que fizeram história na medicina gaúcha mantêm contato, ainda que não seja frequente. “Não esperava a homenagem, o fato é que ficamos muito amigos do casal e encontro o Alvinho eventualmente em Porto Alegre, até o convidei para um café”, conta Petracco.

Perto de sete mil nascimentos assistidos

Passados ​​​​35 anos desta gestação cercada de curiosidade e ineditismo, Petracco é Doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto-SP e comanda a Fertilitat, clínica localizada em Porto Alegre e referência nacional em reprodução humana assistida. Ele e a ginecologista Mariangela Badalotti, também pioneira na Fiv, são responsáveis ​​por aproximadamente sete mil nascimentos assistidos no RS.

“A Fiv trouxe grandes modificações para a investigação e o tratamento da infertilidade, e cada vez mais pessoas recorrem às técnicas. Obviamente como as tecnologias evoluíram, o estudo genético está em pauta atualmente, a prevenção da infertilidade por meio do congelamento de óvulos e o emprego da Inteligência Artificial para a seleção de óvulos e espermatozóides avançaram, elevando as taxas de sucesso para perto de 50%. Trabalhamos para desmistificar e popularizar a tecnologia reprodutiva, tudo isto desde o nascimento do Álvaro, que considero um momento consagrador”, fecha Petracco.


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