Estátua de Obirici: a beleza e a lenda indígena na história do bairro Passo D’Areia

Estátua de Obirici: a beleza e a lenda indígena na história do bairro Passo D’Areia

À margem do viaduto Obirici, a guardiã de pedra conta a história da índia que perdeu a disputa pelo coração de Upatã e se transformou no arroio Ibicuiretã

Brenda Fernández

Guardiã de pedra conta a história da índia que perdeu a disputa pelo coração de Upatã e se transformou no arroio Ibicuiretã

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A origem do bairro Passo D'Areia, na zona Norte de Porto Alegre, carrega a história da lenda indígena da índia Obirici, simbolizada desde 1975 em uma estátua à margem do viaduto que leva o mesmo nome. A escultura em bronze de autoria de Nelson Boeira Fäedrich e Mário Arjonas de uma mulher com os braços levantados ao céu retrata a história de uma índia que transformou-se em riacho, de tanto chorar, após perder o grande amor de sua vida.

A lenda conta que a região era habitada por dois grupos indígenas, um que ocupava o morro Santa Teresa e outro que ficava próximo ao rio Gravataí. Obirici, que pertencia a um dos grupos, se apaixonou por Upatã, que pertencia ao outro, e estava prestes a casar com uma índia de sua comunidade. Mesmo prometido, Obirici confessou seu amor a Upatã.

A situação foi resolvida em uma disputa de arco e flecha entre as duas índias. Quem acertasse três vezes ao alvo ganhava o coração do Upatã. Nas primeiras duas rodadas ambas acertaram ao alvo, mas Obirici errou na última jogada.

Inconsolada, ela caminhou por onde hoje é o bairro Passo D'Areia e sentou-se para chorar debaixo de uma figueira pedindo, com os braços estendidos ao céu, que Tupã a levasse deste mundo. De tanto chorar, Obirici se transformou em um arroio naquela noite. O curso de água sobre a fina areia era o arroio Ibicuiretã, que cruzava o bairro e, posteriormente, foi aterrado para dar espaço à urbanização da cidade.

A história da índia Obirici e o 'rio de lágrimas' ganha corpo pela narrativa oral de um velho índio chamado Karaí Vicente, que teria fugido de um dos Sete Povos das Missões após a guerra Guaranítica (1753-1756), e depois é eternizada pelas crônicas de Antonio Vale Caldre Fião.

Preparativos para inauguração do viaduto Obirici em 1975 | Foto: CP Memória

Apesar de não haver muitos registros escritos, a lenda é conhecida pelos moradores mais antigos do bairro, como a Vera Roesler Schneider. Nos 70 anos que soma como residente do bairro, ela viu as primeiras transformações da região e a construção da estátua da índia obirici, a poucos metros de sua casa. "A primeira estátua era de bronze e foi roubada. Essa que está hoje é a segunda", conta Vera que ficou sabendo da detalhes da lenda por conta da revista "Memória dos Bairros - Vila IAPI" distribuída à população em 1991 pela Secretaria de Cultura da época.

De nome homônimo, Vera Lúcia Bitello era criança quando a estátua e o viaduto foram construídos. "Eu era pequena, mas me lembro do movimento em torno, dos homens trabalhando." Ela mora no bairro há 60 anos, desde os 9 anos de idade, e conta que lembra do envolvimento dos moradores com os trabalhadores: "os vizinhos levavam comida a eles".

A estátua está localizada na bifurcação das avenidas Brasiliano Índio de Moraes e Plínio Brasil Milano. Parte da obra é um pequeno lago artificial aos pés da índia que atualmente está sem água. A memória indígena no Passo D'Areia também é lembrada no nome da praça e do viaduto, assim como nas ruas do entorno – ruas Tupi e Tuparaí, por exemplo.

Quem foram Nelson Boeira Fäedrich e Mário Arjonas
A estátua da índia Obirici foi criada pelo porto-alegrense Nelson Boeira Fäedrich e esculpida pelo espanhol Mário Arjonas. Fäedrich também foi cenógrafo, figurinista e ilustrador. Ilustrou livros de João Simões Lopes Neto e Erico Verissimo.

Já Mário Arjonas foi escultor, arquiteto e professor espanhol ativo desde jovem no Brasil. Foi autor de inúmeras obras para templos, monumentos, esculturas e altares para igrejas em Porto Alegre e Interior do Rio Grande do Sul. Muitas destas esculturas estão no cemitério Santa Casa de Misericórdia, em jazigos de figuras importantes da época, como a família Caldas Júnior.


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