São Leopoldo vive dias de caos e solidariedade em meio a enchente histórica

São Leopoldo vive dias de caos e solidariedade em meio a enchente histórica

Área central do município está completamente inundada, mas 150 voluntários se articulam para realizar resgates

Felipe Faleiro

Enchente e resgates no Centro de São Leopoldo

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Motoristas precisaram ter paciência nesta terça-feira, um dia após a liberação da Estrada da Integração Leopoldo Petry, único caminho possível entre os municípios de Novo Hamburgo e São Leopoldo no momento, ligando os bairros Lomba Grande e Feitoria, respectivamente. A via, por onde a correnteza passava forte nos últimos dias por sobre a pista, na altura da estação de bombeamento de água do rio dos Sinos, na vila Integração, em Novo Hamburgo, já está seca, embora haja ainda muitos reflexos.

Por receber o trânsito de desvio da BR 116 e da avenida Mauá, ainda alagados, o trajeto de cerca de 15 quilômetros, ingressando na avenida João Aloysio Allgayer no sentido a São Leopoldo, levou mais de 1h30min para ser concluído. A estrada também é irregular, repleta de enormes buracos, exigindo atenção dos condutores.

Na área urbana de São Leopoldo, a água ainda toma conta de muitas vias, e, em ruas da área central, ela ainda alcançava nesta terça mais de 1m70cm de altura, cobrindo veículos. Veículos da Força Nacional circulam pelo município em auxílio. No bairro São Geraldo, diversas ruas e casas ainda estão debaixo d'água.

Rafael Rodrigues estava com sua mãe, Anair Camargo, e mais alguns parentes limpando a residência e eliminando móveis perdidos. A água já havia baixado cerca de dois metros, permitindo a volta para casa, na qual quase tudo foi perdido. "Moro aqui há 45 anos e nunca tinha pego uma enchente como esta. Perdemos bastante coisas, mas estamos todos vivos. Estamos nos organizando com roupas, ver o que dá para aproveitar. Começar de novo", afirmou Anair.

"Saímos na sexta-feira, umas 10h, e agora estamos voltando para cá. O que era de móveis foi para o espaço, porém ainda bem que a casa está inteira. Dessa vez, a enchente passou de todos os pontos", comentou Rafael, que faz aniversário de 37 anos nesta quarta-feira. Conduzindo um caiaque para levar e trazer moradores e itens, o mecânico Cleonir Pereira também confirmou que esta foi a maior cheia que vivenciou.

"Perdi a mecânica toda, quatro carros de clientes, e mais a casa. É uma situação muito complicada. Todos estão passando necessidades. Mas vamos erguer a cabeça e bola para frente", disse Pereira, que tem um filho e sua esposa está grávida de seis meses e teve diagnóstico recente de dengue. Todos foram retirados a tempo do local.

Rede de voluntários no Centro

No Centro de São Leopoldo, todas as ruas estão completamente alagadas, porém uma extensa e organizada rede de cerca de 150 voluntários, fora as demais autoridades, se articulou espontaneamente nos últimos dias para realizar resgates de pessoas e a logística de produtos. Alguns carregam a placa "contenção": são pessoas cuja função é afastar os curiosos e carregar eventuais necessitados a partir da água para cadeiras de rodas, por exemplo.

A professora aposentada Emilia Dill Soares, 93 anos, foi retirada de sua residência e mantinha o ar sereno depois do resgate. "Tem que se ter coragem. Encontramos amigos muito bondosos, que nos dão todo o carinho. Minha cabeça está muito boa, gosto muito de ler", declarou ela. De dentro de um barco, Tatiana Stuermer, moradora de um prédio no Centro, opinou que é preciso rever o modo de produção e consumo das pessoas.

"Talvez precisemos apenas do básico para viver, nossas roupas e nossa energia", afirmou ela, ao lado do vizinho Luiz Fernando Argenti. O "porto", onde também estão os times de enfermagem, psicologia, cadastros de resgates e novos pedidos, está concentrado no entorno do Carrefour de São Leopoldo, na esquina das avenidas Mauá e Presidente Roosevelt. Ali, pedaços de folhas de caderno marcam endereços de pessoas a serem resgatadas, de parentes que querem vê-las.

Barcos vêm e vão cumprir as missões, mas nem sempre as pessoas querem sair. Os barqueiros não insistem, vão embora, e, assim, quem fica se protege como podem de saqueadores. Comandando o time, a assessora de condomínios Karine Bello Karwinski estava na terça-feira com roupa de militar, mas ela nunca atuou na área, embora tenha dito ser filha de brigadiano. "Está sendo uma loucura, mas sempre tive espírito de liderança. Para mim, voz de comando não é nenhuma dificuldade, nem mesmo por ser mulher. Somos uma equipe maravilhosa", comentou Karine.


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