Profissão Noel: dos pedidos impossíveis à preparação para manter viva a tradição do Natal

Profissão Noel: dos pedidos impossíveis à preparação para manter viva a tradição do Natal

Nas vésperas do Natal, a figura do bom velhinho é sinônimo de esperança. Saiba como é a rotina de quem dá vida a este personagem

Rodrigo Thiel

Nem mesmo o forte calor registrado nas últimas semanas afasta a alegria de José Nascimento em ser o Papai Noel da Praça da Alfândega

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Sob um Sol escaldante e uma temperatura beirando os 40ºC, ou mesmo se escondendo da chuva, ele estará lá. No final do ano, o bom velhinho é uma atração à parte nos espaços públicos, em empreendimentos privados e também em ações sociais. E a presença dos Papais Noéis nos dias que antecedem o Natal ajuda a manter vivo este espírito de fraternidade e bondade, principalmente entre os mais jovens. Entretanto, atrás de vestes vermelhas, barbas longas e toucas típicas existem pessoas, que ajudam a trazer esperança para o Natal e para o mundo.

Na Praça da Alfândega, no Centro Histórico, nem mesmo o calor extremo afasta José Nascimento, de 56 anos, da função na qual atua há mais de duas décadas. “Pode chegar até aos 60ºC. Se eu não desmaiar, vou seguir fazendo o que eu faço, porque isso é pelas crianças. Para mim, ser Papai Noel é uma coisa incrível. Um abraço sincero é o melhor presente. Não tem dinheiro que paga isso. Quando eu era criança, não tinha tanto Papai Noel. Então eu prometi que quando fosse adulto, trabalharia com isso”, contou Nascimento.

Poucos metros da Praça na Alfândega, uma parte do Paço Municipal foi transformada na Casa do Papai Noel, em ação realizada pela Prefeitura de Porto Alegre no Natal dos Encantos. Frederico Carlos Krause, de 64 anos, é bom velhinho responsável por atender as crianças que visitam o espaço. Há 15 anos atuando como Papai Noel, ele entende que fazer este trabalho ajuda a manter viva a tradição. “É para que não venha a se apagar esta chama da fraternidade, da bondade e da generosidade com as outras pessoas. Todos nós precisamos de um pouco de carinho e este é um momento onde as pessoas ficam mais sensíveis, pois é quando não vão passar com algum ente da família, por exemplo. Então precisamos alegrá-las e trazê-las de volta para a vida”, completou.

Além de manter viva a tradição, Dilceu Flores Júnior, de 52 anos, também ajuda a promover a inclusão neste período onde o afeto e o amor com o próximo aflora. Cadeirante e servidor da Faders, ele tem participado de ações de solidariedade junto com o Instituto Moinho Social, ajudando na entrega de presentes em comunidades carentes de Porto Alegre e região. “Uma criança nunca vai imaginar que um Papai Noel vai chegar de cadeira de rodas. Isso causa uma certa surpresa para ela e isto é uma maneira de tentar incluir também. Não é porque a gente tem uma deficiência que não possamos fazer uma ação desse tipo. E não tem preço ver uma criança alegre”, destacou Júnior, como é conhecido.

Dilceu Flores Júnior participa de ações sociais em comunidades carentes de Porto Alegre, como a entrega de presentes do Hospital Moinhos de Vento no Morro da Cruz, e ainda ajuda a promover a inclusão de pessoas com deficiência | Foto: Ricardo Giusti

Cura do câncer, abraço e emprego: os pedidos inusitados ao Papai Noel

A sinceridade das crianças e o anseio pela melhora em uma situação de dificuldade também veem no Papai Noel uma figura de esperança. E isso é sentido nos pedidos especiais que os bons velhinhos recebem nesta época do ano. Alguns são inusitados e extravagantes, como lembra Krause. “Chegou uma pessoa e me falou que queria ganhar uma Mercedes”, brincou.

Entretanto, outros são comoventes. De plantão em um banco da Praça da Alfândega perto da árvore de Natal montada, Nascimento conta que dois pedidos chamaram a atenção neste ano. Para ele, além de ouvir os sonhos e os anseios, é função do Papai Noel se emocionar com os pedidos, mesmo que involuntariamente.

“Uma senhora de 80 anos veio me pedir um abraço e começou a chorar. Eu perguntei para ela o que aconteceu e ela me respondeu que era a primeira vez que ela estava abraçando um Papai Noel. Mas teve mais um que me emocionou muito. Um rapaz pediu para eu gravar um vídeo desejando Feliz Natal para a irmã dele, de 26 anos, que está internada em tratamento contra um câncer. Eu comecei a me emocionar e ele também. Eu lembro de falar no vídeo que, para Deus, nada é impossível e que ela vai superar isso tudo”, recordou.

Em uma de suas ações, Júnior relembra que o Papei Noel feito por ele também recebeu um pedido que não era para a pessoa, mas pelo bem de outros. “Era uma criança que não queria algo para si, queria para a sua família. Ela estava preocupada com a questão social da irmã, que não tinha emprego, com a alimentação da casa, pois estavam com dificuldades financeiras. Esse foi um pedido que me marcou muito. Em outro, um menino que tinha autismo chegou em mim e disse que o Papai Noel era bonito e só queria um abraço. Isso te faz ver o quão maravilhoso é ser esta figura”, falou Júnior.

Ao lado da Mamãe Noel Odete Voltz e do duende Vitor da Rosa na Casa do Papai Noel, montada no Paço Municipal, Frederico Carlos Krause conta que pretende acrescentar "Noel" em seu nome | Foto: Guilherme Almeida

“Eu tiro férias para fazer isso. Sou Papai Noel 356 dias por ano”

Assim como para qualquer profissão, ser Papai Noel exige uma preparação especial. Afinal, a barba branca, o carisma e a vontade de espalhar o bem não são algo que apenas surgem no momento em que a vestimenta vermelha é colocada. Frederico Carlos Krause, o bom velhinho do Paço Municipal, conta que todos os dias são dias para ser Papai Noel.

“Eu trabalho em uma empresa, mas em dezembro, quando chega o Natal, eu tiro minhas férias para fazer isso: para ser o Papai Noel. Eu tenho esse sentimento e carrego isso comigo há 15 anos. Todos os dias, eu sou o Papai Noel na minha empresa, tanto que lá onde eu trabalho ninguém me chama de Frederico. Lá me chamam de Noel o tempo inteiro. Sou Papai Noel 365 dias por ano. Eu tenho que manter minha barba sempre cortada e ajeitada. Acho até que vou adotar Noel junto com meu nome”, brincou.

Para Dilceu Flores Júnior, a preparação para ser o Papai Noel vai muito além. Se no imaginário popular o bom velhinho usa um trenó para entregar alegrar alegria por onde anda, o Papai Noel vivido por Júnior tem uma preocupação especial com o seu meio de transporte. “Quando eu vou entrar no personagem, eu sempre rezo à Deus para que dê tudo certo. Tomara que minha cadeira não estrague. Tomara que ela me leve onde eu preciso ir. Porque ela é as minhas pernas. Eu adotei esta missão e preciso estar preparado para isso”, ressaltou.

O trabalho realizado por ele também possui um cunho social, ao visitar comunidades carentes. Segundo Júnior, estes espaços estão carentes de esperança, por isso merecem uma atenção especial de todos. “O Papai Noel identifica isso. Ele traz amor ao próximo, que é o que estamos precisando em nossa sociedade. Eles precisam tanto de um resgate. Um simples presente se torna algo enorme. E neste momento que estamos vestindo este personagem, a gente percebe o quanto a sociedade precisa deste carinho e precisa ter esta vontade de viver o Natal”, finalizou.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895